EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Educação Moral e Cívica

O Brasil se dividiu, as feridas estão abertas. Mas também é tempo de depuração

PUBLICIDADE

Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Eu nasci na ditadura, aprendi a cantar o Hino Nacional de pé, com a mão no peito e a voz firme, e tinha no verde e amarelo as minhas cores favoritas. Era ainda menina quando as Diretas Já ganharam as ruas e chorei quando Tancredo Neves morreu, temendo que morresse com ele a minha expectativa adolescente de um país democrático que eu nunca tinha vivido. Votei pela primeira vez para presidente acreditando que juntos chegaríamos lá e amadureci vendo o Brasil fazer a transição democrática para um partido de esquerda. Hoje, o líder popular desse partido de esquerda cumpre pena por corrupção.

PUBLICIDADE

Estamos vivendo tempos difíceis, o Brasil se dividiu, as feridas estão abertas. Mas também é tempo de depuração.

Escândalos de corrupção vieram à tona, os privilégios de poucos ganharam os jornais, os descalabros de políticas públicas equivocadas estão expostos à luz do sol. Bancos e cargos públicos são usados em troca de apoio político – à mercê das redes sociais. Temos uma Justiça cara, lenta e disfuncional. Um Congresso sensível às pressões corporativistas e um Executivo refém de uma máquina que não entrega, mas que muito consome. Já foi pior, mas isso não é conforto, pois o Brasil é hoje um país doente, carente de valores.

Nos agredimos por divergirmos nas ideias; acreditamos que nossos direitos estão acima dos direitos do outro e os nossos privilégios são legítimos porque são nossos. As pequenas corrupções que cometemos no dia a dia são aceitáveis e nossos erros são justificados pelos erros dos outros. Afinal, se todos erram, meu erro está redimido. Que se punam os outros. Aceitamos o desrespeito à lei e à ordem e toleramos o vandalismo e a violência em nome da liberdade de expressão. O debate político se arma nas redes sociais, nas ruas, nos aviões, por meio de ofensas e palavras de ordem que quase nada significam senão ira – a ira do mal. Não há diálogo, apenas confronto.

Outro dia me perguntaram o que faltava na formação das pessoas no Brasil. Não hesitei: falta ao brasileiro a noção de cidadania. Falta-nos entender que há uma moral cívica que coloca a cada um de nós uma obrigação que vai além da busca do interesse individual e nos motiva a cuidar também do outro. Falta um sentimento de coletividade, de pertencimento e aquela identidade nacional que nos torna a todos responsáveis pelo que nos acontece como País.

Publicidade

José Murilo de Carvalho, em Cidadania no Brasil, mostra que desde as raízes coloniais, quando direitos civis e políticos eram limitados e precários, até os anos recentes, em que as pessoas foram às ruas protestar por motivos difusos, a construção da nossa cidadania é errática. É longo o caminho que nos trouxe até aqui. E a nossa atual incapacidade de diferenciar os limites entre direitos e deveres parece estar nos levando por um caminho ainda mais longo.

Cidadania é empatia, é respeito ao outro, à diversidade, às mulheres, às minorias. Cidadania são valores e educação, e não agressividade e preconceito. Cidadania não é prerrogativa de nenhum regime, assim como a defesa da brasilidade, embora alguns queiram, não é um valor de que algum candidato possa se apropriar. Temos que resgatar o sentimento cívico e a ideia de que a cidadania é a base de sustentação e o principal valor de um país democrático. É a cidadania que defende nossos direitos, mas que também os delimita frente ao direito dos outros.

Na minha memória de criança, me lembro que era isso que aprendíamos na escola, em um curso chamado Educação Moral e Cívica. Ensinavam-nos que o respeito aos outros era um dever fundamental e que uma nação se construía a partir das atitudes da coletividade. O curso se foi, como o bebê jogado fora com a água suja do banho. Cabe então a nós como sociedade entender, agir e ensinar que, ao contrário do que nos faz crer uma Constituição erroneamente apelidada de cidadã, a construção de um país melhor é responsabilidade de todos nós. Direitos não são dádivas isentas de contrapartidas nem tampouco cidadania é uma outorga recebida ao nascimento. Cidadania é construção e exercício.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.