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Ele já vendeu pipoca no circo e hoje comanda 62 empresas

Após vender 49% da sua seguradora para a americana Travellers por R$ 800 milhões, Malucelli quer atrair sócios para outros negócios e planeja a sucessão para 2012 

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Por Fernando Scheller
Atualização:

SÃO PAULO - Certa vez, em uma reunião com investidores estrangeiros, perguntaram ao empresário Joel Malucelli, dono de um dos maiores conglomerados do Paraná, se ele sabia falar inglês. Ele respondeu: "Não sei falar inglês, mas sei tocar acordeão." Diante da expressão de interrogação dos interlocutores, Malucelli explicou: "É que meu pai nunca me botou na aula de inglês, mas me colocou na aula de acordeão." Ciente de que a próxima geração da família está mais preparada para lidar com as exigências e complexidades do mercado brasileiro atual, o empresário pretende aos poucos sair de cena, pendurando definitivamente as chuteiras em dezembro de 2012. A venda de uma participação de 49% na seguradora J. Malucelli para o grupo americano Travellers - concluída na semana passada nos Estados Unidos - já foi conduzida pelo sucessor, Alexandre, o primogênito de Joel. O negócio, além de deixar a família R$ 800 milhões mais rica, pode fazer com que a seguradora voe mais longe, inclusive ganhando espaço no mercado internacional. O acerto com a Travellers faz parte de uma estratégia mais ampla do grupo J. Malucelli, um emaranhado de 62 empresas nas áreas de energia, comércio, turismo, concessões rodoviárias, consultoria, locação de equipamentos, mídia, agropecuária, bancos e um time de futebol. Juntas, as companhias devem faturar R$ 1,6 bilhão neste ano. O empresário está em busca de sócios - desde que eles se contentem com a posição de coadjuvantes no conglomerado que leva sua inicial e sobrenome. O objetivo é que a participação da família no grupo não fique abaixo de 70%. À medida que os negócios vão dando certo, a estratégia é a recompra de participações. O Paraná Banco, que em breve será rebatizado como Banco J. Malucelli, chegou a ter o fundo americano Advent como sócio e mais de 40% das ações nas mãos do mercado - nos últimos três anos, aos poucos, esse porcentual foi reduzido ao mínimo de 25% previsto por lei para empresas que fazem parte do Novo Mercado da Bovespa. Enquanto a associação com investidores estrangeiros ainda é incipiente, o grupo J. Malucelli mantém relacionamento próximo com diferentes esferas de governo. Entre seus sócios nas áreas de energia e infraestrutura estão Furnas, Eletronorte e um fundo de investimentos com recursos do FGTS. Um dos braços que mais devem crescer no conglomerado este ano será o de construção civil, que atualmente é responsável por parte da obra da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Vigilância. Enquanto prepara o terreno para o filho assumir o comando, Malucelli diz ter construído um grupo "inquebrável" graças a um "patrimônio líquido de R$ 2 bilhões angariado ao longo de 45 anos e ao reduzido volume de endividamento". Aos 65 anos, o empresário diz não estar livre de situações como a do Grupo Silvio Santos, que enfrenta dificuldades após uma fraude de R$ 2,5 bilhões no Banco Panamericano, mas afirma ter uma estratégia de vigilância quando o assunto é a saúde financeira do conglomerado. "Não cuido do meu grupo de longe. Estou aqui todos os dias para saber o que se passa. Participo, em média, de 45 reuniões por mês para não deixar passar nada." Ao longo de mais de quatro décadas, Joel admite ter sido alvo de desfalques - um deles no valor de US$ 800 mil, praticado por um parente. "Foi uma situação que eu tive como honrar, mas não estou livre de percalços", afirma. Para o empresário, a pulverização em mais de uma dezena de setores pode ser um antídoto caso um negócio chegue a uma situação limite. "Temos de tudo no nosso mercadinho, do piso ao teto. Foi uma escolha minha criar um grupo médio e diversificado. Se tivéssemos ficado só com a construtora, tenho certeza de que seríamos hoje um dos grandes empreiteiros do País." Para Alberto Borges Matias, sócio da ABM Consulting, além da pulverização dos negócios, outro ponto que chama a atenção é o cumprimento cuidadoso das regras de governança corporativa - no caso do Paraná Banco, listado em bolsa, até acima das exigências legais. "Eles repassam relatórios mensais e há um bom nível de transparência. O grupo desfruta de boa imagem e criou um braço financeiro com o objetivo de maximizar os ganhos nos diferentes negócios, da mesma forma que fez a (americana) GE", explica. Segundo Luís Miguel Santacreu, analista da agência de classificação de risco Austin Rating, que acompanhou a trajetória do grupo por algum tempo, a sucessão definida na figura de Alexandre Malucelli - 41 anos e há mais de uma década no dia a dia do conglomerado - sinaliza que não haverá mudanças bruscas no estilo de administração. Ao todo, 50 familiares de Joel Malucelli - entre filhos, primos, sobrinhos e cunhados - atuam no conglomerado. Nas palavras do próprio Joel, trata-se de um "exemplo de nepotismo que deu certo". Para organizar o processo sucessório, que deverá envolver pelo menos seis diretores de alto escalão nos próximos dois anos, a empresa criou o "conselhinho", formado por 14 herdeiros do primeiro time de administração do J. Malucelli que se reúnem periodicamente para dar sugestões sobre o futuro das empresas. Início. Tanta preocupação com o que está por vir tem razão de ser: o grupo foi construído por Malucelli a partir de um trator comprado a prestação. Desde menino, Joel gostava de ganhar dinheiro. Começou vendendo chuchu na vizinhança, foi gandula de bolinhas de tênis em um clube, revendeu revistinhas usadas e, quando o circo chegou à sua cidade, candidatou-se a vender pipoca e refrigerante aos espectadores - além de ganhar uns trocados, garantia também boa visão do picadeiro. Aos 18 anos, passou em dois concursos públicos - "em primeiro lugar", ressalta -, o que lhe garantiria ordenado decente e emprego estável. Nas primeiras férias, porém, decidiu tentar outra coisa: convenceu um tio a avalizar uma pá carregadeira que comprou em dez prestações - no primeiro aluguel para uma construtora, ganhou mais do que em um mês como assalariado na companhia estadual de energia, a Copel. Largou o emprego e dedicou-se a operar o trator por um ano, até quitar o equipamento. "Foi aí que aprendi a ganhar dinheiro", conta. De operador de máquina a empreiteiro, foi um pulo - o primeiro trabalho da futura construtora foi uma estrada de um quilômetro em São Luiz do Purunã, a cerca de 50 quilômetros de Curitiba. Ao adquirir o segundo trator, chamou os primeiros parentes para ajudá-lo: o "primo-irmão" Juarez Malucelli e Ernesto Scarante, marido de uma prima. Ambos contabilizam mais de quatro décadas de empresa e até hoje ocupam salas próximas à de Joel na sede do grupo, em Curitiba. Assim como o fundador, outros "pioneiros" já pensam na aposentadoria. Scarante, de 70 anos, deve ser o primeiro da fila, em janeiro do ano que vem. "Ferro velho". Joel, entretanto, já decidiu que não quer se separar dos companheiros de quatro décadas tão facilmente: o destino de todos, no que depender do chefe, será um escritório no centro de Curitiba apelidado de "ferro velho" - quando um funcionário de longa data está para se aposentar, Joel corre para providenciar mesa, telefone e secretária. Quer que esses executivos se dediquem a projetos próprios, evitando que fiquem com a cabeça parada e se desanimem com a vida. Joel segue à risca a recomendação de não deixar com que o corpo ou a mente enferrujem. Além de jogar três peladas por semana com amigos e de viajar uma vez ao ano para participar do campeonato de masters - para amadores com mais de 35 anos -, o executivo também se esforça para manter uma aparência jovem: para atender a reportagem do Estado, ele desmarcou uma sessão de RPG. Segundo funcionários, fez aplicações de botox, plástica para amenizar rugas e peeling para rejuvenescer a pele. Quando se aposentar, o empresário pretende cuidar dos negócios que lhe dão prazer, como o time de futebol que montou depois de rusgas com o Coritiba, que presidiu por dois anos na década passada. Em 1995, fundou o Malutrom - uma associação com outra família poderosa do Paraná, os Trombini -, que foi campeão da série C do Campeonato Brasileiro e chegou à liga principal no Estado. Diante da falta de interesse dos sócios, o empresário mudou o nome do time para J. Malucelli, rebatizado agora como Corinthians Paranaense. A equipe revelou o volante Jucilei, elevado ao Corinthians original e já convocado pela seleção brasileira. "A minha meta ao criar meu próprio time foi minha só: torcer para mim mesmo. E é isso que eu faço." 

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