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Eleição e agenda de sustentabilidade do agro

Por ANDRE NASSAR e LEILA HARFUCH
Atualização:

Recentemente, entidades do agronegócio apresentaram suas propostas aos candidatos à Presidência da República. Os documentos entregues são muito completos e abrangentes, mas sentimos falta de elementos de uma agenda ofensiva. O agronegócio brasileiro sempre foi considerado um setor à frente dos demais nos temas de comércio internacional. Talvez seja o único grande setor da economia brasileira claramente ofensivo na abertura de mercados e na defesa do livre-comércio. A mesma atitude o agronegócio deveria estar desenvolvendo nos temas de produção responsável e boas práticas produtivas, e uma eleição presidencial é o momento ideal para firmar posição. Setores específicos, como o sucroenergético, florestas comerciais, soja e pecuária de corte, têm agendas individuais de consolidação da produção responsável e de boas práticas produtivas, cada uma em estágios diferentes. Essas são iniciativas concretas que podem tornar o País referência mundial em cadeias sustentáveis. Por que não tornar esse movimento numa agenda comum e ofensiva do agronegócio? Não é precisamente verdade que o agronegócio não tem nada a dizer aos presidenciáveis nos temas de sustentabilidade. O Observatório do ABC está trabalhando em propostas específicas para aprimorar o Plano ABC. Afinal, o setor agropecuário está dos dois lados da moeda quando se trata de mudança do clima: tem o maior potencial de mitigação de Gases de Efeito Estufa (GEE) com baixos custos e é o setor produtivo mais afetado pelo clima. O Plano ABC, com políticas de crédito que incentivem práticas agrícolas sustentáveis e mitigadoras, é a chave para o desenvolvimento do setor. Mas sentimos falta de uma agenda mais ampla. Aprimorar o Plano ABC e resgatá-lo como principal instrumento de política pública promotor de boas práticas produtivas têm dupla prioridade. A primeira, e mais óbvia, é solucionar os problemas hoje já identificados pelo observatório para que o plano atinja seus objetivos de disseminar tecnologias que resultem em menores emissões de GEE pelo setor agropecuário. A segunda, a nosso ver mais importante, é que o sucesso do ABC depende do engajamento das cadeias de valor e existe uma clara relação de ganha-ganha entre todos os agentes econômicos que não deveria ser desconsiderada nas demandas globais do agro. O Plano ABC foi a primeira tentativa de incorporar no principal mecanismo de política pública para o setor agropecuário, o crédito oficial, condicionantes de boas práticas produtivas que representam ganhos econômicos, e não apenas custo, para os produtores. Se o Plano ABC der errado, aliado à tradicional posição mais conservadora do agronegócio nos temas de sustentabilidade, podemos acabar atirando o bebê junto com a água do banho. Não é tarefa fácil transformar o crédito oficial em mecanismo propulsor de boas práticas de produção. Dentro do governo há grandes resistências, além das dúvidas tradicionais do setor agropecuário. A própria incapacidade dos bancos em analisar projetos com riscos difíceis de serem precificados e do governo de fazer cumprir metas que ele mesmo cria é um grande obstáculo. Para nós, o Plano ABC deveria ser visto como uma ferramenta propulsora da agenda ofensiva de sustentabilidade do agro brasileiro, com a ambição de que o casamento entre o tomador de crédito ABC e o emprestador leve ao atingimento de uma meta comum: melhoria de renda via acesso a tecnologias baseadas em boas práticas produtivas. Para os mais otimistas, entre os quais ainda nos enquadramos, essa agenda pode resultar no deslocamento das políticas de comando e controle para outros setores e, ao mesmo tempo, criar padrões mundiais de cadeias sustentáveis baseados no que é feito pelo agro brasileiro. Esse efeito multiplicador que o Plano ABC pode gerar só será possível se houver o engajamento de toda a cadeia de valor, não só do produtor rural e do governo. Não podemos deixar de lado essa oportunidade.* Respetivamente, diretor-geral e pesquisadora sênior da Agroicone

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