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Eles atravessaram a Cordilheira para construir

Única incorporadora a se aventurar fora do Brasil, paranaense Plaenge inaugurou neste ano seu 1º prédio residencial no Chile

Por Naiana Oscar
Atualização:
Roberto Melquíades, Evaldo e Ézaro Fabian: aposta no Chile Foto: Roberto Custódio/Estadão

O prédio de 14 andares com churrasqueira na sacada, box de vidro temperado no banheiro, academia de ginástica e espaço gourmet foi a inovação imobiliária do ano no pequeno bairro Portal de La Frontera, na cidade chilena de Temuco. Não ter banheira no apartamento e assar carne na varanda, detalhes triviais aqui no Brasil, são novidades no Chile. O empreendimento é de uma construtora de Londrina, no Paraná.

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Fundada há 46 anos e com faturamento de R$ 897 milhões em 2013, a Plaenge resistiu aos galanteios do mercado financeiro na época em que uma dezena de companhias, a maioria paulistas, decidiram levantar dinheiro na Bolsa para crescer. Mais tarde ela também recusou propostas das concorrentes de capital aberto para firmar parcerias. E hoje é a única incorporadora imobiliária do País com atuação internacional.

A empresa chegou ao Chile em 2009 por acaso. O dono de uma construtora local decidiu se desfazer do negócio e propôs uma sociedade aos brasileiros da Plaenge, a quem tinha sido apresentado alguns anos antes em um evento no México. A companhia paranaense decidiu arriscar e comprou participação de 51% na construtora. Começou construindo casas de madeira para a baixa renda e, em março deste ano, já dona de 100% da empresa, inaugurou o primeiro edifício, o Ipanema Home & Resort, no estilo "condomínio clube" que se conhece no Brasil. Até agora, 80% das 110 unidades foram vendidas.

Objetivo.

"Estamos no Chile muito mais para aprender do que para ganhar dinheiro", diz o fundador e presidente do conselho de administração da Plaenge, Ézaro Medina Fabian, de 74 anos. "É como se estivéssemos fazendo negócio no Brasil do futuro, porque, como sociedade e país, os chilenos estão 20 anos na nossa frente." Embora os projetos imobiliários brasileiros sejam mais sofisticados, construir no Chile é menos burocrático. A resposta dos órgãos públicos para a aprovação de um projeto, por exemplo, não leva mais de 30 dias, enquanto no Brasil a espera supera os 18 meses.

Ainda que seja uma operação ousada para a Plaenge, o Chile não dá prejuízo. No ano passado, a subsidiária faturou R$ 40 milhões e lucrou R$ 2,8 milhões. Não é muito perto do tamanho da empresa no Brasil, mas a professora do Núcleo de Real Estate da USP, Abla Akkari, diz que a iniciativa faz sentido. "Primeiro, é uma forma de diversificar o negócio", diz a professora, que também presta serviço para incorporadoras no mercado chileno. "Lá, a taxa de juros é mais baixa do que no Brasil, o incentivo à moradia é maior e o acesso à tecnologia de ponta é mais fácil, porque os impostos de importação não são tão altos quanto aqui."

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Riscos.

Ainda assim, deixar o País é uma decisão arriscada. O Grupo Odebrecht, que opera obras de infraestrutura no exterior, chegou a fazer moradias em países da África e da América Latina, onde estava tocando outros projetos, mas acabou desistindo. "Para uma empresa brasileira migrar para o exterior, ela precisa saber gerir e conhecer o mercado", diz o professor João da Rocha Lima Jr., também do núcleo de Real Estate da USP. Segundo ele, competência em gestão a maioria das grandes empresas brasileiras não tem.

Quem toca o negócio da Plaenge no Chile, desde 2009, é o paranaense Gustavo Marcondes, de 36 anos - engenheiro que começou na companhia como estagiário. Desde que chegou ao país, entregou 1.076 unidades. "Não foi fácil, porque a construção chilena é muito distinta", diz Marcondes. "Os imóveis precisam de reforço na estrutura por causa dos terremotos."

Ele compara Temuco, onde fica a sede da Plaenge em território chileno, com a cidade paranaense de Maringá. Cerca de dez incorporadoras disputam o mercado da região, onde a brasileira é a única estrangeira. Além de Temuco, a Plaenge atua em outras quatro cidades no Sul do Chile e já está negociando terrenos em novas praças. A meta de Marcondes é chegar a Santiago e fazer o negócio triplicar de tamanho em cinco anos.

Atuação regional.

A decisão de expandir para outras praças é antiga. O primeiro escritório fora de Londrina foi inaugurado em Cuiabá, em 1983. Assim como o Chile, a capital mato-grossense entrou no radar da Plaenge por acidente - literalmente. O monomotor que levava os sócios para pescar no Pantanal caiu numa fazenda. Ninguém se feriu gravemente, mas eles tiveram de passar um tempo em Cuiabá para se recuperar. "Foi suficiente para conhecer o mercado e descobrir que era muito parecido com o de Londrina", lembra Roberto Melquíades, sócio e diretor financeiro da companhia.

De Cuiabá, a Plaenge foi para Campo Grande (MS) e só em 2003 iniciou a operação em Curitiba. Hoje está também em Dourados, Três Lagoas (ambas no MS), Maringá e Joinville (SC). Em todos os mercados, a empresa constrói imóveis para a classe média, com preços de R$ 250 mil a R$ 2,5 milhões.

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No setor imobiliário, atuar em diferentes cidades não é tarefa simples. As gigantes do mercado, depois de captarem bilhões na Bolsa, viram-se obrigadas a ampliar o alcance de seus canteiros de obra para crescer no ritmo exigido pelos investidores e se deram muito mal. Incorporadoras como Cyrela, PDG, Gafisa e Rossi fizeram parcerias regionais que atrasaram obras, estouraram orçamentos e contribuíram com os prejuízos que elas começaram a apresentar a partir de 2011.

A Plaenge conseguiu passar por esse período com as contas no azul. Em 2011, quando empresas como a Gafisa perderam R$ 1 bilhão, ela lucrou R$ 90 milhões. "O que fez a diferença até aqui é que não temos pressa", diz Ézaro Fabian, numa referência à pressão que as companhias de capital aberto sofrem ao ter de apresentar resultados trimestrais.

Cautela.

A empresa diz que não precisa dos recursos do mercado de capitais: 60% de seu patrimônio é em dinheiro e um empreendimento nunca é lançado sem que haja caixa suficiente para tirá-lo do papel. A Plaenge também não faz negócios com o governo - ficou longe do programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo - e não trabalha com bancos públicos.

Essas decisões foram tomadas lá atrás, ainda na época da fundação da companhia. A Plaenge começou fazendo obras industriais e deslanchou quando conseguiu o projeto para construir uma fábrica da Coca-Cola em Cambé, cidade vizinha a Londrina. De lá para cá, fez mais 50 obras para a fabricante de bebidas.

O negócio imobiliário apareceu mais tarde, quando as obras industriais deram uma esfriada - hoje, responde por 80% do faturamento. Expandir na área industrial, segundo Ézaro Fabian, exigiria manter uma operação em São Paulo - e ele quer distância da vida caótica da metrópole. "A gente é caipira, não gosta da cidade grande."

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