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Conta de energia elétrica sobe mais do que o dobro da inflação em 7 anos

Estudo da Abraceel, obtido pelo ‘Estadão/Broadcast’, mostra alta de 114% para os consumidores – que não deverão ter alívio nos próximos 3 anos, conforme especialistas

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Por Marlla Sabino
Atualização:

BRASÍLIA - Desde 2015, a conta de luz dos brasileiros subiu mais do que o dobro da inflação. Dados da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), obtidos com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, apontam que a tarifa residencial acumula alta de 114% – ante 48% de inflação no mesmo período, uma diferença de 137%. Além das correções anuais nas tarifas, os últimos anos têm sido marcados pela criação de novos encargos e custos diretamente repassados para os consumidores. 

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O aumento nos últimos anos resulta do crescimento de encargos e subsídios (desconto a um setor ou um grupo, com custo dividido com os demais), da necessidade de usar termoelétricas, que geram energia mais cara, e do modelo de contratação de energia. 

Responsável pelo levantamento, o vice-presidente de energia da Abraceel, Alexandre Lopes, ressalta que, em momentos de falta de chuvas, como em 2021, o custo tende a aumentar, principalmente, para os consumidores residenciais. O impacto para os que atuam no mercado livre – onde a energia é negociada diretamente com as geradoras – é menor. Nos últimos sete anos, os preços neste ambiente oscilaram 25% abaixo da inflação.

“Temos custos de 2021 ainda não repassados para as tarifas. Então, devemos ter um aumento acima da inflação em 2022. Quando o novo empréstimo ao setor elétrico começar a ser pago, impactará ainda mais as tarifas. Então, parte desses custos da crise será neste ano, e outras parcelas nos próximos anos”, afirmou. 

Torre de transmissão de energia; País enfrenta crise hídrica e isso encarece a conta de energia do consumidor Foto: Isolux/ Divulgação

O levantamento considera os dados desde 2015, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, logo após o Tesouro Nacional interromper repasses bilionários para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial cujos recursos são rateados entre todos os consumidores para bancar subsídios para algumas categorias. Conforme o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana, o corte levou a um “tarifaço” de 25% em fevereiro de 2015, e não parou mais. 

Sem refresco

“Não terá refresco, pelo menos nos próximos três anos. No Orçamento de 2022 há um aumento de quase 25% na conta que banca os subsídios. E vai crescer muito mais até 2025”, disse Santana. Ele cita que os recursos para custear, por exemplo, a expansão da rede solar e eólica até 2025 mais do que dobrarão – de R$ 11 bilhões, em 2022, para R$ 23 bilhões em 2025. Para Santana, a solução do problematambém passa por importantes mudanças no modelo atual do setor elétrico, com menos centralização e ampliação do mercado livre de energia. 

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As tarifas também são pressionadas por medidas adotadas pelo governo, como empréstimos. As operações de crédito evitam repasses imediatos para as tarifas, mas são pagas como encargos nas contas de luz, com incidência de juros. No ano passado, por exemplo, o mecanismo foi usado para minimizar os efeitos da pandemia de covid-19 sobre o setor. Ainda pesa nesta conta subsídios crescentes para diferentes categorias e incentivo para desenvolvimento de algumas fontes. O mecanismo voltará a ser usado neste ano, para fazer frente aos custos de medidas adotadas para garantir o fornecimento de energia no ano passado.

“Encargos tradicionalmente sempre representaram boa parte da tarifa de energia elétrica. O que vemos, infelizmente, é um aumento. Qualquer novo problema que o setor elétrico enfrenta, como uma crise hídrica, quando há necessidade de acionar mais usinas térmicas a gás, por exemplo, ou outras circunstâncias, o mecanismo é colocar novos encargos ou aumentar os que já existem”, afirmou André Edelstein, sócio do Edelstein Advogados, escritório especializado em energia.

Crise hídrica

Ao longo de 2021 o consumidor suportou aumentos sucessivos na conta de energia devido à crise hídrica. Com a escassez nos reservatórios, a Aneel aprovou em julho um reajuste de 52% na taxa adicional cobrada na conta de luz quando é necessário acionar mais térmicas. Logo em seguida, em agosto, o governo criou a “bandeira escassez hídrica”, que representa uma cobrança de R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. O patamar mais caro será cobrado até abril.

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De acordo com cálculos da TR Soluções, empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia, a conta de luz dos consumidores residenciais subiu, em média, 20% com todos os reajustes tarifários das distribuidoras e a cobrança de bandeiras em 2021. O aumento foi citado pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em carta pública ao ministro da Economia, Paulo Guedes, como um dos fatores que pressionaram a inflação em 2021. 

O diretor de regulação da empresa, Helder Sousa, explica que parte dos custos extraordinários com a crise hídrica foram cobertos pelas bandeiras, mas ainda pesará para o consumidor. Até novembro a conta Bandeiras registrou um rombo de R$ 12,35 bilhões.“De qualquer forma, o déficit indica que parcela significativa ainda ficou pendente e será repassada nos processos tarifários deste ano”, afirmou. Ele ressalta que o novo empréstimo ao setor elétrico pode postergar os repasses e reduzir os reajustes previstos para este ano

Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e professor de planejamento energético da UFRJ, Maurício Tolmasquim ressalta que outras medidas aprovadas no Congresso também devem ter impacto negativo sobre o consumidor. Entre elas, a contratação de térmicas a gás onde não há infraestrutura para escoar o insumo, a criação de uma reserva de mercado para pequenas centrais hidrelétricas e a prorrogação de contratos de usinas antigas do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).

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“Esses ‘jabutis’, fruto da ação de lobbies no Congresso e referendados pelo governo, terão forte impacto sobre o custo futuro da energia”, afirmou Tolmasquim.