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Ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore e Associados

Opinião|Em defesa do retorno ao teto de gastos

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Atualização:

Em seminário ocorrido há cerca de dois anos na Casa das Garças, Stanley Fischer mostrou dois gráficos. No primeiro estavam as taxas nominais de juros dos títulos públicos de Alemanha, Japão, Inglaterra e EUA, revelando queda contínua, e no segundo estavam as respectivas taxas reais neutras de juros – que igualam poupanças e investimentos –, seguindo a mesma tendência.

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Larry Summers já havia dado uma explicação para a queda das taxas neutras: seria a consequência de deslocamentos nas curvas de poupanças e de investimentos, a primeira em consequência da transição demográfica e a segunda devido a mudanças tecnológicas. Mais tarde apresentou abundantes evidências empíricas.

Sem negar a importância de sua explicação, e nem os efeitos da pandemia reduzindo as taxas de juros e de inflação, há uma outra razão para essa queda: a melhor qualidade da política monetária. Porém, sem que o Leviatã fiscal seja domado, não há como manter a qualidade da política monetária e controlar a inflação. 

No Brasil, foi assim antes do plano Real, quando os déficits eram financiados pelo “imposto inflacionário”. Foi assim na transição do governo FHC para Lula, quando o temor de que o novo governo abandonasse as metas de superávits primários elevou o EMBI a 2.500 pontos e o câmbio a R$ 8,00/US$ a preços de hoje, chegando a elevar a inflação mensal anualizada para próximo a 40%, quando a meta era de 6,5%, obrigando o Banco Central a criar uma meta intermediária que teve de ser atingida para evitar uma desastrosa erosão da credibilidade.

Em 2016, depois do desastre de Dilma Rousseff, que quase nos levou a uma terceira onda de dominância fiscal, elevando os gastos primários, ampliando as renúncias tributárias acima 4% do PIB e enfraquecendo a Lei de Responsabilidade Fiscal com uma nova Lei Complementar que alterava os artigos que impunham a disciplina fiscal aos Estados, e cujas finanças saíram do controle, foi tomada a decisão de congelar os gastos primários em termos reais. Estudos realizados por Alesina, Favero e Giavazzi em 20 países da OCDE, documentando perto de 200 programas multianuais de austeridade desde o final de 1970 até 2014, mostram que este é o caminho de menor custo, com as menores recessões seguidas das maiores recuperações, culminando nas relações dívida/PIB mais baixas. 

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Em lentidão exasperante, estávamos começando a fazer as reformas necessárias quando o País foi atingido pela pandemia. Tivemos – como todos os países – de elevar os gastos em saúde e em transferências aos desassistidos, e compensar perdas de Estados e municípios. Com isso, a dívida bruta, que ao final de 2019 havia chegado a 78% do PIB, saltou para 100% em 2020. O esforço para completar a consolidação fiscal, que antes da pandemia já era grande, tornou-se ainda maior. Diante do tamanho da tragédia humana que vivemos, a nossa sociedade, que até então preferia ignorar a existência de dezenas de milhões de pessoas com rendas intoleravelmente baixas, passou a defender com alarde formas de amparar os desassistidos. Se pudemos gastar durante a pandemia e sem que a inflação crescesse, por que não continuar gastando depois? 

Não sou um liberal que acredita que na busca do lucro por parte dos empresários chega-se automaticamente ao bem-estar social, como pregam os adeptos da doutrina da Sociedade de Mont Pelerin. Em uma economia de mercado, as políticas públicas devem criar estímulos para que os retornos privados se igualem aos retornos sociais, dando aos empresários os incentivos corretos.

Quando o mercado não der a solução, cabe ao governo atuar diretamente. Por isso é que cabe ao governo a tarefa de cuidar da distribuição de rendas através de mecanismos de transferências. Mas esta é apenas uma de suas tarefas. A outra é obedecer à sua restrição orçamentária, negando-se a realizar gastos sem que existam fontes de recursos. Como obtê-los? O pior caminho é o aumento de impostos, e o melhor é reduzindo gastos cuja lei de crescimento não leva em conta nem o mérito dos beneficiados, nem sua relevância para a sociedade como um todo, e que apenas beneficia grupos com capacidade de pressão política. 

O que precisa ser alterado não é o total dos gastos, aumentando-o, e sim a sua distribuição, favorecendo os mais pobres. Se não retornarmos ao teto de gastos, corremos o risco de novamente nos desviar do mundo, e, em vez de taxas de juros e de inflação baixas, votar aos “gloriosos” anos da dominância fiscal.

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

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