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Em Pernambuco, o símbolo da crise na Petrobrás

Sob investigação, Refinaria Abreu e Lima vendeu primeiro óleo em dezembro

Por Antonio Pita
Atualização:

IPOJUCA (PE) - O momento anunciado como um marco histórico para a Petrobrás - o início da produção na primeira refinaria de petróleo construída no Brasil em 30 anos - não contou com discursos nacionalistas, mãos manchadas de óleo ou qualquer cerimônia oficial. Uma foto no celular de um operador é o registro da primeira mostra de diesel produzida na Refinaria Abreu e Lima - após quase dez anos e US$ 18,8 bilhões escoados em projetos superfaturados, obras inacabadas e contratos investigados no mais grave caso de corrupção do País.

Marco. Refinaria é a primeira a ser construída em 30 anos Foto: Wilton Jr./Estadão

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No novo esforço para demonstrar ao mercado sua solidez operacional, a estatal anunciou a primeira venda de óleo da refinaria no último dia 17. Com “grande satisfação” e esmorecido entusiasmo, a presidente da companhia, Graça Foster, comemorou a primeira venda de 1.600 metros cúbicos (m³) de diesel - apenas 1% do volume possível, considerando a carga de 227 mil metros cúbicos de óleo que circulam em Abreu e Lima desde setembro (70% de todo o processamento da unidade é de diesel).

O início da operação, no dia 6 de dezembro, seria a redentora vitrine de uma gestão assolada pelo forte constrangimento financeiro, pelo inédito adiamento de balanço contábil, pela desvalorização recorde das ações de mais de 40% - sem contar a “inequívoca” corrupção que “adentrou” a cúpula da estatal, nas palavras de Graça Foster.

Mas a ínfima produção evidencia a disparidade entre o discurso e a realidade da refinaria. O Estado sobrevoou o local e constatou o atraso do projeto que melhor evidencia o prejuízo causado pela corrupção à Petrobrás e que até hoje não tem análise de viabilidade econômica atualizada.

Do alto, é possível observar unidades operacionais e prédios administrativos abandonados, além de tanques de armazenamento inacabados e depósitos de equipamentos inutilizados. Há vigas e fundações expostas, além de guindastes, andaimes, sanitários químicos, lonas e estruturas temporárias ao lado de unidades em plena operação de refino de petróleo em altíssimas temperaturas.

A fumaça branca da produção se confunde com a poeira das caçambas que percorrem as áreas internas da refinaria recolhendo entulhos. Quase todo o terreno de 6,2 mil quilômetros quadrados está ainda em chão de terra batida. Segundo os operários, foram pavimentadas apenas as vias por onde passaram os técnicos da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) na fiscalização anterior à autorização de funcionamento da refinaria.

Sem telhado. “O prédio administrativo ao lado da unidade não tem telhado, mas nem ligamos”, relata, em tom de chacota, um operador terceirizado da área de Nafta, um dos derivados que supostamente já estaria em produção. “A empresa quer dar uma resposta à sociedade, e por isso atropela procedimentos para acelerar a produção, e empurra toda a responsabilidade nas nossas costas”, completa.

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Segundo a estatal, cada barril de petróleo processado na refinaria custaria US$ 61 - 36% mais que a média internacional. Os dados são de 2010 e uma “análise econômica, com base nos custos e cenários atuais, será realizada posteriormente”, informou a companhia.

O Ministério Público Federal de Pernambuco investiga desde 2011 a obra, mas repassou o inquérito para a força-tarefa da operação Lava Jato. Foram encontrados indícios de superfaturamento de R$ 1,3 bilhão em pelo menos um contrato - metade do valor. Além disso, há suspeita de direcionamento das licitações para beneficiar as empreiteiras implicadas na Operação Lava Jato. 

“A Petrobrás se coloca como vítima de empresas, mas ela é a vilã que deixa escoar recursos públicos para a corrupção tão generalizada e não paga os trabalhadores ou assume a responsabilidade social com o caos da refinaria”, avalia a procuradora Débora Tito, do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Pernambuco.

Coação. Os operários denunciaram a estatal ao MPT por iniciar a pré-operação da refinaria sem plano de segurança para trabalhadores da construção civil. Eles acusam a empresa de “atropelar” testes pré-operacionais para garantir a produção comercial. Para os petroleiros, uma produção “responsável” só seria possível em fevereiro.

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Na fase atual, ainda são feitos ajustes nas tubulações, medidores de pressão, compressores e outros equipamentos para evitar vazamentos e acidentes com a circulação de óleo e cargas de alta tensão. Nas semanas que antecederam o início da operação, houve vazamento nas tubulações quando foram acionadas a circulação de água e gás. “Quando acionou a sirene, em um acidente, ninguém sabia o que fazer. Foi uma bagunça”, relatou um operário.

Operadores de diferentes unidades relatam casos de pressão dos gerentes e supervisores da Petrobrás. Na Unidade de Destilamento Atmosférico (UDA), a última a receber autorização da Agência Nacional de Petróleo (ANP), e também na de Coqueamento, a principal entre as 43 da refinaria, os operadores relatam “coação” para os trabalhadores abandonarem folgas.

Outra unidade inacabada é a de SNOX, responsável pelo tratamento de gases poluentes emitidos pela refinaria. A obra era tocada pela empresa Alusa, que demitiu 4.600 trabalhadores e deixou o canteiro. Até que esteja “em funcionamento pleno” da unidade, a Refinaria só poderá produzir 45 mil barris de óleo por dia na refinaria - um terço da capacidade do primeiro trem.

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A determinação partiu da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). Foram exigidas outras 39 condicionantes para a operação - entre elas, a apresentação em 60 dias de um Plano de Emergência Individual (PEI) que detalhe as medidas previstas em caso de incidentes ambientais. 

“A refinaria é uma bomba com os fios desencapados”, resume um petroleiro, que falou sob a condição de anonimato.

Para lembrar. A Refinaria Abreu e Lima foi anunciada em 2005, pelo então presidente Lula, com a proposta de ser inaugurada em 2011 como uma das mais modernas do País. O projeto visava integrar a logística da Petrobrás ao Porto de Suape, na região metropolitana de Recife - projeto parado há mais de 30 anos. A negociação política foi realizada diretamente com o ex-governador Eduardo Campos, morto em agosto.

Na concepção, a obra seria construída em parceria com a venezuelana PDVSA, que arcaria com 40% do custo de execução para usar a capacidade de refino de óleo bruto, e otimizar as exportações. O ex-presidente Hugo Chávez visitou o local duas vezes, e afirmou que a obra serviria à integração e ao desenvolvimento regional. Após mais de 5 anos de negociações, a estatal venezuelana desistiu da parceria, alegando custos fora das métricas internacionais.

Inicialmente, o investimento estimado era de US$ 2 bilhões. O cálculo, baseado em um projeto básico, sem análise completa de viabilidade econômica ou projeto executivo, foi descrito pelo ex-diretor de abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa como “conta de padeiro”. A área sob seu comando era a responsável pelo desenvolvimento do projeto, que hoje tem custo de US$ 18,8 bilhões, após uma série de atrasos e de mudanças no projeto.

Com esse valor, ela custa três vezes mais que outras refinarias de porte semelhante em construção no mesmo período. Em 2010, o Tribunal de Contas da União recomendou a paralisação das obras em função dos primeiros indícios de superfaturamento nos contratos, mas a articulação política do governo conseguiu barrar a decisão. Durante o período de construção, cerca de 50 mil trabalhadores passaram pelos canteiros, que envolveram mais de 50 empresas associadas.

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