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Empreendedores sob pressão

Levantar dinheiro foi a etapa mais simples para criadores que buscaram apoio em sites de financiamento coletivo; o desafio, agora, é encarar a pressão e entregar

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Por Redação
Atualização:

O projeto de criação de um suporte de alumínio para iPhone que servisse também como bateria provocou um alvoroço online quando foi anunciado em dezembro do ano passado. Os inventores da engenhoca levantaram quase US$ 1,5 milhão pelo Kickstarter, um site de financiamento coletivo (crowdfunding), e prometeram entregar em abril o Elevation Dock aos que haviam apoiado o projeto.Mas, na semana passada, a Apple anunciou um iPhone redesenhado que não é compatível com esse suporte - e por causa de atrasos na fabricação, alguns dos "docks" ainda não haviam sido entregues. Agora, os designers estão quebrando a cabeça para atualizar o produto. "A essa altura, só espero receber o meu antes do iPhone 6 sair", escreveu um dos apoiadores ao Kickstarter.Sites de crowdfunding como o Kickstarter e o Indiegogo permitem que designers e outros envolvidos em processos de criação se conectem com públicos dispostos a financiar seus sonhos, e estão ficando cada vez mais populares. Quase três milhões de pessoas ajudaram um total de 30 mil projetos a atingir suas metas de levantamento de fundos no Kickstarter, chegando a um montante de quase US$ 300 milhões empenhados.Para os criadores desses projetos, conseguir o dinheiro tem sido a parte fácil. O problema é transformar as ideias em realidade, e com uma multidão de olhos acompanhando o desenvolvimento dos projetos.O novo modelo de financiamento traz uma série de obstáculos potenciais que os criadores nem sempre conseguem prever - e os filantropos de poltrona que os apoiam nem sempre conseguem compreender. Os apoiadores estão basicamente depositando sua confiança nos criadores, dando-lhes dinheiro em troca da promessa de uma recompensa futura.Os que colocam alguns dólares num projeto de realização de um filme, por exemplo, podem ter seus nomes exibidos nos créditos, enquanto alguém que põe US$ 100 para apoiar o desenvolvimento de um relógio de pulso inteligente recebe a promessa de ganhar um deles depois de prontos.Na maioria das vezes, a coisa funciona. Mas alguns projetos, incluindo os mais proeminentes e muito esperados, enfrentaram descaminhos e atrasos prolongados. Um novo "trailler" para vender comida na rua pode não ter autorização para funcionar. Ou um assessório como o Elevation Dock pode ser mais difícil de fabricar e despachar que o esperado.A ascensão do crowdfunding foi assunto na semana passada no XOXO Festival, em Portland, uma conferência para debater novos modelos e soluções para a criatividade na internet. O evento foi co-financiado pelo ex-empregado do Kickstarter, Andy Baio, que vendeu as inscrições para o congresso a US$ 400 cada pelo próprio Kickstarter, para aferir o interesse das pessoas em participar da conferência e também levantar dinheiro para ela.A relação entre criadores e apoiadores em sites de crowdfunding ainda está sendo elaborada. Os apoiadores fazem o papel de filantropos, investidores, consumidores - ou tudo isso ao mesmo tempo. E quando as recompensas prometidas demoram para se materializar, apoiadores ansiosos ficam irritados."É muita pressão", disse Eric Mogicovsky, cujo projeto no Kickstarter para criar uma linha de relógios de pulso com mostradores inovadores levantou mais de US$ 10 milhões - dez vezes mais do que ele esperava conseguir. "Há 65 mil pessoas que encomendaram previamente um relógio que ainda não existe."Mogicovsky até contratou uma pessoa para ajudá-lo a gerenciar seu correio eletrônico e postar atualizações, uma vez que quase 9 mil pessoas lhe enviaram e-mails sobre o projeto. No início, ele esperava começar a entregar os relógios em setembro, uma data que teve de ser adiada sem que ele pudesse dizer por quanto tempo.Fica na promessa. Um estudo de Ethan Mollick, professor de administração da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, revelou que 75% dos projetos relacionados a design e tecnologia no Kickstarter, a maioria dos quais envolve produtos físicos, não conseguiram cumprir os prazos prometidos. Em geral, os apoiadores de projetos parecem compreender os solavancos e se mostram dispostos a esperar desde que sejam mantidos informados."O período de lua de mel que estamos experimentando em torno do crowdfunding está chegando ao fim", disse Wil Schroter, presidente executivo da Fundable, uma empresa que está aplicando o crowdfunding em processos de capital de risco. "As pessoas percebem que existe um risco real em investir no estágio inicial de alguma coisa, seja ela uma ideia, uma organização beneficente ou um produto, e estão começando a compreender que não estão comprando na Amazon."O Kickstarter diz que não é responsável por garantir que um projeto seja concluído no tempo prometido - ou mesmo que seja concluído. Ele diz que os criadores são legalmente obrigados a cumprir suas promessas, mas se não o fizerem, o Kickstarter não tem nenhum mecanismo para reembolsar o dinheiro empenhado. Os criadores podem reembolsar o dinheiro se quiserem.Pressão. Entre as histórias de quem levantou dinheiro com o crowdfunding, há casos curiosos, como o de um grupo que teve muito sucesso e desistiu do negócio justamente por isso. Os quatro estudantes universitários do Diaspora - projeto que pretendia construir uma alternativa aberta ao Facebook, na qual os usuários teriam controle de suas informações - tinham inicialmente o modesto objetivo de levantar US$ 10 mil. Levantaram US$ 200 mil de cerca de 6,5 mil pessoas. Mas após três anos, os estudantes decidiram começar outra empreitada e deixaram o projeto disponível para quem quisesse continuar trabalhando nele. Max Salzberg, que fez parte da equipe, disse que seus colegas ficavam tão consumidos por coisas como responder e-mails e fazer camisetas para seus contribuintes que tiveram pouco tempo para construir o software."Achávamos que ia ser um projeto de verão", disse Salzberg. "Queríamos fazê-lo porque acreditávamos na coisa, mas ficamos presos em manter uma relação com uma multidão de pessoas. Não estávamos preparados para lidar com isso." A parte mais difícil, segundo ele, foi a percepção de que eles tinham dilapidado o dinheiro. "Parece muito dinheiro, e as pessoas perguntavam para onde ele tinha ido. Mas a verdade é que, para quatro rapazes, por dois anos, era quase uma esmola."Erro de cálculo. Alguns criadores recuam antes mesmo de os problemas surgirem. Quando Kelvin Geis teve a ideia de criar uma caneta para usar com iPads no começo do ano, ele decidiu colocá-la no Kickstarter. "Só queria ver se podia fazer a coisa funcionar", disse Geis, 41 anos, que trabalha em construção civil. "Mas a coisa foi muito mais difícil do que eu imaginava." Geis descobriu que havia subestimado drasticamente seu custo de fabricação e o tempo que levaria para fazer a caneta. Decidiu, então, suspender o levantamento de fundos. Consultou designers e fabricantes e reiniciou o processo meses mais tarde. Acabou levantando US$ 35 mil em três semanas e entregou o primeiro pedido de 1,5 mil unidades meses depois.Vários projetos no Kickstarter que começaram com objetivos modestos deslancharam e arrecadaram milhões, às vezes numa questão de dias. Yancey Strickler, um dos fundadores do site, disse que esse fenômeno era novo para a companhia, que criou o portal em 2009. Os projetos do Kickstarter são "principalmente de empreendedores pessoais, de pequenas empresas", disse ele. "Mas quando um produto atinge certa escala, a pessoa precisa se transformar numa corporação."O Elevation Dock foi a primeira campanha no Kickstarter a passar de US$ 1 milhão. Casey Hopkins, o fundador do projeto, disse que, no início, ficou animado por ter conseguido criar "um negócio do nada" com o Kickstarter. "Mas quando se está nas trincheiras, é muito estressante", acrescentou. A companhia está perto de entregar os últimos dos 19 mil suportes pré-encomendados. "O resultado líquido foi positivo", disse. "Ao menos, será depois que eu tirar uma semana de férias." / TRADUÇÃO CELSO PACIORNIK

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