Empresa familiar tem desafio para se ligar à agenda ESG

No cenário atual, investimentos em novas tecnologias ganham mais relevância por serem fundamentais para operar na pandemia

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Por Renée Pereira
5 min de leitura

Num mundo cada vez mais digital e com uma sociedade mais consciente, as agendas de sustentabilidade e inovação viraram questão de sobrevivência para as empresas. Mas enquanto as companhias de capital aberto já entenderam a nova realidade para atender às demandas de clientes, credores e investidores, os grupos familiares ainda patinam em alguns temas, como as questões ambientais e sociais. A maioria priorizou a agenda de digitalização em detrimento das ações de sustentabilidade.

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Uma pesquisa mundial feita pela consultoria PwC, e que inclui 282 empresas no Brasil, mostra que apenas 6% das companhias do País têm como meta reduzir a pegada de carbono nos próximos dois anos e só 7% vão ampliar investimentos para apoiar as comunidades locais.  “Vemos que as empresas familiares ainda têm um caminho importante a seguir nas práticas de ESG (sigla em inglês para ações nas áreas ambiental, social e de governança), que viraram um dos principais pontos avaliados pelos stakeholders (partes interessadas e afetadas em um negócio)”, diz o sócio da PwC Brasil Carlos Mendonça, líder de Empresas Familiares na consultoria.

No cenário atual, diz ele, é natural que o investimento em novas tecnologias ganhe mais relevância, uma vez que os recursos digitais têm sido fundamentais para operar na pandemia. “Foi uma questão de sobrevivência para muitas empresas, que deixaram o ESG para trás.” De acordo com a pesquisa, a digitalização é a segunda maior prioridade das empresas, atrás apenas da expansão de mercado e produtos. Cerca de 58% delas querem aumentar o uso de novas tecnologias em suas estruturas e 53% pretendem melhorar o processo de digitalização nos próximos dois anos.

Varella: Papirus está fazendo um investimento de R$ 30 milhões para ampliar a produção Foto: Renan Felix

Mas, na avaliação de Mendonça, a estratégia de atrasar a agenda ESG pode custar caro para as corporações. Cada vez mais investidores e financiadores priorizam empresas com melhores práticas para colocar seu dinheiro. Isso significa, por exemplo, comprometer recursos importantes para a expansão da empresa. “É preciso entender que essa também é uma questão de sobrevivência.”

Entre os especialistas, é quase consenso que, quem aderir primeiro a essa agenda, terá mais vantagens no mercado. Apesar de a maioria não enxergar os benefícios, algumas empresas já despertaram para o assunto. É o caso da indústria de papel-cartão Papirus, que tem adotado medidas para ajudar na expansão da companhia, fundada em 1952. Atualmente, a empresa está fazendo um investimento de R$ 30 milhões para ampliar a produção de 110 mil toneladas para 123 mil toneladas por ano.

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“Mas nosso potencial de crescimento é maior. Então, já pensamos na necessidade de nova ampliação”, afirma o diretor Comercial e Marketing, Amando Varella, copresidente da Papirus. Para a empreitada, eles estão buscando possíveis investidores que queiram aportar recursos na empresa. Por isso, Varella sabe da importância de ter uma agenda sustentável consistente. “O ESG é uma obrigação para o negócio se desenvolver.”

A empresa sempre contribuiu para a economia circular como recicladora de papel e também com um trabalho relevante com as cooperativas de catadores. Por causa da informalidade, às vezes era difícil até comprar o material por falta de matéria-prima. Para contornar esses problemas, a empresa decidiu se associar à cleantech Pólen – plataforma especializada em solução e valoração de resíduos.

Com isso, a Papirus passa a ter condições de certificar e catalogar informações sobre a rastreabilidade e origem dos materiais reciclados recebidos das cooperativas e de outras fontes e transformá-los em créditos de reciclagem. Esses créditos serão transferidos para os fabricantes de grandes marcas de consumo, que assim poderão atestar seu compromisso com a sustentabilidade e a destinação correta das embalagens, como determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Certificação B

A holding da família Baumgart – dona do Shopping Center Norte e da Vedacit – também tem procurado dar mais atenção ao assunto, que ganhou um comitê para discutir temas e projetos voltados à estratégia, sustentabilidade e inovação. Segundo o presidente do grupo, Otto Baumgart, a empresa tem se empenhado para conseguir a certificação B – um selo dado a companhias que adotam medidas mais inclusivas, equitativas e regenerativas. “Para isso, focamos esforços no tratamento de efluentes, na redução da pegada de carbono e no uso de energia limpa.”

Na avaliação de Carlos Mendonça, da PwC, daqui para frente as empresas familiares vão sofrer uma pressão muito grande para se adequar às melhores práticas do mercado. “O primeiro passo é incluir o tema como prioridade. E nesse ponto a nova geração, que tem uma cabeça mais aberta, pode ajudar bastante com soluções sustentáveis e inovadoras.” A presidente da Scaffold Educatio e presidente do conselho da Family Business Network Brazil (FBN), Sara Hughes, concorda. “Esse é o momento de trocar aprendizados. As pessoas estão vivendo mais e hoje vemos 2 a 3 gerações trabalhando juntas e com muita informação para trocar.”

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Stefani Kummel é um exemplo dessa troca de experiências. Aos 33 anos, ela é casada com um dos sócios do Moinho Arapongas. Desde 2019, Stefani tem conseguido implementar uma série de ações sustentáveis na empresa. “Antes, não separávamos o lixo da fazenda. Hoje, 90% do que ia para o aterro agora é reciclado”, conta. Outro projeto implementado por ela foi o de energia solar. “Antes, tinha medo de levar uma ideia nova e não ser ouvida pelos fundadores. Vi que não tem fácil nem difícil. Tem apenas a melhor maneira de fazer algo.”

O professor da Fundação Dom Cabral Carlos Arruda afirma que tem percebido o movimento de jovens puxando a agenda ESG nas empresas familiares. “Mas isso ainda não é regra.” Ele destaca que algumas empresas têm buscado na digitalização uma tentativa para implementar programas de ESG. “ESG é um fim e inovação é um meio.”

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