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Empresário que se negou a erguer muro de Trump busca negócios no Brasil

Bilionário do ramo imobiliário, Jorge Perez já é sócio do Parque Global – complexo de luxo em São Paulo –, mas quer ampliar investimentos no País 

Foto do author Circe Bonatelli
Por Circe Bonatelli (Broadcast)
Atualização:

Nos idos de 2017, o bilionário do mercado imobiliário Jorge Perez recebeu um telefonema do amigo que havia acabado de ser eleito presidente dos Estados Unidos. Na conversa, Donald Trump, parceiro de projetos conjuntos como as Trump Towers, na Flórida, convidou Perez a participar do projeto de construção do muro na fronteira com o México – uma das promessas de sua campanha. Perez, que é nascido na Argentina, criado na Colômbia e filho de pais exilados de Cuba, colocou a amizade em segundo plano e declinou do convite. Foi o começo do fim de uma longa amizade.

Perez então seguiu sua vida. Ele é o presidente de uma das maiores incorporadoras dos Estados Unidos, a Related Group, que já ergueu mais de 100 mil apartamentos. A companhia também tem projetos em países emergentes como México, Argentina e Brasil. Por aqui, é sócia do grupo Bueno Netto no Parque Global, complexo de luxo que está sendo erguido ao lado da Marginal Pinheiros. Ali já foram lançadas quatro de um total de cinco torres, que vão totalizar R$ 2,5 bilhões em vendas. Antes disso, o projeto havia ficado embargado por cinco anos devido a brigas na Justiça por acusação de danos ambientais. 

Jorge Perez, presidente de uma das maiores incorporadoras dos Estados Unidos, a Related Group. Foto: Nick Garcia

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Depois do trauma de enfrentar embargo e recessão econômica no Brasil, o empresário se prepara para desembarcar novamente no País em outubro, em busca de terrenos para novos residenciais de luxo. “Eu já deveria ter ido para os lançamentos que fizemos, mas meu médico recomendou que eu esperasse um pouco mais por causa das novas cepas do coronavírus”, contou Perez, em entrevista ao Estadão/Broadcast por videochamada, do seu escritório em Miami

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista. 

Quando a Related Group chegou ao Brasil, por volta de 2013, o sr. disse que estava otimista com as perspectivas de crescimento por aqui. Como foi enfrentar esse período de baixa?

Olhe, quando eu fui ao Brasil estávamos todos muito animados. O consenso geral, não apenas de economistas brasileiros, mas de economistas de fora, era de que o caminho estava estabelecido para o Brasil se tornar os próximos Estados Unidos. Todos esperavam um grande progresso econômico e social e, claro, isso se traduziria em oportunidades no mercado imobiliário. Passamos muitos e muitos meses viajando para o Brasil com nossos sócios locais. Olhamos projetos não só em São Paulo, mas no Rio e em outras cidades mais ao norte, como Recife. Só que, infelizmente, houve um conjunto de circunstâncias que teve a ver com cenário político e casos de corrupção que trouxeram dificuldades para o Brasil. Nós tínhamos acabado o primeiro projeto, o V House (residencial de luxo com serviços, na Faria Lima), que fez muito sucesso. Queríamos fazer mais. Só que, com a crise econômica e as vendas de imóveis sofrendo, decidimos que não era o momento certo para continuar a avançar em novos projetos.

No ano passado, vocês finalmente tiraram do papel o Parque Global após um bom tempo sob embargo. Como o sr. avalia o resultado das vendas?

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Infelizmente, o maior e melhor projeto que temos no Brasil se deparou com o que eu chamaria de "processos muito errados" e fomos processados por motivos que não eram reais. Passamos muitos anos lutando contra isso até superarmos. Sempre soubemos que tínhamos um ótimo projeto. Então nós fizemos o lançamento de quatro de um total de cinco torres residenciais do ano passado para cá. Estamos com 80% das unidades vendidas. Estamos novamente muito satisfeitos com os resultados. Mas também perdemos muito dinheiro pela variação cambial. Quando viemos para o Brasil, o dólar valia pouco mais de R$ 2, e agora está bem diferente.

O que mudou na sua visão sobre o Brasil?

Todas essas questões afetaram o Brasil. A política corrupta tem sido uma questão geradora de turbulência. A maior construtora do País (referindo-se à Odebrecht, sem citá-la) ser considerada culpada de corrupção é algo que teve um efeito muito ruim no mercado em geral e na percepção internacional sobre o País.

E qual é a sua percepção sobre o governo de Jair Bolsonaro, que diz ser muito amigo do ex-presidente norte-americano Donald Trump? 

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Não quero entrar muito na política brasileira. Eu sou um capitalista e um democrata. Acredito nos sistemas sociais que tornam o mundo um lugar mais justo para todos. Mas, ao mesmo tempo, acredito no sistema capitalista que permite que a economia livre crie oportunidades de crescimento em um país. Espero que o Brasil continue a ser um país capitalista e democrático, onde o capital nacional e o estrangeiro são respeitados. Com isso em vista, estaremos novamente procurando investimentos no Brasil.

Como está a sua relação com Donald Trump após sua recusa em construir o muro na fronteira entre os EUA e o México?

O presidente Trump e eu temos sido bons amigos e parceiros em vários projetos. Na verdade, nós até fomos ao Brasil (anos atrás) e olhamos o mercado local juntos, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, onde avaliamos se seria possível fazer outro complexo com a marca Trump Towers, como fizemos no sul da Flórida. Mas quando ele passou a concorrer à presidência, foi longe demais em temas nas áreas de migração, saúde, habitação e meio ambiente. Eu era totalmente contra a política dele. Ainda assim, quando éramos amigos, ele me ligou e me enviou um e-mail dizendo que ia construir um grande muro na fronteira entre o México e os Estados Unidos e gostaria que eu o construísse. Eu respondi, muito educadamente, que os problemas entre os dois países não vão se resolver com um muro, pois são muito maiores do que isso. Eles têm a ver com a pobreza no México. E mesmo que se construa o muro, isso não impedirá que as pessoas procurem oportunidades de emprego nos Estados Unidos. Além disso, eu disse ao presidente para lembrar que meu sobrenome é Perez. Então, de que lado do muro eu deveria ser colocado?

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O que o ex-presidente Trump respondeu?

Ele respondeu com um ‘haha’ e disse: ‘com amigos como eu, quem precisa de inimigos?’ Concordamos em discordar sobre o assunto. Passado um tempo, conversamos e ele me ofereceu uma posição importante no governo dos Estados Unidos, mas eu também declinei, porque pensamos diferente politicamente. Eu era contra sua política de imigração e contra a política ambiental, fui contra quando ele deixou o Acordo de Paris. Desde essa época não somos mais os amigos próximos que éramos.

E os empreendimentos que vocês avaliaram no passado por aqui? Ainda podem ser retomados pela sua companhia? 

Nós estamos voltando para o Brasil agora em busca de mais terrenos e oportunidades. Achamos que é um ótimo mercado. Avaliamos avançar no mercado com empreendimentos de alto padrão internacional. Gostaríamos de olhar para o Brasil muito seriamente de novo. Mas vou esperar até outubro para ir pessoalmente, na expectativa de a pandemia já estar sob controle.

Que tipos de investimentos estão no seu radar? Pode dar mais detalhes?

Devemos olhar para projetos semelhantes ao Parque Global, com edifícios de luxo e icônicos, dentro de complexos com imóveis comerciais também. Esse é o nosso mercado, é onde temos expertise. Gostamos muito do que fizemos na Argentina e no México, onde temos trabalhos extremamente bem-sucedidos. Fizemos seis torres em Cancún e somos, de longe, o empreendimento com vendas mais rápidas e preços mais altos. Isso porque eu agrego a nossa marca, nossos designers internacionais e conversamos com o público de mais alta renda.

Quais cidades são suas preferências?

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Nossa prioridade é São Paulo, centro nevrálgico do Brasil. E temos olhado muito de perto o Rio para fazer projetos de frente para o mar, particularmente no Porto Maravilha. Mas como não vou ao Brasil pessoalmente há um ano e meio, não sei como estão os mercados dessas cidades. Temos informações no Brasil, mas quero ver o mercado com meus próprios olhos.

Seu foco são projetos apenas residenciais, ou também consideram investir em imóveis comerciais por aqui?

Nossos projetos têm sido acompanhados por hotéis. E o Brasil é um dos mercados hoteleiros mais subestimados que existe. Quando você vai ao Rio ou a São Paulo não encontra os grandes nomes de hotel que vê na maioria das outras grandes cidades do mundo afora, como Four Seasons, Amon ou o SLS.

Quais as principais mudanças no comportamento do consumidor de imóveis em diferentes países por conta da pandemia?

A pandemia causou algumas mudanças. Número um: os apartamentos tendem a ser maiores do que antes. As pessoas querem ter um escritório em casa para trabalhar remotamente. Isso se tornou um grande fator nas decisões de compra. Outro ponto é a procura por mais qualidade do ar. Então estamos instalando purificadores de ar e de água dentro dos prédios. Também tem sido extremamente importante incluir os itens de condomínio certos, como boas áreas de piscinas. Sem falar do setor de recebimento de mercadorias nos prédios, porque as pessoas fazem muito mais compras pela internet sem sair de casa, inclusive compras mais rotineiras de supermercado. É um universo de coisas que devem ser entregues nos prédios e nós precisamos providenciar os espaços certos, espaços refrigerados para cuidar dessas entregas.

E é possível construir em massa esses tipos de moradias em São Paulo, Nova York e outras grandes capitais onde os terrenos são escassos e os imóveis caros?

Nós temos que achar os meios. Mesmo quando construímos apartamentos bem menores, as pessoas precisam de um lugar onde possam assistir a um filme com amigos ou que tenham essas novas áreas de armazenamento.

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Os apartamentos pequenos vão ficar fora do mercado?

Olha, eu aprendi muito com o Brasil. Trouxemos designers e decoradores brasileiros para nos ajudar a fazer os projetos que estamos fazendo agora em Miami. Estamos vendendo e alugando muitos apartamentos em torno dos 30 a 80 metros quadrados. Eles são totalmente mobiliados, muito bonitos e ficaram muito populares. Eles são mais acessíveis em termos de poder de compra e atendem às necessidades de muitos solteiros e casais jovens. 

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