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Ex-presidente do BC e sócio da Rio Bravo Investimentos

Opinião|Empresas zumbi (segundo episódio)

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Atualização:

No primeiro episódio desta triste série ficou, ao final, a dúvida sobre a real extensão desse fenômeno no Brasil, sendo certo que poderá ficar bem mais sério logo adiante, uma vez descontinuadas as medidas emergenciais destinadas a mitigar os impactos econômicos da pandemia.

O que é uma empresa zumbi e como reconhecê-la?

Há pelo menos duas variedades, e uma infinidade de “testes”.

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O tipo mais comum, de que vamos tratar a seguir, é o da empresa inativa, e que não se conseguiu encerrar e cuja sobrevida se atribui, inocentemente, à burocracia.

A triste realidade num país de capitalismo pela metade, todavia, é que fechar uma empresa pode ser um enorme pesadelo.

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No nosso pequeno mundo patrimonialista, abrir como fechar uma empresa é sempre uma graça concedida pelo governo. Uma dádiva do Imperador, um alvará para começar e uma anistia para fechar, esse o destino de quase todos os que se aventuram a empreender, desde Mauá.

Na hora de fechar, sempre será possível argumentar que o sujeito ficou devendo ao fisco ou aos trabalhadores, de modo que o encerramento funcionará como uma indulgência, ou como perdão pelos seus pecados, que sempre serão amplificados bem além do que o bom senso poderia presumir. 

Uma pesquisa da Endeavor de 2016 estimou que algo como 18% de todos os CNPJs eram de empresas sem atividade, cuja existência como “mortas vivas” tinha custos para seus acionistas e para a sociedade. Basta lembrar a estatística do Banco Mundial pela qual uma empresa média no Brasil gasta um tempo gigantesco para cumprir suas obrigações tributárias (1.500 horas por ano, colocação 184ª em 190 países). 

Pois então, trata-se de cerca de uma em cada 5 empresas no país que não tem outra atividade que não cumprir essas obrigações. Estamos falando de algo próximo a 4 milhões de CNPJs, uma zumbilândia.

Não é apenas a burocracia, na maior parte dos casos há pendências, sobretudo tributárias e trabalhistas que, com alguma probabilidade, e independente do mérito, podem se tornar cobranças desproporcionais e agressivas, e de forma discricionária e imprevisível, e inclusive, com penhoras on line amiúde atingindo minoritários, conselheiros e passantes.

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Em tese, a responsabilidade do empreendedor deveria estar limitada ao capital que mobilizou para a empresa, esse é o princípio da responsabilidade limitada que em muitos países é uma espécie de cláusula pétrea da atividade empresarial. Mas não aqui. Prevalece no Brasil uma cultura de “desconsideração da empresa”, como se a “pessoa jurídica” fosse apenas um “véu protetor” para malandros dedicados a repetidos “abusos”. 

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Quem vai querer empreender num país onde criar uma empresa é uma espécie de “abuso de forma”, e mais incompreensível ainda, quem vai reincidir?

Como só é possível fechar uma empresa se a pessoa física assumir, sem limitação, todas as contingências da empresa, é melhor deixar as tentativas fracassadas de empreender eternamente vagando no limbo dos “mortos vivos”. Fica sendo parte do “custo Brasil”, um de diversos aspectos desagradáveis do “ambiente de negócios” no Brasil.

Vamos fazer contas, começando por uma verdade inconveniente, a taxa de recuperação sobre a dívida ativa não superou 1% em 2019, de tal sorte que a maior parte das contingências tributárias (e supostas renúncias fiscais) que impedem o fechamento de empresas “mortas vivas” parecem ser imaginárias.

Nesse contexto, não seria uma má ideia criar um “fast track” para encerrar empresas zumbi, algo simples, como R$ 1 mil por CNPJ, encerramento definitivo e irretratável, as contingências somem antes mesmo de virarem processos judiciais de cobrança.

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Mais sofisticado, na linha do Nobel recente, era fazer um leilão: quem quer encerrar uma empresa, dê o seu lance, desde que mais que certo mínimo, revelando a verdadeira inconveniência das contingências, e a Receita faz o corte. Com 3 milhões de CNPJs no jogo, são R$ 3 bilhões de receita, se for R$ 1 mil por cabeça ...

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS.

Opinião por Gustavo H.B.Franco
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