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Energia: o barato que sai caro

O Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) já não reflete a realidade do sistema e gera distorções inaceitáveis

Por Paulo Pedrosa
Atualização:

A crise hídrica não acabou. Mas ela está confirmando a falência do modelo de cálculo do preço da energia, o chamado Preço de Liquidação de Diferenças (PLD). Ele já não reflete a realidade do sistema e gera distorções inaceitáveis, que penalizam os consumidores que contrataram sua energia e estimula comportamentos oportunistas no cenário de escassez.

Crise hídrica revelou falência do modelo de preços de energia Foto: Joel Silva/Estadão

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Esse modelo nega a essência da previsibilidade na contratação de energia ou de qualquer outro produto. Com o preço fantasmagórico de hoje, os consumidores pagam encargos “por fora” de seus contratos por uma proteção já quitada, numa gigantesca transferência de renda entre o consumo pactuado e segmentos da cadeia da energia que especularam com os preços. A distorção na formação do preço se propaga no setor e contamina sua eficiência, pois ele é a referência, base da operação e do planejamento do sistema.

Definido por programas de computador, o PLD há muito não representa corretamente as condições da operação do sistema, o valor da energia armazenada nos reservatórios e da água que chega a eles, além das perspectivas de oferta e demanda. Paradoxalmente, os preços baixos que esvaziam os reservatórios provocaram um aumento muito além do razoável da necessidade de geração cara, chamada de “fora da ordem de mérito”, para suprir a carga – tudo pago também “por fora” pelos consumidores.

O problema é conhecido e reconhecido pelo próprio Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia. A Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética, instituída em junho para o enfrentamento da atual crise hídrica, é responsável por flexibilizações e ações realizadas para assegurar a continuidade do suprimento eletroenergético do País. Algumas dessas ações têm levado usinas hidrelétricas e linhas de transmissão a operarem até o seu limite físico. O modelo computacional resulta em PLDs cada vez mais baixos, precificando a oferta excepcional como se fosse cada vez mais barata. Um grande equívoco, considerando que estamos ligando termoelétrica ao custo de exorbitantes R$ 2.500 por MWh, ignorando a pior crise em 91 anos.

Faz-se necessária uma correção das distorções e o enfrentamento dos problemas estruturais da formação do PLD, promovendo a correta alocação dos custos da geração térmica dentro da ordem de mérito, e não só transferindo custos elevados aos consumidores. Somos um país sincrético, em que até forças místicas são merecedoras de crédito em momentos de crise. Mas é hora de perseguir a racionalidade, e é imprudente defender um modelo que enxerga nas mais suaves precipitações verdadeiros dilúvios terminativos da escassez. 

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