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Energisa, a 'zebra' que levou o Rede

Após vencer uma disputa que parecia perdida, a Energisa assume hoje, oficialmente, o grupo Rede com um duplo desafio; terá de colocar de pé empresas que sofreram uma das intervenções mais duras da história do setor e, depois, lucrar com isso

Por Naiana Oscar e Wellington Bahnemann
Atualização:

RIO - "Está vendo essa revista aqui?", perguntou, chacoalhando uma edição de maio de 1979, da antiga 'Senhor'. "Era para ser uma foto minha na capa, mas colocaram esse barbudo aí. Até hoje não entendi", brinca o octogenário Ivan Botelho. Um Lula de barba e cabelos pretos acabou ofuscando uma das reportagens mais interessantes daquela edição, a que contava a saga de um mineiro atrevido que tentou comprar uma das maiores empresas de energia da época, a canadense Light. A aquisição que faria a Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina (hoje, Energisa) mudar de patamar e entrar para a história foi frustrada por uma manobra do governo militar, que culminou com a estatização da Light. Ivan Botelho, na época presidente da empresa fundada por seu tio-avô em 1905, ficou arrasado. Pensou até em deixar o País e voltar para os Estados Unidos, onde tinha se formado engenheiro eletricista. Decidiu ficar. "Eu sempre gostei de uma briga", disse há uma semana, no escritório da Energisa, no Rio de Janeiro.No ano passado, ele, seus filhos e o sócio de longa data - o investidor Antônio José Almeida Carneiro, conhecido no mercado financeiro como "Bode" - compraram uma briga tão enroscada quanto a da Light. Mas, desta vez, para o espanto de quem estava acompanhando a disputa, saíram vitoriosos.A Energisa assumiu na sexta-feira, oficialmente, o problemático Grupo Rede, em recuperação judicial desde 2012. A empresa da família Botelho desbancou concorrentes como CPFL e Equatorial - que, juntas, faturam 6,5 vezes mais que ela. As duas eram as favoritas nas negociações para a aquisição da companhia fundada por Jorge Queiroz, mas em julho do ano passado, tiveram suas propostas colocadas de escanteio pelos credores do grupo, que acabaram aprovando a oferta de aquisição feita pela Energisa, no valor de R$ 3,2 bilhões, em que os detentores da dívida saíram com mais dinheiro no bolso. Entre julho e janeiro, a família Botelho obteve autorização dos órgãos reguladores para concretizar a compra do Rede e nos últimos 80 dias fez a transição para assumir a empresa que estava sob intervenção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) desde agosto de 2012. Com a saída dos interventores na sexta-feira passada, a Energisa amanheceu hoje na condição de sexto maior grupo de distribuição de energia do País: seu faturamento triplicou, de R$ 2,9 bilhões para R$ 8,4 bilhões; o número de concessionárias sob gestão passou de cinco para 13 e o volume de clientes mais que dobrou com a integração das oito distribuidoras do Rede - de 2,5 milhões para 6 milhões.Dar esse salto não é tarefa fácil. "Além de integrar uma operação tão grande à sua base, é preciso levar em conta que alguns dos ativos que a Energisa adquiriu são muito complexos e acumulam problemas por falta de investimento", diz João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos Energia. (Leia mais sobre os desafios da empresa na pág. B03). Ricardo, o filho mais velho de Ivan, e hoje presidente da companhia, busca na história do grupo a resposta para tranquilizar quem questiona a capacidade da Energisa de dar conta dessa aquisição. "Isso não é uma novidade pra gente, basta ver o que fizemos na década de 90."Uma das protagonistas no processo de privatização do setor elétrico, a empresa fez quatro aquisições e chegou a multiplicar seu tamanho por sete entre 1996 e 2000. A experiência deu certa confiança aos Botelho no confuso processo de aquisição do Rede, mas não resolveu tudo. "Preparar a empresa para receber as novas distribuidoras foi uma coisa de maluco", diz o presidente. No ano passado, 120 pessoas foram deslocadas de suas funções na sede da empresa para preparar um plano de ação detalhado, até 2023, para cada distribuidora do Rede. O resultado foi um documento de 2.750 páginas entregue à Aneel em outubro e que terá de ser seguido à risca. A Energisa se comprometeu a investir R$ 1,9 bilhão na operação. A previsão é de que, em três anos, as distribuidoras atinjam, ao menos, o equilíbrio financeiro e operacional. Integração. Para cuidar da integração, os Botelho contrataram a consultoria Booz & Company e o executivo Carlos Ferreira, que foi presidente da distribuidora de energia Elektro entre 2006 e 2011, período em que preparou a venda da empresa para o grupo espanhol Iberdrola e, depois, liderou o processo de integração. Mineiro como os novos patrões, Ferreira diz que sua missão, agora, é "fazer a integração cultural de empresas em geografias tão distintas". A Energisa atuava em quatro Estados e, com o Rede, passa a administrar distribuidoras em outros cinco. Entre sexta-feira e hoje, os funcionários dessas concessionárias conheceram pessoalmente os novos donos. Ivan Botelho, presidente do conselho de administração, engenheiro, está na empresa desde em 1958. Seus filhos Ricardo e Maurício, presidente diretor financeiro, também cursaram engenharia. Os três velejam juntos - em todos os sentidos. É deles o recorde na Regata Internacional Recife - Fernando de Noronha, de 2011: com Torben Grael na tripulação. Acostumados a ajustar a vela contra ventos fortes, pai e filhos terão agora de fazer o mesmo no setor elétrico.

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