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Entalo fiscal

Bolsonaro já não tem mais qualquer intenção de levar adiante um esforço sério de ajuste fiscal em 2020

Por Rogério L. Furquim Werneck
Atualização:

Neste final de ano, a política fiscal do governo está fadada a ter um encontro marcado com a verdade. Já não há mais espaço para autoengano sobre suas reais possibilidades. Ao cabo de meses e meses de ilusionismo, falta de foco e escancarada procrastinação do anúncio das medidas de ajuste nas contas públicas que se fazem necessárias, o Planalto se descobre, agora, com não mais que três semanas e meia para escapar do entalo fiscal em que se meteu.

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O governo nem mesmo conseguiu que o Congresso aprovasse a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). E a apreciação do Orçamento ainda inspira cuidados. Vem sendo tumultuada pela disputa precoce pelo controle das mesas do Congresso, instigada pelo próprio Planalto. Vai-se entrar em dezembro sem que Comissão Mista de Orçamento tenha sido sequer instaurada. É espantoso.

Salta aos olhos que, prestes a completar a primeira metade de seu mandato, Bolsonaro já não tem mais qualquer intenção de levar adiante um esforço sério de ajuste fiscal no que lhe resta de mandato. Não é isso que preconiza a ala desenvolvimentista do governo, nem o que acalenta a bancada que lhe dá apoio no Centrão, nem tampouco o que defende o círculo mais próximo de conselheiros do presidente.

Bolsonaro disse que a epidemia estava no fim no País Foto: Dida Sampaio/Estadão

O que se viu até aqui foi um jogo de aparências em que o governo finge que quer preservar o teto de gastos. De um lado, porque continua a temer que qualquer discurso mais ostensivo contra o teto possa desencadear reações implacáveis dos mercados. E, de outro, porque continua assombrado pelo temor de dar margem a processo de impeachment, caso se disponha a violar abertamente uma regra fiscal claramente inscrita na Constituição.

Sobram razões para a preservação do teto de gastos, especialmente num governo que já não esconde sua falta de compromisso com o ajuste fiscal. E é improvável que as forças do Congresso que já se articulam em torno de projetos políticos de enfrentamento do bolsonarismo, em 2022, estejam dispostas a ajudar o governo a se desvencilhar da camisa de força constitucional que vem tolhendo, com eficácia, seus excessos fiscais.

É bem sabido que, encantado com o ganho de popularidade que lhe trouxe o auxílio emergencial, Bolsonaro continua fixado na ideia de poder implantar um programa similar no início do ano que vem, quando o pagamento do auxílio tiver sido suspenso, ao fim do período de vigência do estado de calamidade.

Dada a dificuldade de acomodar um programa dessas dimensões sob o teto de gastos, a solução fácil que agora vem sendo contemplada é a simples prorrogação do estado de calamidade, que, supostamente (há quem discorde), permitiria estender o pagamento do auxílio por alguns meses mais.

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Como tal solução só seria minimamente defensável se de fato estivesse havendo claro recrudescimento da pandemia no País, não falta agora no governo quem esteja pronto a interpretar qualquer oscilação para cima nos números nacionais de casos ou mortes como evidência inequívoca do avanço de uma “segunda onda” pandêmica no Brasil. Quem te viu, quem te vê. O negacionismo que pautou a postura do governo na primeira onda da pandemia cedeu lugar, agora, a um alarmismo oportunista acerca da suposta segunda onda. “Não tem como não prorrogar (o auxílio emergencial)” é a palavra de ordem que ganha força no Centrão.

Quanto a medidas de ajuste fiscal de mais fôlego, é difícil de discernir, em meio ao discurso caótico do governo – seja no Planalto, seja no Ministério da Economia – algo que se assemelhe, ainda que remotamente, a um plano claro de jogo.

Findo o segundo turno das eleições municipais, a ser disputado em 57 cidades no domingo, o País testemunhará o despreparo com que o governo se verá obrigado a enfrentar, afinal, no apagar das luzes do ano legislativo, as alarmantes indefinições fiscais que há meses vem-se permitindo manter.

*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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