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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Entenda essa ameaça

O diretor-geral da OMC já advertiu: 'as ameaças de protecionismo não podem ser ignoradas'

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A administração Donald Trump pode provocar um tsunami comercial no Planeta. Convém entender a natureza da ameaça. Na origem das preocupações estão dois projetos em pauta no Congresso dos Estados Unidos. O primeiro é o plano de comércio exterior apresentado por Trump. Ao longo da campanha eleitoral, ele já havia classificado o desempenho da Organização Mundial do Comércio (OMC), o xerife do comércio global, como um “desastre” para os interesses do país. Agora presidente, promete romper acordos comerciais e instituir sanções unilaterais contra países que, segundo ele, vêm prejudicando o desempenho comercial dos Estados Unidos.

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O relatório anual da agenda comercial do governo norte-americano acusa a OMC de não coibir práticas desleais de concorrentes dos Estados Unidos, como subsídios, roubo de propriedade intelectual e manipulação da moeda, o que produz distorções no sistema. O recado é claro: a administração Trump deixará de observar as regras da OMC de acordos multilaterais, não acatará eventuais sanções impostas aos Estados Unidos e recorrerá a retaliações unilaterais quando os interesses do país forem prejudicados. Se regras consagradas e o próprio sistema de solução de controvérsias da OMC deixarem de valer, prevalecerá o faroeste.

A outra bomba é o plano de reforma tributária que passou a ser chamada Better Way (Melhor Caminho), apresentado pelo Partido Republicano na Câmara dos Representantes, ainda em 2016. Propõe reformar o sistema de impostos cobrados das empresas nos Estados Unidos. Uma das propostas-chave é a redução do Imposto de Renda de 35% para 20%, com o objetivo de manter as empresas nos Estados Unidos ou atrair ovelhas desgarradas, como a Apple, que instalou sua sede fiscal na Irlanda para beneficiar-se de incentivos fiscais. 

 

Para compensar a queda de arrecadação a proposta prevê, para finalidade de cálculo do Imposto de Renda, o fim da dedução das despesas alfandegárias pagas com importações. 

Porém, os custos das exportações continuariam passíveis de dedução. As advogadas Ana Claudia Akie Utumi e Vera Kanas Grytz, sócias do escritório TozziniFreire, argumentam que o benefício aos exportadores pode ser entendido como subsídio e, nessas condições, questionável na OMC como prática desleal de comércio.

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Outro ponto questionado é o tratamento tributário favorecido às despesas com salários nos Estados Unidos. O especialista em disputas comerciais na OMC Chad Bown, do Peterson Institute for International Economics, explica que as empresas que produzem e empregam lá receberiam isenções fiscais sobre os salários pagos, o que também pode ser visto como subsídio contrário às regras da OMC. Segundo Bown, a derrota resultaria em cerca de US$ 385 bilhões por ano em retaliações contra os Estados Unidos. 

Para o professor de Relações Internacionais da Faculdade Rio Branco Sérgio Gil Marques, mesmo que reconquiste as companhias americanas que se mudaram ao exterior e seus postos de trabalho, essa reforma pode se transformar em vitória de Pirro. “Os Estados Unidos não têm capacidade produtiva para tudo o que consomem. Suas empresas dependem da cadeia produtiva global e serão oneradas em tudo o que tiver de ser importado, fator que aumentará os preços ao consumidor interno.”

Além disso, se o dólar se fortalecer, como respondem os republicanos contra as acusações de protecionismo, os efeitos positivos para os exportadores norte-americanos tenderão a anular-se, porque o produto estrangeiro ficará mais barato. Ou seja, o plano não garante a reversão do déficit da balança comercial dos Estados Unidos. 

De todo modo, Trump anunciou que seu governo prepara um projeto independente do apresentado pelo Partido Republicano. Não se sabe o que será proposto, mas seu objetivo parece sintetizado na afirmação de Trump: “Os produtos do exterior não pagam nada aqui, mas os nossos são supertaxados lá fora”. 

Para a líder do setor de impostos internacionais da KPMG, Marienne Coutinho, o resultado dessas discussões pode levar o comércio exterior a retroceder ao menos 20 anos. Contra tal retrocesso, o brasileiro Roberto Azêvedo, reeleito para a direção geral da OMC, vem emitindo sinais de alerta aos 164 países-membros da organização: “As ameaças de protecionismo não podem ser ignoradas”, adverte. 

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

Raquel Brandão
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