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Guerra na Ucrânia pode levar Europa à recessão e EUA à estagflação, diz Barry Eichengreen

Acadêmico discorda da visão de outros economistas que veem que a pandemia e o conflito no Leste Europeu selaram o fim da globalização

Por Ricardo Leopoldo
Atualização:

A invasão dos 200 mil soldados da Rússia à Ucrânia poderá levar os dois países à depressão econômica, a Europa à recessão e os EUA à estagflação em 2022, comenta em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley. Na opinião dele, provavelmente Vladimir Putin cortará o fornecimento de gás ao Velho Continente, o que provocará o racionamento do combustível em diversas fábricas e abalará a confiança dos consumidores.

"Será cada vez mais difícil acreditar que a Europa escapará da recessão neste ano, mas dependerá das ações das autoridades do continente para reduzir o risco de ingressarem nela, sobretudo com políticas fiscais e monetárias apropriadas", destaca Eichengreen.

Barry Eichengreen, professor de Economia e Ciências Políticas na Universidade da Califórnia, Estados Unidos; o acadêmicodiscorda da visão de outros economistas que veem que a pandemia e a guerra no Leste Europeu selaram o fim da globalização Foto: JF Diorio/AE

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Para o acadêmico, a economia americana deverá registrar uma inflação neste ano entre 5% e 6%, mesmo com a ação firme do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) para a elevação dos juros, que deverão chegar a 2,5% até dezembro. Contudo, ele avalia que o país tem plenas condições de crescer pouco mais de 2% em 2022.

Eichengreen discorda da visão de outros economistas que veem que a pandemia e a guerra no Leste Europeu selaram o fim da globalização. "Não acredito que terminou, mas está com um resfriado. A China é o grande ator da globalização do século 21 e pode manter suas relações comerciais e financeiras em todo o planeta", afirma. Veja os principais trechos da entrevista:

O presidente dos EUA, Joe Biden, disse em Bruxelas que, se for necessário, os países membros da OTAN devem manter as sanções à Rússia até o final do ano. Isto significaria que a invasão militar na Ucrânia será longa. Neste contexto, é possível que em 2022 a Rússia e a Ucrânia sofram uma depressão econômica, a Europa uma recessão e os EUA estagflação?

Sim, para todas estas questões. Já vemos problemas econômicos terríveis na Ucrânia e na Rússia. Não seria surpreendente que, neste ano, a economia russa contraísse 10% e que a inflação subisse para 30% ou 40%. O que acontecerá na Europa Ocidental dependerá do fornecimento de gás russo e cada vez mais é provável que os países da região deixarão de recebê-lo. Provavelmente, o que os países europeus farão é dizer que continuarão recebendo o gás da Rússia, mas o dinheiro será depositado em uma conta de garantia na qual o Kremlin não poderá ter acesso até que a guerra termine. Quando isso acontecer, Putin interromperá o fluxo de gás para a Europa Ocidental, o que exigirá o racionamento do combustível pelas fábricas de diversos setores, o que prejudicará a confiança do consumidor. Será cada vez mais difícil acreditar que a Europa escapará da recessão neste ano, mas dependerá das ações das autoridades do continente para reduzir o risco de ingressarem nela, sobretudo com políticas fiscais e monetárias apropriadas. A Europa pode viver uma ampla recessão e a Ucrânia e a Rússia enfrentarão um desastre econômico. Os EUA terão algum tipo de estagflação. A inflação continua alta em 2022 e poderá ficar elevada em 2023. O Fed agora começa a se mover mais rápido, mas está muito atrasado para combater a elevação dos preços. Além dos problemas que afetam as cadeias de internacionais de produção, há a guerra na Ucrânia. Tudo isso fará com que o crescimento nos EUA seja menor e com inflação maior do que esperávamos.

O que a Europa pode fazer para evitar uma forte recessão?

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Como os juros reais estão bem negativos na Europa, pode ser adotada uma política fiscal expansionista para auxiliar as pessoas mais atingidas pelo aumento dos custos de energia. Podem também ser implementados mais subsídios para investimento em tecnologia verde, acelerar a transição do gás importado da Rússia para outras fontes, ações que estimularão a economia. É apropriado empregar a política fiscal como resposta a emergências. A guerra da Ucrânia gerou uma grande situação de emergência.

O senhor avalia que os EUA crescerão 2% este ano? A inflação repetirá a alta de 7,9% do CPI registrada em 2021?

Acredito que a inflação baixará nos próximos meses, mas ainda ficará entre 5% e 6% em 2022. Cecilia Rouse, a principal conselheira econômica do presidente Biden, destacou alguns fatos encorajadores sobre a melhora do funcionamento das cadeias internacionais de produção. Acredito que a demanda vai moderar um pouco à medida que o Fed aumente os juros e diminua a poupança extra acumulada pelas famílias durante a pandemia. A rapidez do crescimento da economia americana dependerá do que ocorrer na Europa e na China. Eu acredito que os EUA ainda podem crescer um pouco mais rápido que 2%.

O que o senhor espera da gestão da política monetária pelo Fed no decorrer deste ano?

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Os Fed Funds poderão atingir 2,5% até dezembro. Mesmo que a inflação caia e fique em 4% em 2022, com taxas de juros nominais em 2,5% ou 3,0%, os juros reais negativos ainda estarão negativos e a política monetária será relativamente acomodatícia. Em um ambiente de taxas de juros mais altas, o mercado de ações provavelmente se ajustará e os malucos criptoativos também sofrerão. Mas tal alta de juros não deverá interromper o crescimento e a recuperação dos EUA.

O presidente Biden destacou que o progresso da China está muito mais conectado ao Ocidente do que à Rússia. Mas será que o líder chinês, Xi Jinping, concorda com ele ou dará apoio sem limites a Vladimir Putin, pois o desfecho dessa guerra pode influenciar as decisões de Pequim sobre uma eventual invasão em Taiwan?

Para a China, as relações econômicas com o Ocidente são mais importantes do que com a Rússia. Talvez no momento possa ser mais atraente para o presidente Xi distanciar-se política e diplomaticamente do Ocidente e se aproximar da Rússia. Mas a China não poderá adotar um caminho econômico para um lado e tentar seguir o rumo político em outro. Precisará escolher um só. Caso Pequim decida apoiar Moscou, os bancos chineses e outras empresas poderão sofrer sanções secundárias pelo Ocidente. Nós confiamos no bom senso do Politburo chinês para reconhecer que a invasão da Ucrânia pelas forças de Vladimir Putin não é um bom exemplo para a política de Pequim sobre Taiwan e, portanto, não deve apoiar o Kremlin. Eu desejo isso, pois políticos racionais terão feito este cálculo. Mas muitas pessoas pensavam antes da guerra que Putin era um político racional. Agora ele age de forma irracional e irresponsável.

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O senhor teme que Xi Jinping também se torne irracional?

Eu tenho esperanças de que ele não agirá assim. O cálculo racional para os chineses indica que eles dependem de negócios com o Ocidente, que poderão ser interrompidos caso se aproximem da Rússia. O governo de Pequim deveria manter alguma distância de Moscou. Mas não podemos ter certeza sobre as decisões que poderão surgir de políticos autoritários.

Quanto a China poderá crescer neste ano?

A China está sendo bem atingida pela variante Ômicron. O país é importador de commodities de energia e será um pouco prejudicado pelos preços mais altos destes produtos. A China vende muitas mercadorias à Europa. Se a Europa Ocidental ingressar em uma recessão, o país asiático sofrerá impactos negativos também. Eu considero que será difícil de atingir a meta do governo em Pequim de crescimento de 4,5% a 5% para este ano. Acredito que são sérios os problemas nos setores imobiliário e de construção, e o PIB ficará abaixo daquele objetivo. Contudo, a China tem espaço para adotar políticas de apoio à economia. O país já implementou recentemente medidas fiscais, têm espaço para adotar outras nessa área. Os requisitos de reservas dos bancos foram reduzidos e houve também alguma acomodação monetária.

Nesta conjuntura marcada por grandes incertezas geopolíticas, o que o senhor espera do desempenho dos mercados de ações nos EUA ao longo deste ano?

Embora as taxas de juros estejam subindo nos EUA, a política monetária permanecerá razoavelmente acomodatícia. A reação das bolsas de Nova York vai depender muito de diversas variáveis, como fatos políticos, a guerra na Ucrânia e o que acontecerá com a economia real. Se virmos uma recessão na Europa com alguma repercussão nos Estados Unidos, os mercados de ações vão reagir de forma negativa. Não tenho confiança de que os investidores estejam muito otimistas com todo esse cenário.

O senhor acredita que a intensa alta dos preços do petróleo poderá prejudicar o progresso da agenda de transição de vários países para uma economia verde, inclusive nos EUA?

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As economias avançadas terão de continuar a agenda verde, com a construção de redes para energia solar, eólica e hidrelétrica. Em segundo lugar, esses países terão de continuar a depender de energia nuclear, que eles estavam pensando abandonar, sobretudo por causa das pressões ambientalistas. Eles terão de ignorar a oposição à energia nuclear e utilizá-la até que sejam auto suficientes em outras fontes de energias renováveis.

Com as crises geradas pela pandemia e a guerra na Ucrânia é possível afirmar que a globalização econômica acabou?

Não acredito que terminou, mas está com um resfriado. A China é o grande ator da globalização do século 21 e pode manter suas relações comerciais e financeiras em todo o planeta. A globalização pode sobreviver. Nós entramos em uma nova fase na qual a tecnologia dos EUA não será disponibilizada à China tão livremente quanto antes e a China não poderá investir nos EUA tão facilmente quanto fazia. Não acredito que voltará logo o tipo de globalização ocorrido nas primeiras décadas do século 21. As cadeias de suprimentos globais sobreviverão e serão reconfiguradas um pouco, não mais com o foco no "just in time", mas sim no "just in case". Elas ficarão mais diversificadas entre os países, não serão desmanteladas, porém ficarão com menor ritmo de produção. Não será mais "globalization", mas sim "slowbalization".

O mundo aproveitou a globalização para reduzir a inflação global, sobretudo com a produção de manufaturados na Ásia. Com a integração comercial mais lenta, haverá aumento da inflação, que já está elevada em termos internacionais?

Sim, se nada mudar. Continuaremos a ser globalizados. Veremos um crescimento mais lento da produtividade, tudo o mais constante, o que causará mais inflação, se nada mais mudar. Mas a resposta dependerá do que mudará, se medidas forem adotadas para tentar apoiar o crescimento da produtividade, inclusive se os bancos centrais agirão de forma mais agressiva para combater as novas pressões inflacionárias. Outros fatores podem mudar, como tecnologia, estratégias de investimento de empresas e as funções de reação da política monetária dos países.

Quão assustado ou preocupado o senhor está com o espectro que a guerra na Ucrânia pode trazer ao mundo?

Quando eu era uma criança pequena na década de 1960, lembro-me de meus pais me acordarem uma manhã e dizerem como estavam assustados com a crise dos mísseis soviéticos em Cuba. O que ocorre agora é o momento mais assustador desde então. Acredito que o governo dos EUA e de outros países ocidentais agem com cuidado sobre o quanto podem pressionar Putin para acabar com esta guerra. Estes sabem que não podem pressionar em excesso, pois poderia sentir que sua própria sobrevivência está em perigo, o que poderia levá-lo a fazer algo imprudente e irresponsável. Este é um equilíbrio muito delicado. Muitas pessoas criticaram os EUA por não fornecerem aviões à Polônia para que esta pudesse ceder seus caças à Ucrânia e instituir uma zona de exclusão aérea. Mas eu acredito que esta posição da Casa Branca é correta.

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