'Perder 20% de poder de compra em dois anos é passar fome', diz economista

Para Guilherme Moreira, da Fipe, a alta da inflação nos últimos dois anos tem provocado um problema social seríssimo; leia entrevista

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Por Márcia De Chiara
3 min de leitura

A desaceleração da inflação em maio, captada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE e pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe, não se trata de uma tendência, segundo o economista Guilherme Moreira, coordenador do IPC da Fipe.

Na avaliação dele, a perda de fôlego foi pontual e ocorreu por causa do recuo da tarifa de energia elétrica e dos alimentos in natura. A inflação, diz,continua muito espalhada e deve ganhar novas pressões, como reajuste dos planos de saúde.

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Nas projeções do economista, a inflação deve fechar o ano com alta de 9%. Menos do que o número, Moreira ressalta que o patamar inflacionário brasileiro é um dos maiores do mundo e provoca um estrago no poder de compra da população. “Para uma família com renda de até três salários, perder 20% de compra em dois anosé passar fome, e é o que está acontecendo.” A seguir, os principais trechos da entrevista

O que representa a desaceleração da inflação registrada em maio pelo IPCA epelo IPC da Fipe, que recuou novamente na primeira quadrissemana deste mês?

Não se trata de um movimento consistente de desaceleração. O IPCA de maio foi de 0,47%, muito parecido com o IPC da Fipe que ficou em 0,42%.O que houve foi que a conta de energia teve queda significativa e isso fez (os preços da) habitação despencar. Também os alimentos in natura recuaram, porque nesta época do ano chove menos e a demanda cai. O tomate, que tinha subido 40%, devolveu. Foram duas quedas pontuais que neste mês derrubaram a inflação. Não acho que seja uma tendência.

Guilherme Moreira, da Fipe: 'A inflação está bem presente e é uma questão de custos que permeiam todo o índice, apesar da desaceleração' Foto: Fipe

Por quê?

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Um dos argumentos para essa análise é que os alimentos industrializados têm subido na faixa de 2% a cada mês há muito tempo. Os alimentos industrializados são o melhor sinalizador. Eles são essenciais, englobam as commodities, o frete, a embalagem e todo o processo industrial. São a síntese do que está acontecendo na inflação.Além disso, vestuário e transporte continuaram subindo. Tem o reajuste dos plano de saúde que começa a entrar em junho, que impactasignificativamente. Também a inflação está espalhada por muitos itens.

Mas o índice de difusão, que mede esse espalhamento, que era de 78% em abril caiu para 72% em maio?

Mas 70% dos preços coletados estão subindo. É preciso considerar que nesse total há preços que não são livres, como passagem de ônibus, que não sobem todos os meses. Por isso, essa difusão é considerada muito alta.

A redução do ICMS (Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços) sobre os combustíveis pode ajudar?

Se vier, será pouca coisa. Acho que não afeta a inflação.

Quais as perspectivas para a inflação de junho e dos próximos meses?

A inflação está bem presente e é uma questão de custos que permeiam todo o índice, apesar da desaceleração que deve acontecer em junho também. A minha previsão é que o IPC da Fipe fique em torno de 0,30% a 0,35% este mês. Para o ano, a previsão é de uma inflação de 9%.

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Quando a inflação em 12 meses deve ficar abaixo de dois dígitos?

Agosto, setembro, mais para o final do ano. Estamos falando de uma alta em 12 meses na faixa de 12% caindo para 9,5%, 10% Estamos discutindo ‘peanuts’ (mixaria).

Como assim?

O estrago está dado. Temos uma das maiores inflações do mundo. Os Estados Unidos vão fechar com uma inflação acima de 7%. Mas a questão é que a inflação americana não causa fome. Essa é a grande questão, independentemente se a inflação vai dar 9% ou 10%. Tem gente passando fome no Brasil. Ter mais de 20% de inflação acumulada em dois anos para uma família com renda entre um e três salários mínimos(de R$ 1.212 a R$ R$ 3.636) é muito diferente de uma família com renda acima de oito salários mínimos (R$ 9.696). Apesar do índice ser parecido, para a família com renda de até três salários, perder 20% do poder de compra em dois anos é passar fome, e é o que está acontecendo. O brasileiro rico vai deixar de viajar, vai perder qualidade de vida, mas não vai ficar em risco. Temos um problema social seríssimo com a inflação nesse patamar.

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