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"Não se justifica o barril de petróleo acima de US$ 100", diz sócio da gestora Atmosphere

Após explosão de preços, no longo prazo tendência é de acomodação, afirma Felipe Mattar, que já foi estrategista do banco Goldman Sachs

Por Filipe Serrano
Atualização:

A reação do Ocidente à alta dos combustíveis e a busca por alternativas ao petróleo exportado pela Rússia têm ajudado a equilibrar as cotações internacionais depois do choque inicial causado pela guerra da Ucrânia. Na visão do sócio da gestora Atmosphere, Felipe Mattar, esses movimentos devem fazer o preço do petróleo se manter em torno de US$ 90 a US$ 100 por barril, um pouco abaixo do patamar atual. 

Segundo Mattar, que é especialista no setor e já trabalhou como estrategista no banco de investimentos Goldman Sachs, alguns fatores devem puxar os preços do petróleo para baixo. Entre eles estão o aumento da produção nos EUA e no Canadá, uma eventual decisão dos países membros da Opep de elevar a produção e um possível acordo do Ocidente com o Irã, que liberaria as exportações de petróleo do país. 

Felipe Mattar, da Atmosphere Capital, afirma que o 'cenário mudou', o que estimulou investimentos no setor Foto: Atmosphere Capital/Divulgação

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“O cenário mudou e está estimulando as empresas a voltarem a investir. Esses investimentos vão levar a uma acomodação da oferta de petróleo que não justifica preços muito acima dos US$ 90 o barril”, afirma ele, que fundou a Atmosphere em 2017. A gestora é especializada em investir em ativos no exterior, incluindo do setor de energia, e hoje tem R$ 85 milhões sob gestão. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como avalia o comportamento do petróleo, passados dois meses da guerra da Ucrânia? O temor inicial de um choque mais forte passou?

No começo do ano, a gente tinha uma situação em que as refinarias e os compradores de petróleo não acreditavam numa escalada de preços e, consequentemente, não estavam comprando petróleo a US$ 90 por barril. Estavam consumindo seus estoques. De repente veio a invasão da Ucrânia. A empresa que fez essa aposta teve que sair correndo atrás de petróleo, o que fez os preços subirem. As sanções também aumentaram os prazos de entrega dos petroleiros e mudaram as estruturas de crédito e seguro para esse transporte. A partir daí, começa a se desenhar uma nova ordem, e são tomadas várias medidas mais imediatas de contraposição no curto prazo.

Quais medidas são essas?

São medidas mais imediatas como a decisão dos EUA de liberar os estoques de reserva de petróleo e de aumentar a quantidade de etanol na gasolina, que vão reequilibrando um pouco o (preço no) prazo mais curto. Também ainda veremos o resultado das negociações da Opep e como ela vai se posicionar. A Opep tem hoje a capacidade de elevar a produção em quase 6 milhões de barris por dia de forma relativamente rápida. No médio prazo, em torno de 6 meses, tem uma retomada das sondas de perfuração do shale (óleo de xisto) americano e dos oil sands (areias petrolíferas) canadenses. Para se ter ideia, a reserva recuperável do Canadá é o dobro da russa. Além disso, existe um empenho importante em um acordo com o Irã, em favor das retomadas das exportações de petróleo do país. O Irã tem quase 50 milhões de barris estocados, e eles estão doidos para vendê-los. São praticamente 1 milhão por dia que estão prontos para serem vendidos. 

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O que isso indica? Os preços não devem subir tanto quanto se temia?

O cenário que temos agora é: as empresas (de petróleo) estão saudáveis, o petróleo não está sendo mais demonizado, e tem uma oferta imediata de petróleo russo que tem que ser substituída pelo mundo Ocidental. O cenário mudou e está estimulando as empresas a voltarem a investir. Esses investimentos vão levar a uma acomodação da oferta de petróleo que não justifica preços muito acima dos US$ 90 o barril. Pontualmente, (o petróleo) pode subir. Se amanhã, a Rússia decidir que não vai mandar petróleo para mais ninguém, e fazer estoque, o preço pode disparar outra vez. Mas olhando um ou dois anos para frente, estruturalmente, estamos falando de um petróleo entre US$ 90 a US$ 100. É um incentivo importante para essa retomada de oferta. 

O que acontece com o petróleo que era exportado pela Rússia?

A Rússia exporta cerca de 5,7 milhões de barris, sendo que 1,6 milhão vai para a China. Esses barris vão sair do cenário? Não. Provavelmente eles serão redirecionados com algum desconto para alguns países. A China teria a condição de assumir quase 4 milhões de barris desses 5,7 milhões. E depois tem Índia, tem Turquia, que são importadores importantes e que dão sinais de que não teriam problema em comprar petróleo russo. 

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Esse petróleo russo é facilmente realocado para esses países?

É uma questão de quais países vão aderir ou não às sanções. Os sinais são de que China, Índia e talvez a Turquia, os principais consumidores, não irão aderir às sanções. É um comércio que não muda em questão de dois ou três meses. Mas em 18 meses é possível ter uma mudança de rota internacional. A demanda mundial por petróleo é de 97 milhões de barris por dia. Os EUA representam 19 milhões, a China, 15 milhões, e a Índia, 6 milhões. Os EUA têm grande produção interna. Mas China e Índia, não. É difícil acreditar que essa demanda desses países vá desaparecer. Estamos falando de uma realocação. Muita gente calcula, e acho justo, que cerca de 1 milhão de barris da Rússia por algum tempo não terão destino. Mas não os 5,7 milhões que hoje ela exporta. 

Não dá para contar que a Rússia deixará de ser um grande exportador de petróleo?

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Ela vai deixar de ser um grande exportador para o mundo Ocidental. O mundo agora está se mexendo para buscar alternativas, seja em substituição de demanda, seja em substituição de oferta, para reduzir a dependência do petróleo russo. Não significa que outros países, os países orientais, estão alinhados com essa visão. A Europa não tem alternativas imediatas, mas os EUA têm a própria produção que, em algum momento, é exportada para a Europa e outros países. Tem a produção canadense. 

A Europa tem de onde comprar esse petróleo que hoje vem da Rússia?

No curtíssimo prazo, não. Em algum grau, os estoques de reservas dos países são uma fonte. Ela vai depender de uma aceleração da produção do shale. E um acordo com o Irã poderia trazer uma substituição importante. Hoje o mundo ocidental está se empenhando para que o acordo saia. E uma solução pode, sim, também passar pelo Brasil. É que a oferta do Brasil, por causa da própria característica do pré-sal, leva um pouco mais de tempo (para ser ampliada), apesar de ser um petróleo competitivo. 

O Brasil teria essa capacidade de produção, para se tornar exportador de petróleo para a Europa? 

Num prazo mais longo, sem dúvida, desde que a estabilidade institucional do Brasil permaneça. Inclusive, pode haver uma retomada de investimentos mais volumosos no desenvolvimento do pré-sal. Até a Argentina volta para o radar. A Argentina tem uma reserva estimada em 80 bilhões de barris. É uma reserva relevante. 

Nesse cenário de demanda e oferta mais equilibradas, dá para esperar um alívio na inflação ou, pelo menos, no preço dos combustíveis?

Olhando mais para frente, sim. Mas, em um prazo mais curto, não enxergo o petróleo indo muito para baixo. Vejo o petróleo em torno de US$ 90 a US$ 100. O grosso da pressão energética e seu impacto na inflação já veio. Mas tem os efeitos multiplicadores que levam um pouco mais de tempo para se materializar, tanto do ponto de vista de repasse de preço, quanto das implicações para consumo. Essas pressões ainda vão continuar nos próximos meses. E tem a pressão de outros materiais, como os preços dos fertilizantes impactando preços agrícolas, etc. Vamos conviver por mais alguns meses com a incorporação desses aumentos. Por outro lado, há uma dúvida sobre o crescimento econômico global. Tem a questão da desaceleração da China. E a Europa tende a sofrer mais do ponto de vista de crescimento.

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