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Era do dólar forte dá sinais de enfraquecimento

Por Agencia Estado
Atualização:

Depois de vários anos de valorização indiscutível em relação a quase todas as moedas do mundo, o dólar vem dando sinais, recentemente, de algum enfraquecimento. No último mês, a moeda americana recuou 3,44% ante o euro (para US$ 0,92 por euro), e 3,88% ante o iene, para 124,8 ienes por dólar. Os números podem parecer modestos para o padrão das flutuações do real, mas, em se tratando das principais moedas do mundo, já têm alguma importância. Em relação à moeda japonesa, o dólar poderia ter caído mais, se não fosse o Banco do Japão (banco central), que interveio recentemente no mercado, comprando dólares com ienes. Joseph Prendergast, principal analista cambial do CS First Boston, baseado em Londres, observa que em relação a moedas menos importantes, como o dólar australiano e o neozelandês, a queda do dólar foi ainda mais pronunciada. É difícil dizer, com certeza, que estamos vivendo o fim do ciclo de valorização do dólar, já que os movimentos cambiais são particulamente imprevisíveis. Ainda assim, as últimas semanas parecem indicar que mudanças muito importantes na economia global podem estar se iniciando. Para o Brasil, uma desvalorização consistente do dólar poderia ser benéfica, desde que não prejudicasse a economia americana nem provocasse turbulências globais. A mudança no mercado de câmbio mundial, porém, pode não ser tranqüila. O economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kenneth Rogoff, vem dizendo que uma desvalorização abrupta do dólar é um dos riscos para o cenário positivo que o FMI prevê para a economia mundial. A forte valorização da moeda americana na segunda metade da década de 90 moldou o ambiente econômico global nos últimos anos, no que ele teve de melhor e pior. Ela foi um dos pilares da baixa inflação e forte crescimento dos Estados Unidos na última década. Por outro lado, levou a crises cambiais em países cujas moedas estavam atreladas ao dólar, como o real e o peso argentino. Nos EUA, a moeda forte levou o país a importar bem mais do que exporta, criando um grande déficit em conta corrente, de 4% a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), ou cerca de US$ 400 bilhões. Esse rombo foi financiado tranqüilamente por estrangeiros nos últimos anos. Na fase áurea da nova economia, antes do crash da Nasdaq no início de 2000, o déficit era coberto em boa parte pela compra de ações e de empresas dos EUA. Hoje, como observa Prendergast, o financiamento pendeu de novo para os títulos do Tesouro americano e, principalmente, para os bônus das empresas. Em 2001, investidores estrangeiros compraram US$ 371 bilhões em bônus de empresas americanas ou das duas grandes agências imobiliárias do governo. O grande temor dos mercados é que, de uma hora para a outra, os investidores percam a vontade de financiar o déficit externo americano. Ninguém teme uma "crise da dívida" americana, mas sim uma queda brusca no apetite dos investidores externos. Neste caso, cairia a demanda global por dólares (necessários para comprar os ativos americanos), levando para baixo a cotação da moeda americana. A desvalorização do dólar melhoraria o saldo comercial dos EUA, em um processo típico de reequilíbrio das contas externas pelo câmbio flutuante. O problema é a velocidade desse processo. Se for muito rápido, pode trazer inflação, turbulência e crises financeiras. Para Prendergast, está claro que a desvalorização do dólar está ligada à redução dos juros nos Estados Unidos, onde a taxa básica caiu de 6,50% para 1,75% ao longo de 2001. Os juros em geral nos EUA caíram (embora menos nos prazos mais longos), ajudando a recuperação da economia em 2002. Por outro lado, a rentabilidade das aplicações de renda fixa em dólar ficou menor, reduzindo a sua atratividade. "A grande questão", coloca Prendergast, "é por que o dólar está caindo agora, e não em 2001". A explicação, segundo o economista, é que, apesar de os juros baixos reduzirem a atratividade das aplicações financeiras, esta, na verdade, aumenta "enquanto as taxas estiverem caindo". Quando um investidor compra um título com um determinado retorno, e a taxa de juros da economia cai, aquele papel aumenta de preço. Enquanto ele achar que os juros vão continuar caindo, portanto, a atratividade perdura. Isso muda em momentos, como agora, em que a maioria acha que o ciclo de queda de juros está encerrado. A expectativa, na verdade, é que, em algum momento, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) comece a elevar a taxa básica. Neste caso, um processo inverso deve ocorrer. Enquanto houver expectativa de alta (o que já pode estar começando), há uma redução da atratividade das aplicações de renda fixa americanas, porque o preço dos papéis no mercado cai quando o juro sobe. Mas quando os investidores perceberem que a taxa atingiu um nível estável e alto, os EUA devem voltar a atrair fortemente os capitais. É por isso que Prendergast prevê que o atual enfraquecimento do dólar, se confirmado, será um fenômeno temporário, que deve durar de um a dois anos.

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