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Escambo volta à moda e movimenta US$ 10 bi

Em tempos de recessão, a forma mais antiga de comércio é retomada, aqui e em todo o mundo

Por Agencia Estado
Atualização:

No último clube de trocas do bairro da Pedreira, Santo Amaro, periferia de São Paulo, a professora Ana Maria Dias Silva vendeu todos os biscoitos que fez em casa. Com os B$ 15 (15 bônus) que faturou, levou para casa uma calça jeans e um novo corte de cabelo. Ana Maria é uma "prossumidora", nome dado aos participantes de clubes de troca solidária, ao mesmo tempo produtores e consumidores. Faz parte de um movimento crescente que dispensa o uso de moedas, substituídas por vales ou cupons de valor local, para adquirir mercadorias, conhecimento e serviços. De valor circunscrito à comunidade, a moeda alternativa permite a sofisticação do escambo, ao facilitar o intercâmbio entre três ou mais participantes. Seja por motivação ideológica ou pela simples falta de dinheiro no bolso ou no caixa, as moedas alternativas estão se multiplicando pelo mundo, conquistando desde pequenas comunidades a grandes empresas. Atualmente, estima-se que a prática do escambo movimente cerca de US$ 10 bilhões por ano no mundo - desse total, quase US$ 8 bilhões se referem às trocas comerciais. Na Pedreira, tida como uma das mais antigas experiências de clube de troca em atividade no Brasil, com 4 anos e meio de vida, cerca de 50 pessoas realizam trocas nos 3 primeiros domingos do mês. Há de tudo: roupas, mantimentos, produtos de limpeza, serviços domésticos, artesanato. "A feira me ajudou muito. Há dois anos minha situação estava tão ruim que eu não sei como conseguia viver", conta Ana Maria, que dá aula de artesanato para idosos. Sua situação financeira melhorou desde que ficou viúva e passou a receber pensão, há um ano. Mesmo assim, ela não perde um encontro do clube. "A gente faz amigos, é uma forma de socializar." Por seu potencial de estímulo e desenvolvimento de pequenos empreendimentos, desde o ano passado os clubes de trocas passaram a fazer parte do programa Oportunidade Solidária da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, que incuba microempreendimentos populares. O primeiro projeto de troca começou em julho no Jardim Ângela, zona sul da capital, numa parceria entre a secretaria e a Universidade de São Paulo (USP). "A idéia é combinar as necessidades e descobrir um potencial de trabalho que está subaproveitado", diz Mariana Almeida, estudante de Economia da USP, responsável pela incubação no Jardim Ângela. Naquele clube, os "futuros", nome da moeda local, têm permitido à dona de casa Maria Helena voltar a costurar. Proprietária de uma máquina de costura, mas sem capital para adquirir linha e tecido, ela havia abandonado o ofício. No clube, encontrou quem tivesse matéria-prima de sobra - e que aceitasse o pagamento em "futuros". Para todos Como lembra o economista Paul Singer, coordenador acadêmico da Incubadora Tecnológica de Cooperativas da USP, "economia solidária não é só para pobre". Um número crescente de empresários tem encontrado na permuta uma forma eficiente de economizar. E, se na periferia a principal motivação para a criação dos clubes é a falta de dinheiro, começam a surgir no Brasil algumas experiências em bairros de classe média, dentro do espírito dos movimentos alternativos. Em Moema, na capital paulista, um grupo de freqüentadores do Fórum Social Mundial de Porto Alegre montou, há quase dois anos, o Clube das 13 Luas. Lá, livros, discos, comida integral, travesseiros aromáticos, massagens e aulas de ioga valem "luas". "A moeda social permite transformar escassez em abundância", afirma o sociólogo catalão Dídac Sanchez-Costa, um dos idealizadores do clube de Moema. "Não é um rechaço ao dinheiro. É uma oportunidade que transcende o econômico. Posso trocar poesia por pão e alface." É notável a preponderância das mulheres nos clubes de troca. "Os homens perdem logo o interesse", diz Mariana Almeida, da USP. A "prossumidora" Ana Maria tem uma explicação para o fenômeno: "Os homens são muito materialistas e não conseguem ter a dimensão que as mulheres têm. Economistas somos nós, que conseguimos fazer milagre, com ou sem dinheiro." Não é preciso fazer parte de clubes para começar a trocar. É o caso do pintor Valdecir Pires. Na semana passada, ele foi contratado para pintar uma loja de roupas femininas e sugeriu, como parte do pagamento, que pudesse escolher dois conjuntos para presentear sua mulher. "Eu jamais poderia comprar um presente desses", diz. Uma atividade complementar à economia formal Ao invés de uma volta aos tempos primitivos do escambo, os defensores das trocas sustentam que se trata de uma atividade complementar à economia formal, que permite libertar o homem da dependência do capital. Sob essa filosofia, surgiram, ainda no início do século 19, na Inglaterra, os primeiros clubes de troca, numa reação às condições subumanas de trabalho na Revolução Industrial. Faziam parte comunidades utópicas idealizadas pelo industrial Robert Owen, tido como o fundador da Economia Solidária. As idéias de Owen logo se espalharam pelo mundo, proliferando e desaparecendo ao ritmo dos ciclos de recessão e crescimento. Em pequenas localidades da Alemanha e Áustria do início do século 20, uma experiência com uma moeda que perdia o valor com o passar do tempo, desestimulando sua acumulação, foi tão bem-sucedida que os governos acabaram por proibi-la. O crash na bolsa de Nova York em 1929 deu impulso a muitas experiências nos EUA, movimento que ressurgiu com os hippies nos anos 60. Na última década, as trocas ganharam força na esteira do sucesso do clube de Ithaca, nos EUA, e da experiência argentina, que chegou a contabilizar 6 milhões de usuários. O fortalecimento e proliferação de clubes de troca na Argentina levaramu à criação de uma rede global de intercâmbio entre clubes, com muitas moedas aceitas até pelo poder público. No início de 2002, a introdução de 1 bilhão de créditos falsos destruiu sua credibilidade, pondo fim à maior experiência de trocas já vista no mundo. Operações de troca reduzem os custos das companhias O potencial das trocas em reduzir custos nos negócios foi rapidamente percebido pelo meio empresarial. De acordo com o último levantamento realizado pela International Reciprocal Trade Association, com sede nos Estados Unidos, em 2001 a troca comercial entre empresas movimentou US$ 7,87 bilhões. O número exclui as operações realizadas entre subsidiárias de multinacionais. Há mais de 300 mil empresas realizando trocas pelo mundo, mercado que cresce a taxas de 12% ao ano. A complexidade das operações de intercâmbio comercial deu origem ainda um outro nicho de mercado: de intermediação das trocas. Nos últimos 30 anos surgiram diversas empresas especializadas nessa intermediação, como Intagio/Tradaq e Argent Trading. No Brasil, a prática de trocas comerciais começou a se expandir no final dos anos 90, com a chegada dessas empresas estrangeiras. Com 25 mil clientes pelo mundo e uma movimentação de US$ 150 milhões, a Intagio/Tradaq é especializada em empresas de pequeno e médio porte. A subsidiária brasileira foi criada há dois anos e hoje contabiliza mais de 400 clientes. A movimentação, em 2002, chegou perto dos R$ 12 milhões, com permutas de R$ 1 mil a R$ 1 milhão. Troca-se de tudo: material de construção, passagens, espaço em outdoors, serviços de contabilidade e até de motoboy. Um dos sócios mais ativos é a rede de restaurantes Galeto´s. Desde que entrou para a Tradaq, o Galeto´s deixou de desembolsar seus reais para lavar toalhas de mesa, confeccionar cardápios e dedetizar imóveis. Os serviços são pagos em "Únicos", em troca de refeições. O modelo de negócios da Tradaq Brasil é similar aos clubes de troca solidária. A moeda local, no entanto, é apenas virtual, com as operações de crédito e débito realizadas eletronicamente. "Fornecemos um canal adicional de venda que, ao substituir algumas despesas, melhora o fluxo de caixa", afirma José Rivero, presidente da Tradaq Brasil. "O resultado final é o aumento dos lucros." Segundo Rivero, algumas empresas chegam a economizar mais de 15% de seus custos. Cabe a Tradaq manter o clube ativo, atraindo um número cada vez maior de filiados e ampliando a oferta de bens e serviços de acordo com as necessidades dos filiados. A permuta como atividade comercial está prevista na lei e a emissão de notas é obrigatória.

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