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''Escolha no FMI não deve ser na correria''

Para representante brasileiro, imposição de fato consumado pelos países ricos na sucessão de Strauss-Khan ameaçaria credibilidade do Fundo

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Por Fernando Dantas
Atualização:

Entrevista - Paulo Nogueira Batista JuniorDiretor executivo pelo Brasil e mais oito países da América Latina e do Caribe no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Jr. diz que a escolha do próximo diretor-gerente do Fundo deve de ser um processo aberto, baseado no mérito, e com os candidatos explicando seus planos e a sua visão da economia global. Para ele, a seleção não deve ser feita "na correria, sob o pretexto de que a crise é grave". O Fundo perderá credibilidade, alerta Nogueira Batista, se rapidamente for apresentado "um fato consumado".Ele elogiou Dominique Strauss-Kahn, o ex-diretor-gerente que se demitiu na semana passada por causa do envolvimento em um escândalo sexual. Para Nogueira Batista, o próximo líder do FMI deve prosseguir o trabalho de mudanças realizado por Strauss-Kahn. O diretor executivo frisou que falou em nome pessoal, e não do Fundo. A seguir, a entrevista: Como o sr. analisa a gestão e a queda do Strauss-Kahn?O Dominique Strauss-Kahn foi um diretor-gerente muito capaz, e fez uma gestão boa, aberta a mudanças e à ampliação do papel dos países emergentes e em desenvolvimento. O Brasil tinha um bom diálogo com ele. Eu, pessoalmente, também. Não era incomum que houvesse divergências entre a posição brasileira e a posição que ele adotava, mas havia um diálogo muito positivo e havia também convergências. Então, para mim, pessoalmente, a saída dele é muito triste, sobretudo da maneira como ocorreu. Espero que o sucessor dele mantenha uma postura aberta a mudanças, a reformas, porque o processo de modificação do Fundo Monetário começou, mas está longe de estar concluído.Como o sr. descreveria as mudanças no Fundo nos últimos anos?Esse processo de mudança foi muito impulsionado pela crise, que teve seu epicentro nos Estados Unidos e na Europa e abalou dogmas e certezas doutrinárias que prevaleciam antes nos países desenvolvidos e dentro do Fundo, abrindo uma oportunidade. Em consequência, os instrumentos de empréstimo do Fundo foram reformados, introduziu-se a linha de crédito flexível, sem as condicionalidades tradicionais, que é inovadora, e em cuja formulação o Brasil teve papel importante. A reforma das condicionalidades do Fundo avançou e os programas ficaram mais focados e mais flexíveis em grande medida. E houve duas reformas de governança, do sistema de cotas.Como foram essas reformas?Uma foi em 2008, e já está em vigor. Foi um primeiro passo no sentido de ampliar o papel de países como o Brasil em termos de poder de voto. E a outra foi aprovada no fim do ano passado e ainda não entrou em vigor, porque depende da aceitação final pelos governos dos países-membros. É essa reforma da governança de 2010 que vai levar o Brasil à posição de 10.º maior cotista do Fundo. Em 2007, nós éramos o 18.º. Com a reforma de 2008, que entrou em vigor há pouco, o Brasil foi para 14.º. Então, o Brasil aumentou bastante a sua participação, e inclusive se tornou credor do Fundo nesse período. Quais outras características importantes da gestão de Strauss-Kahn?Eu também destacaria a importância da sua presença, como diretor-gerente do Fundo, em momentos críticos. Como, por exemplo, na crise europeia. Como há uma certa falta de coordenação entre os europeus no meio da crise, o Strauss-Kahn vinha desempenhando o papel de ajudar a coordenação intraeuropeia. E como o sr. vê a sucessão agora? O que acha da ideia de que o novo diretor-gerente deve ser europeu?Existe uma regra não escrita, que remonta ao tempo da criação das instituições de Bretton Woods, que reserva a posição de diretor-gerente do Fundo para um europeu, e a posição de presidente do Banco Mundial para um americano. Essa regra, se teve alguma validade algum dia, hoje se tornou obsoleta, anacrônica. Não tem mais sentido nenhum, na minha opinião. Se você olhar os comunicados do G-20, por exemplo, ou os comunicados do IMFC (International Monetary and Financial Committee), várias vezes os ministros e líderes do G-20 concordaram que a seleção do diretor-gerente do Fundo e do presidente do Banco Mundial tem de ser um processo aberto, baseado no mérito. Mas, se prevalecer aquela regra tácita, isso na verdade não vigora. Então, já passou o tempo, na minha visão, em que essas decisões podiam ser tomadas com base em regras daquele tipo. Por que um japonês não pode ser presidente do Banco Mundial, um chinês, um indiano, um brasileiro?O próximo diretor-gerente deveria ser de um país emergente?A posição brasileira não é a de defender um (representante do mundo) emergente para presidente do Banco Mundial ou diretor-gerente do Fundo. A nossa posição é que seja um processo aberto, independentemente de nacionalidade. No caso do Fundo, tem de ser uma pessoa muito qualificada, com experiência, que conheça os assuntos internacionais, que tenha uma visão ampla dos desafios que várias regiões do mundo enfrentam, e possa ser representativo. E, no caso brasileiro, é importante que o futuro diretor-gerente continue o processo de mudança do Fundo, que apenas começou.E o argumento de que é preciso ser europeu para resolver o problema da Grécia e de outros países europeus?É um argumento estranho, porque, quando a crise era latino-americana, quem administrou foi um europeu, quando a crise era asiática, quem administrou foi um europeu, quando a crise era russa, quem administrou foi um europeu - aliás, quem fez essa observação foi um ex-diretor do Fundo Monetário argentino, Hector Torres. Então, faz sentido que, agora que a crise é europeia, tenha de ser um europeu? Não. O argumento até poderia ser invertido. Um europeu pode estar próximo demais dos conflitos, dos interesses, das disputas intraeuropeias, e não desempenhar bem esse papel. Além disso, a Europa não é a única região do mundo que interage com o Fundo e tem problemas. Hoje, ela é o ponto fraco da economia mundial, mas não se pode subordinar a escolha do diretor-gerente ao fato de uma região importante do mundo ter problemas graves hoje. O sr. é contra a escolha de um europeu?Não estou dizendo que não possa ser um europeu. A posição que eu defendo, e o Brasil tem defendido, na realidade, é que a escolha tem de ser baseada no mérito, independentemente de ser de uma determinada região do mundo ou de uma determinada nacionalidade. O importante, a meu ver, é que o processo não seja apressado. Que não seja feito na correria e haja oportunidade para que candidatos se apresentem, expliquem as suas plataformas, a sua visão da economia mundial, a sua visão do papel do FMI, para que a escolha possa ser feita com base numa visão adequada dos diferentes candidatos - se é que vai haver dois, três, quantos forem. Não seria bom que fosse um processo apressado, sob o pretexto de que a crise é grave.O que ainda deveria mudar no Fundo, na sua opinião?A reforma de 2010 foi um passo importante, mas, mesmo depois da sua implementação, o Fundo continuará com o processo decisório desequilibrado, com excessivo peso dos europeus e dos países desenvolvidos. Então, o decisivo para que a discussão fique mais equilibrada é que continue o processo de redistribuição do poder de voto que, no caso do Fundo, significa fundamentalmente a redistribuição das cotas. E, deixando de lado essa questão de votos e cotas, há também problemas culturais na instituição.Como assim?O Fundo tem de trabalhar cada vez mais no sentido de se abrir para os países, de deixar de lado a tradicional arrogância, de escutar todos os países, não só a velha guarda. Há o vício de se comportar como se aquilo fosse um clube controlado por americanos e europeus. Ainda é, mas, se o Fundo não se adaptar ao fato de que o mundo se transformou, de que os países em desenvolvimento e emergentes têm um peso crescente na economia mundial, são responsáveis pela maior parte do crescimento hoje em dia e querem ter um maior equilíbrio dentro das instituições internacionais, haverá perda de credibilidade. Essa substituição do Strauss-Kahn é muito importante porque, se nós cairmos num processo fechado, em que se procura rapidamente apresentar um fato consumado, isso vai danificar a credibilidade do Fundo. Qualquer que seja a nacionalidade do próximo diretor-gerente, ele ou ela tem de se apresentar à comunidade de membros do Fundo, explicar a visão que tem do Fundo, o que pretende fazer. Passou o tempo em que o G-7 se reunia e definia as coisas. Nas novas rodadas de distribuição de cotas, o Brasil ainda pode aumentar a sua participação?Relativamente ao tamanho da nossa economia, continuamos sub-representados, embora bem menos. E, se o Brasil continuar crescendo mais do que a economia mundial, essa brecha vai se abrir. Mas o importante na próxima etapa não é só o que o Brasil vai conseguir individualmente, mas o reequilíbrio global do processo decisório. Porque não adianta o Brasil ganhar, a China ganhar e outros países também importantes não terem o seu peso reconhecido. Porque o Brasil só pode ganhar espaço nessas instituições em alianças. Estamos numa fase de transição no mundo, em que as velhas potências do Atlântico Norte estão perdendo expressão inexoravelmente. E a crise de 2008 e 2009 acentuou um processo que já vinha ocorrendo. Então, tem todo um processo doloroso para eles de aceitação de que, no século 21, não terão mais o peso que tinham no século 20, 19. Fatalmente, os países da antiga periferia vão se tornar cada vez mais centrais. Acho que o Brasil é um deles, mas o mais notável é a China, que deve ultrapassar em termos absolutos a economia americana em algum momento futuro.QUEM ÉEconomista, foi professor e pesquisador da FGV em São Paulo. Foi secretário especial de assuntos econômicos do Ministério do Planejamento e assessor para assuntos de dívida externa do Ministério da Fazenda no governo Sarney, entre 1985 e 1987. Chefiou o Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional da FGV do Rio. Foi pesquisador visitante no Instituto de Estudos Avançados da USP entre 1996 e 1998 e entre 2002 e 2004. É diretor executivo do Fundo Monetário Internacional desde 2007.

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