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The Economist: O verdadeiro preço dos escritórios vazios

Pandemia entra no terceiro ano, e destino dos centros financeiros em todo o mundo continua incerto

Por The Economist
Atualização:

As cidades costumam se recuperar das crises. De pandemia e terremotos a inundações e incêndios, as organizações urbanas saíram mais fortes quando se depararam com as adversidades. Após o grande incêndio de Londres destruir a maior parte da cidade em 1666, uma série de normas de segurança contra incêndios foram lançadas. As construtoras trocaram madeira por tijolo ou pedras. As paredes tornaram-se mais grossas. As ruas ficaram mais largas. Quando o cólera se espalhou rapidamente pelos EUA nos anos 1850, Nova York e outras cidades criaram redes de esgoto e parques públicos. Conforme a doença se espalhava por Paris, as autoridades por lá também passaram a adotar medidas radicais de saúde pública. Avenidas cercadas de árvores foram construídas, fontes foram erguidas e cortiços foram extintos.

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As áreas urbanas atualmente enfrentam outro tipo de problema. Como o retorno em massa aos escritórios ainda é incerto, a pandemia suscitou o debate quanto ao futuro das áreas comerciais. As regiões com os principais centros financeiros, como Manhattan, a City de Londres, os bairros de Marunouchi, em Tóquio, e La Défense, em Paris, sofrem as consequências do êxodo dos escritórios. Antes dos lockdowns, os 21 maiores distritos comerciais do mundo abrigavam 4,5 milhões de trabalhadores e cerca de 20% das sedes de empresas da Fortune Global 500, segundo a EY e o Urban Land Institute

Quando a covid-19 esvaziou os escritórios em todo o mundo, a maior parte do trabalho que era realizado neles migrou para as casas. À medida que a pandemia se arrasta para o seu terceiro ano, o destino dos distritos comerciais urbanos permanece incerto. Será que eles vão conseguir continuar atraindo investimentos, ou os novos padrões de trabalho ameaçarão sua importância?

À primeira vista, as coisas poderiam ter sido piores para os proprietários das torres de escritórios. Ao contrário dos setores de varejo e de hospitalidade, a maior parte dos inquilinos de escritórios continuaram pagando aluguel e os analistas voltaram atrás em muitas de suas piores projeções. A locação até mesmo aumentou em cidades como Londres no fim de 2021.

City, em Londres, onde 18% dos escritórios estão vazios Foto: Henry Nicholls/Reuters - 16/2/2022

Mas a realidade está longe de ser cor-de-rosa. O home office impactou a demanda por escritórios, com as taxas de desocupação aumentando mais rapidamente nos bairros comerciais. No mundo todo, os escritórios desocupados representam 12% do total – antes da pandemia, eram 8%. Em Londres, 18% dos escritórios estão vazios. Em Nova York, são quase 16%.

Em vez de reduzir os aluguéis, os proprietários estão oferecendo mais “brindes” do que nunca para reter inquilinos ou atrair novos. Em Manhattan, bônus em dinheiro para inquilinos – normalmente usados para equipar novos escritórios – mais do que dobraram desde 2016. Em todos os EUA, a média do número de meses de aluguel grátis subiu para a maior já registrada desde 2013. Algumas incorporadoras imobiliárias continuam otimistas, apostando que a demanda por escritórios em algum momento voltará ao normal. Mas a cada nova variante da covid-19 os planos para um retorno em massa aos locais de trabalho são adiados novamente.

Centro financeiro e corporativo de Marunouchi, em Tóquio, sofre as consequências do êxodo dos escritórios Foto: Kim Kyung-Hoon/Reuters - 1/6/2021

MUDANÇA. Os mercados financeiros refletem o clima sombrio. Os escritórios, sobretudo nos bairros comerciais, estão perdendo terreno rapidamente para áreas de imóveis com melhor desempenho, como armazéns e edifícios residenciais. Tendo tradicionalmente formado a principal parte das carteiras de imóveis comerciais nos EUA, os escritórios representaram menos de um quinto das transações em 2021.

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Globalmente, os investidores gastaram mais com imóveis residenciais pela primeira vez. O investimento estrangeiro em escritórios também caiu para abaixo da média anterior à pandemia em países como os EUA e a Austrália em 2021. Por outro lado, o investimento estrangeiro em armazéns mais que dobrou nesses mercados.

As avaliações também refletem a incerteza. Os preços dos edifícios nos bairros comerciais foram prejudicados mesmo quando os dos imóveis comerciais aumentaram em outras partes das cidades. No distrito financeiro de São Francisco, por exemplo, os preços dos imóveis caíram quase um quinto desde o fim de 2019, segundo as estimativas mais recentes. Em toda a área metropolitana mais ampla, eles aumentaram mais de 5%. Em Manhattan, caíram cerca de 8% desde o início da pandemia. As cidades asiáticas tiveram um desempenho melhor. Os preços dos escritórios em Seul, por exemplo, aumentaram mais de um terço desde o final de 2019. Em Cingapura, eles subiram mais de 10%.

Distrito financeiro de Nova York; na cidade, proprietários oferecem "brindes" para inquilinos Foto: Lucas Jackson/Reuters - 5/5/2020

A maioria dos investidores adota uma perspectiva de longo prazo, então o capital alocado para escritórios ficará bloqueado por anos. Mas o sentimento do mercado está migrando das cidades com grande concentração de escritórios para as menores com uma mistura maior de edifícios. Uma pesquisa com investidores com ativos sob gestão de mais de US$ 50 bilhões pela CBRE, empresa de consultoria imobiliária, mostrou a preferência em 2021 por mercados como Phoenix e Denver no lugar de NY e Chicago. 

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Os maiores centros financeiros, sem dúvida, continuarão a atrair grandes somas: os escritórios de Londres devem atrair £ 60 bilhões (US$ 81 bilhões) de capital estrangeiro nos próximos anos, segundo a empresa de consultoria imobiliária Knight Frank. Mas os blocos de escritórios desertos nos outrora povoados bairros comerciais continuarão a fazer a situação parecer menos esperançosa.

Os proprietários insistem que as preocupações são exageradas. Apesar de muitos edifícios permanecerem vazios, eles defendem que a demanda pelos melhores espaços continua forte. É verdade que alguns imóveis nobres ainda atraem muitos interessados.

La Défense, em Paris; antes dos lockdownds, 21 maiores distritos comerciais do mundo abrigavam 4,5 milhões de trabalhadores Foto: Gonzalo Fuentes/Reuters - 16/9/2021

Os inquilinos estão trocando cada vez mais prédios de escritórios antigos por locais de trabalho modernos e mais verdes, com melhores sistemas de filtragem de ar e amenidades de maior qualidade. Entretanto, essas propriedades de alto padrão representam 20% ou menos dos edifícios na maioria das cidades. (No entanto, elas correspondem de fato a uma parcela desproporcional da atividade de investimento: em Nova York, apenas nove das 69 vendas de escritórios representaram 80% do valor total investido em 2021.)

O abismo entre os melhores ativos e o resto do mercado aumentará. Reformas talvez rejuvenesçam alguns edifícios. Para muitos, porém, a inflação, a falta de mão de obra e de materiais de construção, além do alto custo de modernização de prédios para atender aos padrões ambientais mais rígidos, tornarão difícil justificar a despesa.

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As consequências para os bairros comerciais podem ser profundas. A partida em massa de profissionais também prejudica cafés, restaurantes e pequenos negócios. Muitos já estavam tendo dificuldades com os transtornos na cadeia de suprimentos, a escassez de mão de obra e as despesas cada vez maiores. Os lockdowns custaram à economia de Sydney cerca de US$ 178 milhões por semana e 40 mil empregos. Em toda a cidade de Nova York, mais de um terço dos pequenos negócios fecharam durante os bloqueios totais; antes da pandemia, o setor representava mais da metade dos empregos do setor privado na cidade.

Canary Wharf, bairro londrino onde várias empresas financeiras têm escritórios, ampliou oferta de bares e restaurantes para atrair jovens Foto: Alexander Ingram/The New York Times - 1/8/2020

CONSEQUÊNCIAS. As finanças municipais também estão vulneráveis. Escritórios inativos significam queda das receitas fiscais para cidades que dependem delas para financiar serviços públicos. Os escritórios vazios também impactam o sistema de transporte. Estima-se que o número reduzido de passageiros cause um rombo de £ 1,5 bilhão nas finanças do setor em Londres até 2024. A Metropolitan Transportation Authority de Nova York, responsável pelo metrô da cidade, prevê um déficit de US$ 1,4 bilhão em 2025, à medida que o auxílio financeiro federal chegar ao fim.

Os bairros comerciais estão adotando medidas de defesa. Uma estratégia comum tem sido torná-los mais agitados, uma tendência que já estava em curso antes da pandemia. Londres está propondo mais “festas culturais durante toda a noite”, ruas sem trânsito nos fins de semana e pelo menos 1.500 novos apartamentos até 2030, enquanto o complexo de edifícios comerciais Canary Wharf adicionou bares, restaurantes e passeios de barcos na área para atrair o público mais jovem. 

A Autoridade de Renovação Urbana de Cingapura reconhece que talvez seja preciso repensar a mistura de edifícios no centro da cidade, além de planejar criar mais ciclovias e ruas exclusivas para pedestres. Nos EUA, os arranha-céus estão abrindo as portas ao público, oferecendo novos mirantes e instalações de arte “instagramáveis”. Sydney fechou algumas ruas no centro da cidade para que as pessoas pudessem fazer refeições ao ar livre. E Paris planeja transformar os estacionamentos de La Défense no trecho final da entrega de produtos. Conforme o mundo do trabalho evolui, os locais de trabalho estão mudando com ele. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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