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Especialista aponta fragilidade de estudos ambientais sobre poços de petróleo em Fernando de Noronha

Segundo estudo de oceanógrafo feito a pedido da organização 350.org, as diretrizes ambientais e exigências feitas pelo Ibama e o ICMBio são 'precárias' e não apresentam com clareza os riscos da exploração

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Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – Os estudos técnicos que embasam a oferta de diversos blocos de exploração de petróleo incluídos no leilão marcado para a próxima quinta-feira, 7, em áreas próximas a Fernando de Noronha e a reserva Atol das Rocas, incluem uma série de fragilidades que podem comprometer o interesse privado. A conclusão é de uma nota técnica elaborada pelo oceanógrafo Fabrício Gandini Caldeira, do Instituto Maramar para a Gestão Responsável dos Ambientes Costeiros e Marinhos.

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No documento, que foi encomendado pela organização 350.org, o especialista aponta uma série de fragilidade nas análises e informações que compuseram a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) realizada nestes blocos.

Reportagem publicada na quinta-feira, 30, pelo Estadão mostrou que, entre as 92 ofertas de blocos que serão oferecidas na 17ª Rodada de licitações, estão blocos que têm impacto direto e sobreposição com algumas das regiões mais importantes do ecossistema de recifes do Brasil. Trata-se da chamada "Cadeia de Fernando de Noronha", região que envolve a sequência de montes submarinos que se conectam no litoral e que formam o arquipélago de Fernando Noronha e a reserva biológica Atol das Rocas, que foram reconhecidos em 2001 como Patrimônio Natural Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura.

O arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas foram reconhecidos em 2001 como Patrimônio Natural Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura. Foto: ICMBio

Segundo a nota técnica da 350.org, “a forma com que o Ibama tem determinado as diretrizes ambientais para o leilão de blocos não tem obedecido parâmetros robustos e nota-se franca precariedade no órgão e diminuição do grau de exigência, ao mesmo tempo que não se avança com normas e atualização de mapas e diagnósticos que possam colaborar para a tomada de decisão”.

O formato de pareceres, tanto do Ibama como do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), afirma a nota, “demonstra a fraqueza e precariedade dos órgãos ao não colocar claramente as áreas que poderiam ser excluídas do trâmite, relegando aos interessados todo o risco do investimento”.

Por meio de nota, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) já declarou que a nova rodada de licitações foi aprovada após manifestação prévia e conjunta dos ministérios de Minas e Energia (MME) e do Meio Ambiente (MMA). Segundo a ANP, “os normativos em vigor a respeito das diretrizes ambientais foram cumpridos integralmente” e ajustes pedidos pelos órgãos vinculados ao MMA foram acatados, além de as informações ambientais “relevantes e disponíveis” terem sido tornadas públicas.

“Não foram identificadas pelos Ministérios envolvidos (MMA e MME) restrições à oferta dos 14 blocos exploratórios na Bacia Potiguar incluídos no Edital da 17ª Rodada de Licitações”, declarou a agência.

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O órgão regulador lembrou, porém, que a aprovação dos blocos para oferta no leilão não significa aprovação tácita para o licenciamento ambiental. “As informações ambientais existentes acerca de determinada área, decerto, serão utilizadas por ocasião do respectivo licenciamento ambiental e não suprem a necessidade de estudos ulteriores, cuja exigência são próprias do licenciamento ambiental específico de determinado bloco ou área geográfica”, afirmou.

De acordo com a agência, por meio do licenciamento ambiental serão oportunamente avaliados, de maneira aprofundada, os potenciais impactos e riscos ambientais da atividade, concluindo-se pela viabilidade, ou não, da exploração de petróleo e gás natural na região”.

Já o Ibama declarou que sua “manifestação enviada à Agência Nacional de Petróleo (ANP) não implica em pré-aprovação ou declaração de viabilidade ambiental das atividades propostas, tendo em vista que outros quesitos precisam ser levados em conta para a concessão da licença”.

Na prática, portanto, o Ibama diz que não garante que a exploração dos blocos seja ambientalmente viável. “Na manifestação, o Ibama não fez objeções ao leilão, mas recomenda atenção a possíveis impactos na pesca da região, nos campos biogênicos e ao acúmulo de atividades concomitantes.”

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O oceanógrafo Fabrício Gandini Caldeira, do Instituto Maramar para a Gestão Responsável dos Ambientes Costeiros e Marinhos, alerta que “fica evidente a necessidade de fortalecimento de instrumentos de planejamento para o Ministério do Meio Ambiente”. Ele alerta ainda que a atual configuração e teor dos pareceres técnicos ambientais não conferem a segurança jurídica necessária.

“Diante do teor dos pareceres para a 17a Rodada, fica evidente que tanto a Bacia Potiguar como a Bacia de Pelotas não poderiam ser ofertadas por não possuir consistência técnica nos respectivos pareceres”, afirma. Há previsão normativa em Portaria Interministerial que trata de diagnóstico socioambiental das bacias sedimentares, avaliação de políticas públicas e identificação de potenciais impactos socioambientais, cujo conjunto de análise visa aumentar a segurança e previsibilidade do processo de licenciamento ambiental.”

O especialista chama a atenção ainda para um inquérito civil e investigação do Ministério Público Federal sobre suposta omissão do governo federal em realizar os estudos previstos, de modo a poupar investimentos que não venha a se concretizar, diante de potencial inviabilidade ambiental dos blocos.

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“Não restam dúvidas que o Brasil demanda de uma análise prévia, que vise atacar a inteligência do processo, ou estaremos sempre colocando o ônus dessa falta de planejamento aos investidores”, afirma Caldeira.

Até o início de setembro, nove empresas tinham se inscrito para participar da 17ª Rodada. Além da Petrobras, a lista inclui 3R PetroleumChevronShellTotal Energies EP, Ecopetrol, Murphy Exploration & Production Company, Karoon Petróleo e Gás e Wintershall Dea.

Uma série de protestos e ações civis públicas movidas por representantes do Ministério Público e organizações ambientais (MPF e ONGs vão à Justiça contra leilão de petróleo em área de Fernando de Noronha e Atol das Rocas) tenta impedir o leilão de petróleo marcado para a próxima semana, o qual inclui a oferta de diversos blocos de petróleo localizados em áreas de extrema sensibilidade ambiental, como os morros submarinos que formam o arquipélago de Fernando Noronha e o Atol das Rocas, no litoral da região Nordeste.

Ao menos quatro ações civis públicas (ACP’s) já foram protocoladas na Justiça, em diferentes Estados, como Pernambuco, Santa Catarina e Rio Grande do Norte, na tentativa de barrar essas ofertas incluídas pela ANP no próximo leilão de exploração marítima.