Especialistas defendem tributação de ‘super-ricos’

Lá fora, grupo de milionários se disse disposto a pagar mais; brasileiros mais ricos não estão no debate

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Por Adriana Fernandes
3 min de leitura

BRASÍLIA - Milionários brasileiros passam ao largo do debate internacional sobre a cobrança de mais impostos do grupo dos mais ricos entre a população em meio à pandemia de coronavírus. O tema ganhou mais espaço em outros países depois que a organização Milionários pela Humanidade divulgou carta pública, assinada por 83 donos de grandes fortunas com o pedido: “me tributem”. A maioria dos signatários é dos Estados Unidos, mas há milionários alemães, britânicos, canadenses e holandeses.

Para o sociólogo brasileiro e professor visitante da Universidade de Princeton, Marcelo Medeiros, o Brasil tributa pouco o patrimônio. “O Brasil tem IPTU (imóvel), ITR (propriedade rural) e IPVA (automóvel), que tributam pouco. Esses tributos precisam ser reformados.” Na sua avaliação, mais importante do que aumentar as alíquotas do Imposto de Renda (IR) para os mais ricos, é mudar também a base tributária e começar a tributar lucros e dividendos (a parcela do lucro distribuída aos acionistas de uma companhia). 

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Para o sociólogo Marcelo Medeiros, o Brasil tributa pouco o patrimônio Foto: João Dalvino/Ipea

O especialista recomenda como solução urgente a compensação tributária, modelo usado no mundo inteiro. Ou seja, o contribuinte paga na pessoa física o que não foi pago pela empresa. “O Brasil precisa fazer isso, o que elimina o discurso meio errado de que tem de reduzir antes a carga da pessoa jurídica para aumentar das pessoas físicas. Não precisa”, avalia. A vantagem, diz ele, é que a compensação pode ser feita com mais calma, eliminando as distorções do sistema brasileiro.

Estudo técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do pesquisador Sérgio Gobetti, aponta que a maioria dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – grupo do qual o Brasil quer fazer parte – reduziu, nos últimos dez anos a tributação do lucro nas empresas e aumentou a tributação dos dividendos distribuídos a acionistas. 

O estudo destaca que a tributação sobre lucros e dividendos foi extinta em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). À época, o governo alegou que se tratava de bitributação, pois as empresas já haviam pago imposto sobre os mesmos resultados.

Envolvida no debate da desigualdade no viés das contas públicas, a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane, explica que a tributação no Brasil é regressiva – penalizando os mais pobres – por três fatores: enquanto o consumo é muito tributado, patrimônio e renda têm alíquotas baixas. Entre as controvérsias estão os impostos sobre heranças, grandes fortunas, helicópteros, jatinhos, iates e distribuição de dividendos a acionistas de empresas de capital aberto. 

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Uma das lideranças do Congresso que tem falado abertamente sobre o enfrentamento da desigualdade, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), avalia que o tema deve estar incluído na reforma tributária. Para ela, o modelo atual penaliza os mais pobres. “A questão talvez não seja aumentar ou ajustar o modelo, mas democratizar.”

Presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira ressalta que a mudança do sistema tributário se tornou mais urgente com a covid-19. A Rede vai encaminhar proposta para que uma parte da arrecadação do IVA (imposto de valor agregado, modelo das três propostas que tramitam no Congresso) para programas sociais. “É possível separar 1%, 2% do IVA para um fundo de cidadania de combate à pobreza para uma renda mínima”, sugere. 

O coordenador do Observatório Fiscal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Manoel Pires, diz que a tendência mundial era de abandono do imposto sobre grandes fortunas, mas o “clima mudou”. “É uma ótima iniciativa, do ponto de vista de crescimento”. 

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