Especialistas e deputados criticam teor de MP que prevê racionamento de energia

MP institui um comitê que pode prever programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica

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Por Anne Warth e Marlla Sabino
4 min de leitura

BRASÍLIA - Especialistas e deputados criticaram o teor da Medida Provisória que abre caminho para a adoção de um racionamento de energia no País, revelada pelo Estadão/Broadcast, e a gestão do governo na pior crise hidrológica que o Brasil viveu nos últimos 91 anos. 

 O ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana afirmou que o governo precisa se organizar para o pior. “As incertezas podem ser reduzida com ações também do lado da demanda, mas ou é uma medida compulsória ou é um simples programa de racionalização, que é voluntário. Não há um programa de ‘racionalização compulsória’, como imagina o governo. É melhor ir direto ao ponto. A sociedade compreenderá melhor”, disse.

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Como mostrou o Estadão/Broadcast, a minuta da MP institui um comitê que pode prever "programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica", além do acionamento de termelétricas, "diante do contexto crítico e excepcional que o País vivencia". 

Economista e sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes, Elena Landau afirma que a MP não deixa claras as atribuições e responsabilidades do comitê. “O texto é vago, a governança é difusa. Um comitê de crise precisa de comando, como foi dado a Pedro Parente no racionamento de 2001”, afirmou.

Crise hídrica e apagão rondamnovamente o País Foto: Tiago Queiroz/Estadão

De acordo com o texto da MP, o comitê será presidido pelo ministro de Minas e Energia, com participação dos ministros da Casa Civil, Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente, Infraestrutura, Advocacia Geral da União, e dirigentes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),ANA, Ibama, ONS, Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e outros membros designados pelo governo.

Para Landau, não há como restringir o uso da água por hidrelétricas e, ao mesmo tempo, atenuar impactos no custo da energia. “Isso não reduz demanda, não tem como”, afirmou. “E ainda vão usar o racionamento para justificar o desvirtuamento das funções do planejamento por meio dos jabutis da MP de privatização da Eletrobrás, como se contratar térmicas para entrarem em operação daqui anos fosse resolver a situação.”

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A MP que prevê o racionamento está sendo preparada às vésperas da votação do texto que permite a privatização da Eletrobrás no Senado. A previsão é que o relator, senador Marcos Rogério (DEM-RO), apresente seu parecer para que o texto sobre a capitalização da estatal seja analisado na terça-feira, 15. Caso seja feita alguma alteração, a matéria terá que ser analisada pela segunda vez na Câmara. O prazo é apertado, já que a medida precisa ser aprovada pelo Congresso até o dia 22 ou perderá a validade.

Relator da MP da Eletrobrás na Câmara, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) disse que a crise é fruto da aposta de governos passados em hidrelétricas. “Só não estamos em situação pior porque o País não cresceu muito nos últimos anos. Vamos passar por esse aperto agora e ano que vem será pior se não chover”, afirmou.

O deputado voltou a defender a contratação de 6 mil megawatts em termelétricas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste – um dos jabutis que estão no texto da proposta de privatização da Eletrobrás. “Esse é o mínimo que vamos precisar”, afirmou. “Tudo isso mostra a necessidade de aprovar a privatização e atrair investimentos da iniciativa privada.”

Na avaliação do presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara, deputado Edio Lopes (PL-RR), o horizonte não é promissor e exige quegoverno tome medidas que incluam acionar todas as fontes alternativas, para poupar os reservatórios, e um trabalho diplomático com a Argentina e Uruguai, que exportam energia para o Brasil. Apesar disso, ele ressalta que os países não têm uma sobra de energia capaz de trazer tranquilidade ao Brasil, o que irá se agravar com a chegada da estação fria, quando aumenta o consumo de energia nos países vizinhos.

Lopes lembra que a situação dos reservatórios da bacia do Paraná pode atingir, até outubro, um nível mais grave do que em 2001, quando o País passou por racionamento. Mas ele afirmou que a situação é diferente, já que a dependência por usinas hidrelétricas na matriz é menor. “Nessa previsão que caminhamos, até o final de outubro, com a disponibilidade de outras fontes de energia que temos, nós não teríamos racionamento, nem sofreríamos apagões. Agora o governo, um governo precavido, tem que tomar duras medidas e já teria que ter tomado, pois a seca não é um mal de 2021. Se pegar o histórico de regime de volume de chuvas no Centro-Oeste e no Sudeste, nos últimos sete anos os Estados estão sofrendo ano ano uma diminuição de chuvas”

O deputado também alerta para outro efeito da crise: o aumento das contas de luz. “Uma coisa já está definida, a energia vai ficar muito cara. Não tem como evitar”. Isso porque, além dos subsídios que os consumidores já carregam nas contas, será necessário acionar bandeiras tarifárias em patamares mais altos.

Conforme mostrou o Estadão/Broadcast, o entendimento no governo é que os valores atuais do sistema não estão suportando a elevação nos custos para compra de energia térmica, necessária para garantir o abastecimento. Para fazer frente aos custos, está em análise a criação de uma nova faixa de bandeira, ainda mais cara.

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O deputado Danilo Forte (PSDB-CE) defende a ampliação da infraestrutura, para incentivar a produção de energia renovável, principalmente eólica e solar, abundantes no Nordeste. “Temos que avançar rapidamente na ampliação da rede de transmissão. Estamos pressionando o ministério de Minas e Energia para que agilize os leilões. Não precisamos de recurso público, é tudo feito com o setor privado”, disse.

O deputado avalia que uma eventual restrição no fornecimento de energia dependerá do aumento da demanda por energia. “Se a gente tiver um crescimento mínimo de demanda, seja proporcionado pelo crescimento econômico, ou o frio, que também aumenta o consumo, isso pode criar uma necessidade de racionamento”, afirma. Eletambém ressalta a preocupação com o encarecimento da energia, com acionamento de bandeira vermelha, que afeta principalmente as famílias mais pobres.

O parlamentar foi um dos autores de requerimentos que pediam realização de audiências públicas para discutir a crise hídrica na Câmara. Na próxima terça, 15, a Comissão de Minas e Energia da Câmara recebe o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, o presidente do Operador Nacional (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, e o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, prestará explicações no dia 23.