BRASÍLIA - Dois anos após ser extinto pelo presidente Jair Bolsonaro, o horário de verão volta à discussão como forma de poupar energia diante da maior crise hídrica que o País enfrenta. Para os especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, o mecanismo pode atenuar um pouco o consumo de energia e aliviar o bolso dos consumidores, que viram o preço da energia explodir. Estimativa aponta que com o adiantar do relógio em uma hora, o consumidor poderia poupar cerca de R$ 500 milhões.
Criado com a finalidade de aproveitar o maior período de luz solar durante a época mais quente do ano, o horário de verão foi instituído no Brasil em 1931 pelo então presidente Getúlio Vargas e adotado em caráter permanente a partir de 2008. Mas, mudanças nos hábitos do consumidor e avanço da tecnologia reduziram a relevância da economia de energia ao longo dos anos. Esse foi o argumento usado pelo governo para extinguir a medida em abril de 2019.
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À época, estudo do Ministério de Minas e Energia (MME) apontou que não havia mais economia de energia tão relevante. Isso porque como o calor é mais intenso no fim da manhã e início da tarde, os picos de consumo aumentam nesse horário durante o verão, o que leva as pessoas a usarem mais o ar condicionado.
Na ocasião, o então presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata, afirmou que pelo motivo de a economia de energia ser pequena, não seria um grande problema extinguir a medida para o setor elétrico. Apesar desse diagnóstico, o ONS não recomendou a extinção do horário de verão, já que a equipe também considerava os ganhos inegáveis para outros setores e para a população. Dois anos depois, e em meio a uma crise hídrica, Barata defende que a mudança nos relógios volte a ser analisada pelo governo.
“Acho que tem que estudar essa alternativa. Tanto o ONS, como o governo, devem considerar uma hipótese plausível. [A economia] era pouca naquela situação, em uma situação como a que estamos vivendo hoje, o pouco pode ser muito. Não acho que deve adotar de pronto, nem descartar de pronto. Tem que analisar”, afirma. “Não é vergonha nenhuma voltar com a medida”.
A redução da economia do horário de verão começou a ser percebida e questionada em 2017, quando foi registrada uma queda de consumo da ordem de 2.185 megawatts, equivalente a cerca de R$ 145 milhões. Em 2013, a economia havia sido de R$ 405 milhões, caindo para R$ 159,5 milhões em 2016, uma queda de 60%.
Bares e restaurantes pedem a volta
Para Cláudio Frischtak, sócio da consultoria financeira Inter.B,a decisão do governo foi "arbitrária", e não considerou o impacto do horário de verão em demais áreas, como no índice de criminalidade e para segmentos da economia que dependem da presença do pública para faturamento, como bares e restaurantes.
O setor estima que a volta do horário de verão pode dobrar o faturamento no período da noite, horário de maior movimentação de clientes por conta do “happy hour”. A estimativa é da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) que, em parceria com outras entidades empresariais, pleiteia a retomada do mecanismo após amargarem prejuízos com as medidas de isolamento devido à pandemia da covid-19.
O pedido foi apresentado no início deste mês, mas o único retorno até o momento é que foi encaminhado para análise dos ministérios do Turismo e de Minas e Energia. O movimento atraiu até mesmo o empresário bolsonarista Luciano Hang, que afirmou que o fato de ganhar uma hora durante o dia “faz com que a roda da fortuna gire mais e influencia positivamente toda a economia.”
“Qualquer economia, do ponto de vista de energia, seria positivo nesse momento, da mesma forma para o nosso setor. Mesmo de portas abertas, ainda temos mais da metade das empresas operando com prejuízos. Fomos um setor muito maltratado pela pandemia”, afirma o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci. Segundo dados da associação, hoje 64% das empresas dizem ter pagamentos em atraso. Entre as principais dívidas estão: impostos, fornecimento de água, luz e gás, aluguel, FGTS dos colaboradores e fornecedores.
'É pouco, mas é economia'
Frischtak afirma que a extinção do horário de verão foi feita em um momento em que o consumo de energia elétrica não era tão crítico como hoje por conta da crise hídrica, que deve se prolongar até os próximos anos."O que se alegou em 2019 era que a redução de consumo era relativamente pequena. Na época, era algo em torno de R$ 140 milhões, e que não valia o desconforto que causaria às pessoas que acordam cedo e vão trabalhar ainda no escuro”, afirma. “Temosuma situação de escassez enorme e vamos ter esse problema neste ano, ano que vem e não sabemos até quando, e o preço da energia aumentou muito. Nossas estimativas é que hoje poderia poupar para o consumidor, por conta do horário de verão, cerca de R$ 500 milhões”, afirma.
O ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e professor de planejamento energético da UFRJ, Maurício Tolmasquim, também defende a volta do horário de verão, mesmo que seja apenas neste ano. “Naquela uma hora a mais de luz do sol está economizando um pouco de energia. É pouco, mas é uma economia.Em condições normais pode se discutir as vantagens e desvantagens de ter essa mudança,mas no momento em que estamos vivendo, que estamos acionando térmicas caríssimas e o governo negociando com a indústria para deslocar o consumo, cada megawatt economizado é importante”, disse.
Apesar da avaliação de especialistas e pleitos de alguns setores, o governo não indica nenhuma possibilidade de retomar a medida. No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro defendeu o fim do horário de verão em conversa com apoiadores. Sem mostrar dados, ele afirmou que “a maioria é contra”. "Horário de verão foi comprovado que não tem ganho financeiro, e a maioria é contra porque mexe no relógio biológico da pessoa", afirmou.
O Ministério de Minas e Energia afirmou, em nota, que a contribuição do horário de verão é “limitada”, tendo em vista a mudança no hábito de consumo de energia da população nos últimos anos, deslocando o maior consumo diário para o período diurno. “No momento não identificamos que a aplicação do horário de verão traga benefícios para redução da demanda”, diz a nota.Sem detalhar possíveis ações, a pasta informouque tem estudado iniciativas “que visam o deslocamento do consumo de energia elétrica dos horários de maior consumo para os de menor, de forma a otimizar o uso dos recursos energéticos disponíveis do Sistema Interligado Nacional”.
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