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Economia e políticas públicas

Opinião|Esquizofrenia

Temer pode estar criando situação em que tudo pode dar muito certo ou muito errado

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Há uma espécie de esquizofrenia entre as áreas econômica e política do governo do presidente Michel Temer. Na economia, a sensação é de que se está fazendo a coisa certa, com uma equipe de alta competência, e de que muito gradativamente a fase de sacrifício dará lugar à colheita de resultados.

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Já na política, a esperteza das raposas velhas que formam o núcleo do poder, positiva em termos da aprovação das reformas, parece estar descambando para a busca da impunidade, à medida que se avolumam os riscos da Lava Jato para muitos dos principais participantes do atual governo.

Começando pela seara econômica, sempre haverá críticos heterodoxos a afirmar que os juros podem cair ainda mais rápido do que a veloz queda que o Banco Central já vem promovendo, ou que é o ajuste fiscal, e não o desajuste, a causa da atual recessão. A terra arrasada produzida pela malfadada nova matriz econômica, entretanto, parece ter criado anticorpos na sociedade contra esse tipo de visão. Assim, a opinião majoritária de quem acompanha e entende a agenda econômica é que, nesse departamento, o governo Temer está acertando bem mais do que errando.

É verdade que o desemprego ainda está muito alto, e vai demorar a cair, mas as notícias no front da atividade e da inflação são mais animadoras. Meio aos trancos e barrancos, a economia parece estar encontrando o caminho de uma lenta retomada, com sinais positivos generalizados nos índices de confiança de janeiro e um bom avanço na produção industrial de dezembro.

Os melhores sinais na economia ficam por conta da inflação, que está surpreendendo sistematicamente para baixo, já levando alguns analistas a prever que o IPCA possa até ficar abaixo da meta de 4,5% este ano.

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Uma excelente notícia vem dos serviços, o grande vilão, em termos de persistência, da elevada inflação dos últimos anos. O núcleo preferido do BC da inflação de serviços (acumulado em 12 meses), que ficou em torno de 9% de 2013 a 2015, caiu para 6,1% em janeiro. Na média trimestral dessazonalizada, o indicador já baixou para 4,6% no mês passado, ante um pico de 11% em maio de 2015. Nem é preciso dizer que esse ótimo comportamento da inflação põe lenha na fogueira do corte dos juros pelo BC, o que, por sua vez, injeta ânimo em empresários, investidores e, com um pouco mais de defasagem, nos consumidores.

Na política, entretanto, a face do governo Temer é bem mais confusa. O presidente parece estar agindo para proteger seu grupo político, não necessariamente no bom sentido, quando toma decisões controversas como garantir o foro privilegiado para Moreira Franco, mencionado na delação da Odebrecht, nomeando-o para a Secretaria-Geral da Presidência (a guerra de liminares sobre a nomeação prossegue). O mesmo se pode dizer da escolha de Alexandre de Moraes, um aliado político, para o Supremo Tribunal Federal, órgão em que poderá vir a julgar atuais membros do governo.

Talvez reconfortado pelos sinais positivos na economia – ainda que estes não se traduzam em popularidade, por causa do desemprego –, Temer sinta-se no direito de ousar mais nas manobras políticas e raciocine que blindar seu grupo político contra a Lava Jato e garantir a coesão de sua base para aprovar as pautas de interesse do governo sejam, no fundo, facetas distintas de uma mesma estratégia.

Se é essa a lógica, Temer pode até estar certo do ponto de vista maquiavélico, mas talvez esteja criando uma situação de risco alto e binário, em que tudo pode dar muito certo ou muito errado. Por um lado, o presidente pode fidelizar os políticos protegidos e contar com uma maciça base de apoio no Congresso para o que der e vier. Por outro, arrisca-se a despertar a ira das ruas, que, associada aos avanços da Lava Jato, pode destruir a blindagem e seu governo junto com ela. Seria prudente ir devagar com o andor.

Opinião por Fernando Dantas
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