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Esse redemoinho trouxe um saci-pererê...

Por Marco Antonio Rocha
Atualização:

A bruxa está solta - dizem os tripulantes de aeronaves quando o tempo se mostra ameaçador. A vantagem deles é que a bruxa, quando se solta, não é por muito tempo. E com a ajuda dos meteorologistas é sempre possível fazer alguma previsão dos seus movimentos e evitá-los. Já para os tripulantes e comandantes das finanças mundiais não é a bruxa que está solta, é o saci-pererê - coisa muito pior, endiabrada e imprevisível. Eles não têm noção realmente do que está acontecendo nem sabem o que fazer, ao contrário dos pilotos, e não dispõem de meteorologistas para assuntos econômico-financeiros, já que eles mesmos deveriam ter previsto o mau tempo, e foram incapazes. Só conseguem pensar na mais inútil das medidas: despejar mais dinheiro no mercado. A entrevista do co-presidente do Goldman Sachs, Gary Cohn, no Estado de sexta-feira, corrobora o que dissemos acima sobre o desnorteado e desconcertante estado de espírito dos homens do colarinho-branco. Esse senhor, que recebeu, no final do ano passado, US$ 68 milhões (sic!) em bônus do banco em que trabalha, como prêmio por seu atilado tirocínio e exímia corporate guidance, confessa candidamente que "todos, inclusive eu, calculamos mal a extensão do problema do crédito". E mais adiante: "... vimos o problema do subprime (...), mas não vimos, assim como ninguém viu, a total evaporação do crédito corporativo (...), vimos grandes empresas e oferecemos crédito a essas grandes empresas, mas por causa do desaparecimento do crédito ninguém quer comprar ativos, ao preço que for." O interessante é que depois dessa confissão de falta de visão e de erros de cálculo, os entrevistadores, Ricardo Grinbaum e Leandro Modé - certamente com boa dose de ironia não confessada -, perguntaram: "E agora, o que o senhor acha que vai acontecer com a economia?" O entrevistado não se constrange em responder que teremos, no ano que vem, "dois trimestres (muito difíceis) para digerir o que aconteceu neste fim de ano" e "começaremos a ver melhoras e entraremos numa seqüência de ciclos de melhoras" (na segunda metade de 2009). Quem quiser, pode acreditar. Seria mais instrutivo saber o que ele fez com os US$ 68 milhões (ele diz que abriu mão dos bônus de 2009... bom homem!). É engraçado rever o que alguns senhores da mesma estirpe, classe social e acurado grau de instrução de Mr. Cohn diziam em seus boletins e informes tempos atrás. O jornal El País deu-se a este trabalho e Clovis Rossi, da Folha de S.Paulo, aproveitou alguns dados na sua coluna de sexta-feira: há um ano, 15 corretoras espanholas palpitavam que a Bolsa de Madri estaria, neste mês de dezembro, em 17,3 mil pontos - está em 9 mil pontos. Um grupo de famosas corretoras internacionais davam, no último mês de junho, conselhos sobre ações de empresas - só 13% dos seus conselhos eram para vender ações. O FMI previa que a economia americana cresceria 3% em 2008 - a última estimativa é de 1,4% e, provavelmente, os dados retificados darão muito menos. Infelizmente, não estamos com tempo suficiente, antes da entrega deste artigo, para pesquisar o que os gurus brasileiros diziam há seis meses ou há um ano. Basta lembrar que o governo brasileiro vaticinava crescimento de 5% do nosso PIB no ano que vem. Se conseguirmos 2% já será lucro, mas não se inquietem, este prognóstico é tão fútil e pode ser tão equivocado quanto os acima mencionados. O fundamental, a nosso ver, é tentarmos captar alguns possíveis ensinamentos, ancorados na crença de que se aprende com crises, desde que elas não matem os aprendizes! Um desses ensinamentos é que as sondagens de expectativas deveriam ser abandonadas. A razão é que são viciosas, no sentido de que se auto-alimentam. Quando os negócios marcham favoravelmente, elas se tornam também favoráveis e positivas. E, quanto melhor e mais estimulante é a marcha dos negócios, mais otimistas e positivas são as expectativas. O bêbado ao volante de uma Ferrari alimenta uma expectativa extremamente favorável sobre a capacidade do carro de obedecer ao comando do seu pé no acelerador, não é mesmo? Outro ensinamento é que não existem gurus desinteressados. Nem desinteressados, nem isentos. Todos os palpiteiros que você lê ou ouve têm o rabo preso, seja num interesse financeiro, material mesmo, como acionista, empregado ou consultor de algum grande grupo ou empresa, seja num propósito político ou ideológico; é o caso dos palpiteiros que se consideram puros do ponto de vista ético. De qualquer forma, são interessados. Um terceiro, é que esta dinheirama que está sendo despejada pelos governos no pântano da incerteza não evitará que empresas fechem, empregos desapareçam, patrimônios juntados ao longo da vida se esfumacem, pois o que falta não é dinheiro nem crédito. O que falta é confiança: investidores não investem, bancos não emprestam, consumidores não se endividam, a economia empaca. Mas a crise de confiança tem um efeito mais perverso do que a própria crise financeira e pouco mencionado: ela rouba o futuro das pessoas. Contribuição importante trazida pelo capitalismo moderno foi a dos mecanismos para assegurar o futuro. Planos de aposentadoria, seguros contra desemprego, planos educacionais, poupança para casa própria, planos de saúde, fundos de previdência, fundos de ações - uma parafernália de meios, inexistentes no mundo antigo, permitem que boa parcela da humanidade, infelizmente ainda a menor parcela, exorcize o sobressalto quanto ao futuro que sempre a atormentou e possa planejar com critério a vida familiar. A crise é uma ameaça ominosa à paz de espírito de milhões de chefes de famílias no mundo inteiro e entreabre a porta de um mundo indesejável: o do salve-se quem puder! *Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha@grupoestado.com.br

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