Estados ganham em 87% das vezes em que entram no STF contra a União, mostra estudo

Levantamento feito pela advogada da União Andrea Dantas Echeverría, que analisou mais de 2,7 mil Ações Cíveis Originárias, mostra que Corte flexibilizou punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal

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Por Idiana Tomazelli e Rafael Moraes Moura
4 min de leitura

BRASÍLIA - Os governos estaduais ganharam 87,2% das disputas contra a União envolvendo questões fiscais no Supremo Tribunal Federal (STF), aponta levantamento feito pela advogada da União Andrea Dantas Echeverría. Os dados mostram que a Corte não só distribuiu recursos federais para os Estados, mas também deu combustível para o estouro da crise ao flexibilizar uma série de punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nos últimos anos. 

As ações movidas pelos Estados – e nas quais eles foram atendidos – envolvem repartição de recursos, renegociação de dívidas, pedido de suspensão de bloqueios em contas por inadimplência em empréstimos e, sobretudo, a “negativação” de governadores nos cadastros de inadimplência do governo federal. A inscrição nesse cadastro ocorre quando os governos estaduais deixam de prestar contas na forma exigida pela LRF, e uma das consequências é a suspensão de transferências voluntárias (como recursos do governo federal para determinadas obras).

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O trabalho faz parte da tese de doutorado de Andrea, defendida em maio deste ano. A autora analisou mais de 2,7 mil Ações Cíveis Originárias (ACOs) para identificar quais tiveram a situação de conflito federativo reconhecida pelo STF e que foram julgadas pelos ministros da Corte. Das 251 ações julgadas que envolviam temática fiscal, 250 foram movidas pelos Estados, e eles foram vitoriosos em 218. Nas outras 33, a União saiu vencedora. 

Governadores eleitos em 2018 participando de fórum em Brasília Foto: José Cruz/Agência Brasil

O estudo engloba ações movidas desde a Constituição de 1988 até o fim de 2017. De 2018 para cá, os Estados acionaram o STF mais algumas vezes para pedir a suspensão de bloqueios em suas contas devido à falta de pagamento de empréstimos ou para manter o direito a condições mais favoráveis de pagamento da dívida com a União, apesar do descumprimento de pré-requisitos. Segundo Andrea, a tendência de favorecimento aos Estados nos julgamentos se manteve.

“A grande questão aqui é a demonstração de que várias das punições previstas na LRF, que eram para controlar o equilíbrio fiscal dos Estados, não foram implementadas por conta do STF. O STF flexibilizou tanto a LRF que alguns artigos não têm eficácia nenhuma”, afirma a advogada.

A sanção da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000 provocou um salto nas ações movidas pelos Estados contra a União. O objetivo, na maior parte das vezes, é fugir das punições previstas pela lei em caso de descumprimento das regras que buscam assegurar o equilíbrio financeiro.

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Nesta quarta-feira, ministros do STF analisam uma série de dispositivos da LRF contestados judicialmente. Um dos temas é a possibilidade de Estados e municípios endividados reduzirem a jornada de trabalho e cortarem salário de servidores. Outro é a possibilidade de o Poder Executivo segurar repasses aos demais Poderes quando há frustração de receitas e necessidade de bloquear despesas, segundo apurou o Estado. Neste último, o relator, ministro Alexandre de Moras, deve se posicionar contra, como antecipou o Estado

A judicialização das questões fiscais tem preocupado a equipe econômica. Além de agravar a situação fiscal dos governos estaduais ao retardar as medidas de ajuste, também serve de estímulo para que mais governadores procurem a Justiça com o objetivo de conseguir alívio financeiro.

Para o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, a judicialização das questões fiscais é preocupante. “A Lei de Responsabilidade Fiscal é um marco das contas pública, mas precisamos de mais do que isso. Precisamos ter o espírito da responsabilidade fiscal espalhado nas instituições e na sociedade em geral. Não dá para dar um passo na direção da austeridade e dez passos na direção do expansionismo”, diz.

Segundo ele, a situação fiscal dos Estados é ainda mais grave do que na União, mas é preciso também assegurar o cumprimento de regras fiscais. “Não adianta a Justiça querer garantir tudo no papel, mas fechar os olhos para a dura realidade das contas estaduais e municipais”, afirma.

Antes mesmo de conseguir ingressar em 2017 no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa de socorro da União a Estados em péssimas condições financeiras, o Rio conseguiu liminar do STF para suspender o pagamento de suas dívidas com a União. A decisão também protegia o governo fluminense de bloqueios em suas contas por calotes a bancos em operações que tinham o Tesouro Nacional como fiador.

Diante do êxito da estratégia, a receita foi mais tarde copiada pelo Rio Grande do Sul, que até hoje não conseguiu aderir ao programa, mas se beneficia de decisão semelhante que permite o não pagamento de uma parcela mensal superior a R$ 200 milhões.

Minas Gerais, outro que enfrenta graves dificuldades e deve pedir ingresso no Regime de Recuperação Fiscal, também está sob proteção de uma liminar que garante ao Estado um valor menor da prestação mensal da dívida com o governo federal.

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Liminares 

No estudo, a autora analisou separadamente as ações que envolviam a inscrição de Estados no cadastro de inadimplência do governo federal. Mais da metade dos pedidos de liminar para suspender a “negativação” do ente foi atendida em menos de 10 dias. Ao todo, 80% das cautelares foram concedidas em até 30 dias.

Para Andrea, a postura do STF desincentiva o ajuste fiscal. Ela defende que o Supremo repense a responsabilidade dos Estados e passe a considerar em suas decisões não só o direito fundamental alegado pelos governadores, mas também o equilíbrio fiscal. Para a advogada, de nada adianta fazer reformas e estabelecer novas regras de funcionamento e financiamento do Estado se o Supremo continuar a ter uma postura leniente com os governos regionais.

Na visão dela, o STF está transformando o Orçamento brasileiro na "tragédia dos comuns", com todos disputando pelos seus interesses particulares em detrimento da sustentabilidade das finanças para todos.

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