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Indexar o crédito imobiliário à TR também tem risco, diz presidente da Caixa

Banco anunciou modalidade de financiamento atrelado ao IPCA, o índice oficial de inflação; para ele, medida vai impulsionar o setor

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Por Aline Bronzati (Broadcast)
Atualização:

Um dos projetos mais ambiciosos da Caixa Econômica Federal para expandir o crédito imobiliário sofreu um bombardeio de críticas de diversas frentes, ao ser lançado esta semana. O banco federal anunciou que quem pega dinheiro emprestado para comprar a casa própria pode agora escolher entre dois indicadores para corrigir seu empréstimo: a já praticada Taxa Referencial (TR) e o índice de inflação IPCA

O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, durante o anúncio das novas linhas de crédito corrigidas pelo IPCA. Foto: Alan Santos/PR

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Com a queda na inflação, num primeiro momento a nova alternativa seria mais atraente. Porém, disseram especialistas, num empréstimo de 20 anos, o aumento na dívida representaria um risco considerável. Para Pedro Guimarães, presidente da Caixa, a situação é outra: a TR representa um grande risco para o sistema de crédito brasileiro. Isso porque, enquanto os bancos emprestam usando o dinheiro da poupança, cujos recursos podem ser sacados a qualquer momento, os empréstimos imobiliários têm prazo de até 30 anos. Esse descasamento, diz, é um risco que “ninguém quer falar”. A seguir, alguns trechos da entrevista exclusiva dada para o Estadão/Broadcast.

Usar o IPCA para corrigir o crédito imobiliário não é mais arriscado que a TR?

As pessoas ainda não entenderam qual o risco da TR. Emprestamos no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) com recurso da poupança, que tem liquidez diária, e fazemos empréstimo imobiliário de 20, 25 anos, com duração de 12 a 15 anos. O risco é do sistema e ninguém quer falar. Há um risco gigante de o governo mudar a remuneração da poupança.

Se o IPCA é para incluir mais gente no sistema, não era mais fácil reduzir os juros da modalidade atual?

Ter o IPCA é importante para desenvolver o mercado de securitização (sistema que transforma dívidas em títulos negociáveis no mercado de capitais) no médio prazo. Nosso objetivo é reduzir risco e fomentar o mercado de capitais porque as fintechs e as plataformas de investimento não vão conseguir ter o nosso volume. A Caixa pode vender seus créditos no mercado e eles vendem para os clientes deles. Cria-se então um mercado secundário fundamental porque senão fica um domínio de três, quatro, cinco bancos. Esse mercado é a única maneira de desenvolver o crédito imobiliário no País.

Já não existe securitização?

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Está engatinhando. Ninguém compra Letras de Crédito Imobiliário (LCI) de 10, 15 anos. A LCI com liquidez tem prazo de 1 a 2 anos no máximo. Também não se usa TR. É por isso que não há nem 10% de securitização da carteira. É muito pouco. Nos Estados Unidos, é 100%.

Mas o IPCA não aumenta o risco do subprime, que deu origem à crise imobiliária nos EUA?

Faltam 30 anos de securitização no Brasil para termos qualquer risco assim.

E o risco de a inflação subir no longo prazo e aumentar a dívida do mutuário?

É um erro assumirmos que a inflação vai subir e a TR ficar constante. Isso não existe. Tanto que em 1995, 1996 e 1997 a TR foi maior que o IPCA. 

Mas, nos últimos anos, a TR ficou abaixo da média do IPCA...

Ficou, mas, por isso, nossas taxas são TR mais 8,5% a 9,75% ao ano e IPCA mais 2,95% a 4,95%. Ou seja, temos mais de 5,5 pontos porcentuais de diferença (para dar segurança ao mutuário). A inflação, na média, dificilmente vai ficar a 5,75%, se o Brasil der certo.

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E se o Brasil não der certo?

Você acha que esse será o único problema? Imagina o tamanho da inadimplência em todas as carteiras? Aí entra o ganho de receita inflacionária porque todo o ativo vai render mais que o passivo como era na década de 90. Agora, claramente, não estamos imaginando inflação de 10%, 15% consistente. Tanto que nos últimos 20 anos, tivemos um ano ou dois de inflação de 10%.

Então, tem risco?

Tem risco. Por isso, que estamos fazendo com calma. Mas assumir que a TR não tem risco não existe. 

O público da Caixa tem educação financeira para entender a diferença entre TR e IPCA?

As pessoas não entenderam muito porque o risco é uma inflação maior nos primeiros 5, 6 anos. Em dez anos, a pessoa já pagou a maior parte do principal. E reduzimos o prazo de financiamento na TR de 35 anos para 30 anos, que passa a valer apenas para a tabela SAC (prestações mais altas no início e menores no final) e 20 anos na Price (prestações iguais). Outra coisa fundamental, com TR, permitimos que até 30% da renda seja utilizada. No IPCA, é só 20%. Significa que tem mais espaço para um eventual soluço. Além disso, os clientes pagarão muito menos nos primeiros cinco, seis anos e vão poder gerar poupança com o que economizaram.

A baixa renda vai conseguir fazer isso? 

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O financiamento imobiliário com IPCA é sim para pessoas de menor renda. Se você olhar a simulação de R$ 150 mil, R$ 200 mil, entramos no Minha Casa Minha Vida. É uma discussão importante a ser feita porque temos taxas no IPCA menores que as do Minha Casa Minha Vida.

O risco da Caixa aumenta com o IPCA?

Vamos fazer 1% de impacto no nosso risco. Se eu perder 100% (dos empréstimos com IPCA) não é nada, mas fizemos matematicamente calculado. A Caixa é, de fato, o banco da matemática. Estamos testando novos produtos. Com o IPCA, poderemos reduzir nossa carteira via securitização e teremos recursos independentes em relação à poupança, que passará a não ser mais tão relevante para o crédito. Isso é fundamental. No médio prazo, os bancos não podem depender da poupança.

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