PUBLICIDADE

Estatais criam alternativa às PPPs

Enquanto a lei das PPPs não sai do papel, empresas públicas e privadas se aliam para investir em conjunto

Por Fabiola Salvador , Fernando Nakagawa , Leonardo Goy e BRASÍLIA
Atualização:

Pode-se dizer que a lei brasileira das Parcerias Público-Privadas (PPPs), pelo menos no que diz respeito à parte federal, nunca saiu do papel. Mas há, sim, um jogo estratégico de PPP em curso: a aliança cada vez mais freqüente entre empresas estatais e empresas privadas nacionais e estrangeiras. A chave da explicação, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, evidencia dois fatos: o governo não usa mais suas empresas para promover um estatismo como o dos anos 70, e tanto as estatais - recaídas fisiológicas à parte - como as empresas privadas são geridas hoje com muito mais transparência. "É uma espécie de PPP na prática", como define o ex-presidente da Eletrobrás José Pinguelli Rosa, hoje diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da UFRJ. Pinguelli lembra que a primeira "PPP na prática" aconteceu no caso da Usina Hidrelétrica de Peixe Angical, em Tocantins. Liderado pela portuguesa EDP, o projeto estava parado no início do governo Lula, e foi retomado com a entrada de Furnas na sociedade. A holding Eletrobrás, que foi "turbinada" por uma lei sancionada em abril, que lhe deu poder para investir no exterior e ser majoritária em consórcios com a iniciativa privada, vem fechando seguidas parcerias com companhias privadas. Considerando-se apenas a construção de usinas hidrelétricas que estão previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as empresas do grupo Eletrobrás já estão investindo, em aliança com sócios privados, cerca de R$ 23 bilhões. Esse volume de investimentos inclui as duas usinas do Rio Madeira, Santo Antônio e Jirau. Nos dois casos, aliás, a parceria com as estatais foi tão cobiçada que, para aplacar uma pesada briga de bastidores, o governo teve de garantir que cada competidor tivesse uma empresa pública em seu consórcio. As empresas públicas estão entrando como sócias para atrair o capital privado. E as empresas privadas avaliam que ser sócio do governo é melhor do que ser protegido por um fundo garantidor de uma PPP normal, que sempre pode ficar sem dinheiro ou ser questionado por algum político de nacionalismo exacerbado. TRANSPARÊNCIA Para o professor da PUC-SP e economista-chefe da Siemens, Antonio Corrêa de Lacerda, o governo vem se movimentando para recuperar a capacidade de investimento do País. Para isso, está usando o poder do próprio Estado. Mas ele não vê no movimento uma tendência à estatização. "O governo tem o programa das PPPs e tem trabalhado com concessões à iniciativa privada, como no caso das rodovias", disse, referindo-se aos sete trechos de estradas federais que foram leiloados no ano passado. Para Lacerda, desde que as empresas estatais ajam com transparência, a atuação delas em áreas estratégicas, como na de energia, não é um problema. "A maior parte dos países bem-sucedidos mantém algumas empresas sob controle do Estado. É o caso do Chile, por exemplo, que mantém o cobre, um ativo estratégico, sob a mão do Estado", diz Lacerda. O ex-secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia Afonso Henriques, porém, vê com preocupação a atuação das estatais do sistema Eletrobrás. "O temor que existe no mercado é de que as estatais podem estar trabalhando com taxas de retorno mais baixas do que o normal para puxar as tarifas para baixo. Isso pode ser lesivo aos cofres públicos." Apesar desse temor, gigantes privados têm feito parcerias com gigantes estatais, como a Petrobrás. A estatal de petróleo foi às compras, mas com aliados privados, para se tornar também grande no setor petroquímico. Em consórcio com Braskem e Ultra, a Petrobrás adquiriu em março de 2007 o grupo Ipiranga. Meses depois, em agosto, a estatal anunciou a aquisição da Suzano Petroquímica, por R$ 2,7 bilhões. Considerando todos os projetos da Petrobrás contidos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os investimentos somam R$ 171,7 bilhões, dos quais R$ 22,9 bilhões serão executados por parceiros privados. Na área de transportes, a Valec, estatal que atua no setor ferroviário ganhou poderes adicionais com uma medida provisória que transferiu para a empresa as concessões de três novas linhas ferroviárias, que somarão, quando construídas, 3.750 quilômetros de extensão. É possível que essas obras sejam viabilizadas a partir do mesmo modelo de subconcessão adotado na Ferrovia Norte-Sul. A Valec faria um leilão para conceder os trechos a empresas privadas e usaria o dinheiro arrecadado nas licitações para construir as ferrovias. AGROPECUÁRIA Já no caso da agropecuária, o apoio financeiro de R$ 914 milhões dado às pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e por órgãos estaduais mostra qual é o foco do governo. "Se o Brasil pretende elevar sua produção de grãos para garantir o abastecimento interno e gerar excedentes para exportação, o primeiro passo é investir na pesquisa agropecuária", disse o assessor da presidência da Embrapa, Luiz Gomes de Souza. A maior parte desse bolo - R$ 650 milhões - ficará com a Embrapa, estatal ligada ao Ministério da Agricultura. O restante só será repassado aos Estados mediante contrapartida. No Banco do Brasil, o reforço começou no ano passado, quando o Palácio do Planalto deu o aval - com ajustes na legislação - para que a instituição pública pudesse incorporar outros bancos, também estatais. A primeira investida foi no Banco do Estado de Santa Catarina. A compra, de R$ 250 milhões, foi anunciada no ano passado. Em seguida, começaram as conversas com o Banco do Piauí e o de Brasília. Agora, o foco é tentar avançar na compra da Nossa Caixa, de São Paulo, para que o Banco do Brasil deixe de ser a quarta maior instituição financeira na mais importante praça do País para tentar disputar a liderança no mercado paulista. O economista Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, avalia que a experiência das privatizações já demonstrou que a gestão privada é "mais eficiente, mais transparente e benéfica para o País". Lembrou que "a empresa pública sofre com problemas como o aparelhamento político". Giannetti, porém, vê como positivos os movimentos da Petrobrás: "Acho que é razoável quando o capital privado se une ao público. O problema está em estatais puras, como os Correios e a Infraero. Se a Infraero fosse privada, o País não teria passado pelo apagão aéreo", disse Giannetti.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.