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Estudo em vermelho e preto

O mercado global de arte está em alta, mas é traiçoeiro

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Por Redação
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O martelo que ressoa nos salões da casa de leilões Christie's, em Londres, pode até estar vendendo arte moderna, mas a maioria dos potenciais compradores parece bastante antiquada: abundam os paletós de tweed e os conjuntinhos surrados de blusa e cardigã. Não importa: quando chega a vez das principais atrações do dia, o dinheiro de verdade escorre pela internet ou por telefones operados por moças elegantes, com batom reluzente nos lábios e óculos de armação grossa. Um quadro que pertencia a Noël Coward provoca uma guerra de lances pelo telefone. Contava-se que a obra saísse por não mais que US$ 30 mil, mas acaba sendo vendida por US$ 375 mil. Painéis espalhados pelo salão convertem os valores para rublos e dólares de Hong Kong. "Venho só para acompanhar o espetáculo", diz um homem de meia-idade. "Os preços são coisa de doido!" O mercado global de arte está em alta. No ano passado, os negócios atingiram o recorde de 51 bilhões (US$ 68 bilhões), quase o dobro do total registrado em 2009 e pouco acima do recorde anterior, de 48 bilhões, atingido em 2007, segundo dados da European Fine Art Foundation. No mês passado, um comprador anônimo pagou US$ 300 milhões pelo quadro Nafea Faa Ipoipo (expressão taitiana que significa "Quando você vai se casar?"), de Paul Gauguin - o preço mais alto já pago por uma obra de arte. Dias depois, outro recorde foi batido, quando um americano pagou US$ 45 milhões por uma pintura de Gerhard Richter - valor máximo alcançado pela obra de um artista europeu vivo. Em média, as obras de arte contemporânea e do período do pós-guerra registraram alta de 19% no ano passado. Os valores que trocam de mãos são tão astronômicos que fizeram surgir uma nova categoria profissional: consultores que selecionam obras para os clientes não com base em critérios estéticos, mas de acordo com seu potencial de lucro. Philip Hoffman, que administra fundos criados com recursos de famílias ricas que desejam investir em arte, diz que o mercado passa por uma mudança nítida: o atrativo das obras de arte está cada vez menos no prazer que proporcionam do que em seu valor como investimento.

Quadro Nafea Faa Ipoipo, de Paul Gauguin, foi vendido por US$ 300 milhões Foto: Reprodução

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Segundo a consultoria Deloitte, a elevação dos preços nos últimos anos atraiu muitos especuladores: atualmente, quase 75% dos negócios com obras de arte têm, ao menos em parte, a função de investimento. Há não mais de dois anos, esse porcentual era de 50%.

A primeira vez que os investidores institucionais entraram no mercado de arte foi na década de 70, quando tentavam se proteger da inflação: o fundo de previdência da British Rail, por exemplo, aplicou US$ 60 milhões de seu patrimônio. (Mesmo que os retornos não tenham sido ruins, o fundo se desfez do último item de sua coleção em 2003.) A arte também é descrita como interessante opção de diversificação, ainda que, assim como ocorreu com diversos outros ativos supostamente "não correlacionados", não tenha se comportado como tal durante a crise financeira de 2007 e 2008. Outra característica atraente é o fato de que as obras de arte são ativos tangíveis - atributo que ganhou popularidade depois da crise, quando por trás de uma profusão de instrumentos financeiros abstratos e incompreensíveis descobriu-se haver dívidas gigantescas.

Diferentemente de outros ativos reais, como terras e imóveis, as obras de arte também são bens transportáveis - característica muito conveniente para compradores que não pretendem informar o fisco sobre elas. Além disso, são uma forma de investimento relativamente discreta: ao longo de 2014, a Christie's intermediou vendas particulares no valor de US$ 916 milhões. Em 2009, esse valor tinha sido de apenas US$ 216 milhões.

Apesar de tudo isso, investir em arte é um negócio arriscado. Os preços são voláteis e o mercado é idiossincrático - não há dois quadros intercambiáveis. "Especialmente no topo, os valores dependem das paixões e caprichos de um pequeno grupo de colecionadores", diz Orlando Rock, da Christie's. Os gêneros mais populares e as obras mais caras distorcem o desempenho geral do mercado.

No ano passado, 0,5% das transações foi responsável por quase metade do valor gerado pela venda de obras de arte em leilões. De acordo com o instituto de pesquisas e consultoria Art Economics, as peças que custam mais de US$ 220 mil têm se valorizado cinco vezes mais do que as obras de menor preço. E, embora a arte contemporânea tenha tido um ano excepcional, no mercado dos velhos mestres os preços estão estagnados e a arte decorativa chinesa vem se desvalorizando.

Custos.

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Além disso, os custos de transferência, que às vezes chegam a 4%, fazem das obras de arte um ativo de transação dispendiosa. Quem compra por razões estéticas tende a obter retornos melhores do que quem compra apenas visando o lucro, diz Philip Hook, da Sotheby's, outra casa de leilões. "As pessoas compram objetos de arte quando estão confiantes em relação a suas perspectivas de enriquecimento", diz a economista especializada no mercado de arte Clare McAndrew. Em sua opinião, a atual alta do mercado se explica pelo clima mais otimista da economia como um todo, agora que a crise começa a ficar para trás. Da próxima vez que as coisas desandarem, os investidores menos afortunados pelo menos terão algo de belo para admirar.

©2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS THE ECONOMIST, TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O ARTIGO ORIGINAL, EM INGLÊS, PODE SER ENCONTRADO EM WWW.THEECONOMIST.COM

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