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Eu quero, mas você não pode!

Por Suely Caldas
Atualização:

O protecionismo comercial é como a prática de não pagar ao Fisco: todo mundo condena o dos outros, não o seu. Reunidas no Fórum Econômico Mundial de Davos, as 44 nações mais importantes do mundo o reprovaram, os organismos multilaterais divulgaram manifesto aconselhando os países a resistirem a ele, e aqui e ali governos reclamam de outros governos. Mas nada disso tem impedido a expansão de práticas protecionistas nesta crise econômica. É tentador recorrer às maravilhas da proteção à indústria local por meio de regras aplicadas a qualquer momento e que dificultam ou até impedem a concorrência com produtos importados. O efeito de preservar a atividade produtiva e os empregos é rápido e - mesmo que por breve tempo - os governos são aplaudidos por grupos corporativos da sociedade. Mas será que compensam os efeitos colaterais do remédio? Em artigo publicado na quinta-feira no Valor Econômico, a economista Eliana Cardoso adverte que na crise de 1929 o protecionismo agravou a depressão econômica, "que desembocou em ideologias extremistas, aumento do nacionalismo e guerra". Mas defender empregos e produção local não seria um direito legítimo dos países? Que se sobrepõe a regras de liberdade comercial, sobretudo em momentos de crise? Em que esse direito pode agravar a recessão mundial? Por que os organismos multilaterais se preocupam tanto com o tema? Imagine, leitor, se todos os países, simultaneamente, fechassem suas fronteiras a produtos importados. Se o automóvel brasileiro não entrasse na Argentina e o trigo argentino fosse barrado no Brasil. Se meio bilhão de trabalhadores chineses cruzasse os braços porque não há compradores para os produtos que fabricam. Se europeus e norte-americanos vissem a inflação disparar por não mais usufruírem produtos baratos fabricados na China, na Índia, no Paquistão e no Brasil. O que resultaria deste mundo, além de guerra comercial, retaliações, desordem econômica e generalizada recessão global? No plano político, sem dúvida é um campo fértil para proliferarem ideologias extremas e autoritárias, do tipo nacional-socialismo hitleriano. Obviamente, essa seria uma situação-limite que, felizmente, o mundo hoje não permite prosperar. Mas o limite serve como exercício para imaginar o que a falta de liberdade comercial pode produzir a médio e a longo prazos, analisando não a partir do estreito ponto de vista de um único país, mas do conjunto do planeta e, aí sim, seu inevitável efeito sobre cada país isoladamente. Por isto cada um quer proteção para si, mas condena a do outro: sabe ser inevitável sofrer danos graves por um movimento global. Mal-acostumados com o privilegiado tripé (subsídio de crédito, renúncia fiscal e proteção tarifária) que os tornou felizes e sem concorrentes nos anos 70/80, certos industriais e líderes sindicais têm defendido medidas protecionistas em resposta à crise. Desculpa: se outros países impõem barreiras a produtos brasileiros, por que o Brasil não faz o mesmo? Desde a quebra do Lehman Brothers, em setembro, nossos produtos têm enfrentado problemas na Rússia, na Índia, no Equador, na Argentina e na Venezuela. Nos EUA é pior: depois do tombo de 64% nas vendas em 2008, o aço brasileiro está ameaçado de não ser usado em projetos financiados pelo bilionário pacote de Barack Obama. Até agora o governo Lula tem evitado tratar da questão elevando tarifas de importação seletivas por produto. Sabe que se entreabrir a porteira a boiada vem inteira. Seria um lastimável retrocesso no já tão lento caminho da abertura econômica que se tem mostrado eficaz em outros países. Além disso, a acusação de protecionista desmoraliza a liderança do Brasil pela conclusão de acordos de liberdade comercial da Rodada Doha. Por isso Lula mandou desfazer a burra restrição burocrática da licença prévia de importação para alguns escolhidos setores industriais. Inconformado, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, voltou a pedir a tal licença prévia para os mesmos eleitos. Felizmente, tudo indica que não conseguirá. Ainda há empresários que pensam e agem como se estivessem nos anos 70, quando eram protegidos por uma economia fechada e a população era obrigada a comprar produtos caros e obsoletos porque não tinha acesso a similares importados. Não conseguem enxergar que a exportação do que produzem depende da liberdade de importar. E se a produção industrial desabou 12,4% em dezembro, em decorrência da crise, pode despencar muito mais por falta de insumos importados. *Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)

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