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EUA e China iniciam guerra comercial, assustam mercados e derrubam bolsas

Governo americano anunciou sobretaxa de 25% sobre importações da China equivalentes a US$ 50 bi, e governo chinês prometeu barreiras na mesma proporção

Por Cláudia Trevisan e correspondente
Atualização:

WASHINGTON - O governo Donald Trump desferiu na sexta-feira o ataque inicial da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, ao anunciar a imposição de tarifas sobre importações da China no valor de US$ 50 bilhões. Horas depois, o governo chinês anunciou uma retaliação na mesma proporção, apesar da ameaça do presidente dos EUA de impor barreiras adicionais caso isso ocorresse.

Governo americano argumentou que estas tarifas são essenciais para prevenir transferências de tecnologia americana e propriedade intelectual Foto: Evan Vucci/AP

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O risco de uma escalada protecionista derrubou Bolsas de Valores em todo o mundo, em razão de seu potencial impacto negativo sobre o crescimento da economia e do comércio globais. O conflito com a China é o mais novo front de uma ofensiva que já opõe os EUA a seus mais próximos aliados, em razão de tarifas sobre aço e alumínio. E o conflito terá em breve mais um capítulo: o governo Trump deve anunciar dentro de duas semanas restrições a investimentos chineses no setor de tecnologia dos EUA.

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Trump afirmou que as tarifas anunciadas na sexta-feira serão de 25%, impostas principalmente sobre bens que utilizam tecnologias “significativas” do ponto de vista industrial ou relacionadas ao Made in China 2025 – a política industrial que impulsiona o desenvolvimento de tecnologias que, aos olhos chineses, serão centrais para a economia do futuro, entre os quais robótica, tecnologia da informação, carros elétricos e equipamentos aeroespaciais. Celulares, TVs e outros bens de consumo foram excluídos por Trump.

Os EUA acusam a China de usar subsídios e empresas estatais para estimular esses setores e de exigir transferência de tecnologia de empresas americanas que buscam acessar o seu mercado consumidor. “Os Estados Unidos não podem mais tolerar perder nossa tecnologia e propriedade intelectual por meio de práticas econômicas desleais”, afirmou Trump na nota em que anunciou a medida, na qual acusa a China de “roubo”.

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As tarifas serão aplicadas em duas etapas. A primeira atingirá importações de US$ 34 bilhões e entrarão em vigor no dia 6 de julho. Ainda não está definido quando a barreira sobre os restantes US$ 16 bilhões será adotada. A China vai retaliar nos mesmos valores e datas, com barreiras a centenas de produtos, entre os quais soja e automóveis.

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A economista Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics, disse que as tarifas sobre aço e alumínio já provocaram elevação de preços, movimento que deve se acentuar depois do anúncio de sexta. Se houver pressão inflacionária, ela deverá acelerar o ritmo de elevação de juros nos EUA, com impactos negativos sobre o Brasil. Marcos Jank, presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil, teme que o confronto acabe em um acordo prejudicial às exportações do agronegócio brasileiro para a China.

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Impacto. Empresas americanas e o governo da China se uniram nas críticas à decisão de Donald Trump de impor tarifas sobre a importação de US$ 50 bilhões em produtos do país asiático. Mas a medida deve agradar à base do presidente, a cinco meses da eleição crucial que definirá o controle do Congresso e o futuro de seu governo.

“No presente momento, lançar uma guerra comercial não é do interesse do mundo”, disse nota divulgada pelo Ministério do Comércio da China. “Nós conclamamos todos os países a atuarem em conjunto para frear com firmeza esse movimento ultrapassado e retrógrado.”

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+++ Não há vencedores em guerras comerciais

Presidente da principal entidade empresarial americana – a Câmara de Comércio dos Estados Unidos –, Thomas Donohue divulgou declaração contrária à medida. “A imposição de tarifas coloca o custo das práticas comerciais desleais da China diretamente sobre os ombros dos consumidores, fabricantes, fazendeiros e rancheiros americanos. Essa não é a abordagem correta.”

Arthur Kroeber, da consultoria Gavekal, disse ver chance “zero” de Pequim modificar as políticas industriais previstas no programa Made in China 2025 em razão das tarifas de Trump. Segundo ele, setores importantes de ambos os lados serão prejudicados, mas as economias como um todo não sofrerão tanto. 

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Como exporta mais para o mercado americano do que importa, a China tem mais a perder em um primeiro momento, observou Kroeber. Mas a continuidade da guerra comercial deve afetar a imagem dos EUA e reduzir no longo prazo a sua credibilidade internacional. 

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Em sua avaliação, as restrições a investimentos no setor de tecnologia que deverão ser impostas por Trump dentro de duas semanais serão mais prejudiciais para a China do que as tarifas. “Investimentos chineses no setor de tecnologia nos EUA, na Europa e no Japão são um dos elementos da estratégia de Pequim para avançar no setor tecnológico”, observou Kroeber.

Estratégia. Monica de Bolle, do Peterson Economic Institute, também não vê possibilidade de a guerra comercial forçar a China a mudar sua política industrial. Em sua opinião, o que o governo Trump chama de “roubo” de tecnologia é uma estratégia legítima de desenvolvimento adotada por um país emergente. “A China exige que certas empresas americanas que queiram entrar em seu mercado façam parcerias com empresas locais e transfiram tecnologia. A empresa tem a escolha de entrar ou não.”

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Trump usou a necessidade de proteger o setor tecnológico dos EUA como justificativa da medida protecionista anunciada. “Nós temos o poder de grandes cérebros no Vale do Silício, e a China e outros roubam esses segredos e nós vamos proteger esses segredos. Eles são as joias da coroa deste país”, declarou o presidente em entrevista à rede Fox News.

Mas representantes desse setor supostamente beneficiado também criticaram a imposição de barreiras às importações. “Tarifas são a resposta errada às práticas comerciais discriminatórias e prejudiciais da China. Ao impor sanções sobre bens de consumo e componentes essenciais desses bens, o presidente vai tirar dinheiro do bolso dos americanos de maneira desnecessária, prejudicando as pessoas que ele espera ajudar, não punindo a China”, declarou Dean Garfield, presidente do Information Techology Industry Council, que reúne grandes empresas do setor, entre as quais Amazon, Apple e Google.

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Com uma cadeia de produção que se estende dos Estados Unidos à China e abrange outros países asiáticos, a Apple foi uma das empresas que se manifestaram de maneira mais aberta contra as tarifas no período anterior ao anúncio de Trump. O presidente da companhia, Tim Cook, se reuniu com o presidente na Casa Branca em abril, e disse ter levantado a questão do protecionismo. “Eu falei sobre o comércio e a importância do comércio e como eu acredito que dois países realizando comércio entre eles tornam a torta maior”, disse Cook no mês seguinte em entrevista à Bloomberg Television. “Eu senti que tarifas não eram a abordagem certa. Eu mostrei a ele (Trump) algumas coisas analíticas que demonstravam o por quê.”

A julgar pela decisão, Cook não foi convincente o bastante. No fim, Trump foi fiel à sua retórica de campanha e à sua promessa de confrontar a China quando chegasse à Casa Branca.

Brasil. O Brasil não tem a ganhar com a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e corre o risco de pagar parte da conta caso as duas maiores economias do mundo cheguem a um acordo para ampliar as exportações americanas para o país asiático, avaliou Marcos Jank, presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil, entidade criada no ano passado para promover a imagem do agronegócio brasileiro na Ásia.

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Jank acredita que Washington e Pequim estão medindo forças com o anúncio de tarifas e de retaliações. Em sua opinião, os dois lados acabarão chegando a um entendimento, que envolverá o aumento das compras chinesas de produtos agroindustriais dos EUA, em detrimento de competidores diretos, como o Brasil.

O movimento nessa direção já começou a ocorrer, ressaltou, com a imposição de medidas antidumping pela China contra a importação de frango brasileiro, na semana passada. O produto nacional havia conquistado espaço no país asiático depois da suspensão de embarques de frango dos EUA, em 2010, e da adoção de medidas antidumping em 2015, lembrou Jank. Segundo ele, ao impor a barreira ao Brasil, a China abre espaço para ampliar as compras de frango dos EUA. “A estratégia de Trump é apertar para forçar uma negociação. O meu temor é o que pode sair dessa negociação”, disse Jank em entrevista da Austrália por telefone.

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O executivo lembrou que o Brasil é o principal concorrente dos EUA em vários segmentos do agronegócio, entre os quais mencionou soja, carne bovina, frango e suco de laranja. “Se houver um grande acerto, isso terá impacto em vários setores, mas para o agronegócio brasileiro ele pode ser muito ruim”, observou Jank, que vive em Cingapura. “O Brasil é o terceiro maior exportador agrícola do mundo e é um forte concorrente dos Estados Unidos.”

A tentativa de aplacar Trump com possíveis concessões no setor vai além da China, disse Jank. Em abril, o Japão flexibilizou exigências de emissões de combustível à base de etanol, o que beneficiou os produtores americanos em detrimento dos brasileiros.

O cenário de uma prolongada guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo também será ruim para o Brasil, já que reduziria o ritmo global de crescimento da economia e do comércio, avaliou. “Quando os elefantes brigam, quem apanha é a grama. Nós somos a grama nessa história.”

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