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EUA pagam o preço do declínio de seu poder

Por CHRYSTIA FREELAND
Atualização:

Política econômica deixou de ser apenas uma preocupação interna. Isso é o que devemos concluir depois da instabilidade do mercado essa semana, incluindo a mudança da Standard & Poor em relação aos EUA, que deu com uma perspectiva negativa devido à elevada divida pública, e a reunião do FMI e do Banco Mundial. Isso é um fato comum para os países menores. As nações emergentes há muito tempo já entenderam que julgamentos realizados em Wall Street ou na sede do FMI em Washington muitas vezes têm mais poder para moldar a sua política econômica do que as propostas dos seus próprios ministros de finanças e diretores do banco central. Mais recentemente, países fiscalmente mais fracos como Grécia, Irlanda e Portugal aprenderam essa lição, também. Agora, quando o poder relativo dos EUA na economia global está caindo, essa é uma realidade com a qual os norte-americanos têm que aprender a conviver. Esse é um dos recados importantes que a decisão da S&P do começo dessa semana mandou, ao colocar os EUA sob uma perspectiva negativa. Isso é basicamente um aviso que a agência de classificação não tem mais a certeza que os EUA vão manter a sua classificação "AAA". Há uma série de razões para que o alerta do S&P seja encarado com cautela. Primeiro porque as agências de classificação não acertaram seus prognósticos no período que antecedeu a crise financeira e, certamente, não merecem status de oráculo hoje em dia, se é que alguma vez mereceram. Por outro lado, o alerta da S&P não foi uma novidade. Com um déficit orçamentário de 10 por cento no ano passado, e com a dívida interna de 91,6 por cento do PIB, era óbvio há algum tempo que as finanças públicas dos EUA estavam um caos. Não precisava ser um gênio para concluir isso. A divida e o déficit se tornaram uma questão importante. Vide o crescimento do movimento Tea Party --um movimento social e político conservador de ultradireita--, que tem dominado os debates políticos em Washington nos últimos seis meses. Mas há uma boa razão para que a perspectiva negativa da S&P tenha atraído tantas manchetes. Ela foi um lembrete de que a política econômica dos EUA não se prendia apenas aos debates em Washington ou a o que acontece nas convenções partidárias de Iowa. A política econômica dos EUA precisa se reunir com os mercados globais e com os credores estrangeiros também. Isso é uma velha história para todos os outros países do mundo. Mas os EUA estavam acostumados a ser a economia dominante no mundo e a ser o dono da máquina de impressão das suas reservas. As duas coisas ainda são verdadeiras, mas menos do que antes. Além disso, pelo seu tamanho, a dívida colossal dos EUA significa que eles já estão dependendo da confiança dos compradores estrangeiros dos títulos do Tesouro Americano, incluindo governos que administram gigantescos superávits, como a China. Isso quer dizer que as decisões econômicas nacionais, como gastos do governo ou a taxa de tributação, não são mais exclusivamente questões nacionais. Nos orgulhosos dias do chamado Consenso de Washington, após o colapso do muro de Berlim e do triunfo do capitalismo ocidental, experts americanos e legisladores se acostumaram a emitir decretos de Washington sobre como os mercados emergentes deviam administrar suas economias. O inverso ainda não é verdade, mas a ação da S&P é um sinal de que os EUA precisam começar a pensar sobre como sua política econômica vai refletir em Pequim e Dubai, assim como em Washington e New Hampshire. Não é apenas a divida e o déficit que estão fazendo com que a política econômica seja econômica seja uma preocupação internacional. Como as reuniões do FMI e do Banco Mundial revelaram, uma das consequências da globalização foi de dar mais força internacional às decisões econômicas internas. Essa não é uma noção completamente nova para os EUA. As queixas dos EUA sobre a política cambial da China e sua estratégia de crescimento devido às exportações, são um claro exemplo da convicção pública que a estratégia econômica interna de um país, é uma questão importante e legítima para debates internacionais. Agora o resto do mundo está começando a tomar a mesma posição que os EUA. Na semana passada, em Washignton, o ministro de finanças do Brasil, Guido Mantega, reclamou que a política do Federal Reserve projetada para ajudar os EUA a se recuperar da sua pior crise financeira desde a Grande Depressão começou a ter consequências inesperadas e malignas em outras partes do mundo. Baixas taxas de juros em países como os EUA, alertou Guido Mantega, "foram o gatilho primário de muitos dos problemas econômicos atuais." "Coações políticas internas tem sido muito facilmente aplicadas por países emissores de reservas monetárias, como um motivo para adotar medidas monetárias ultra expansivas," ele disse numa declaração ao comitê de políticas do FMI. "Mas isso não muda o fato de que essas políticas geram excedentes que dificultaram a vida de outros países." Mantega não é o único a se preocupar. Durante uma mesa redonda em Bretton Woods, na qual foi o moderador há algumas semanas, Andrés Velasco, ex-ministro das finanças do Chile alertou: "Então, se você é o Brasil hoje ou se é um dos muitos países do resto do mundo, você olha pela janela e vê um tremendo tsunami de riqueza vindo na sua direção. E isso, que poderia ter sido bem vindo em outros tempos, eu e muitos habitantes desses países vemos como uma visão realmente aterradora. Por quê? Porque esse tsunami dificultará a sua política, a sua vida, caso você seja ministro, muito desagradável e os seus macro vantagens e desvantagens realmente muito afiados". Quando pensamos sobre as questões espinhosas da política externa, pensamos primeiro sobre a tumultuada intervenção na Líbia ou na guerra agonizante no Afeganistão. Mas o verdadeiro desafio de administrar as relações entre os países é o problema apontado por Velasco, Mantega e a S&P: administrar o mundo em que a minha política econômica doméstica é o seu tsunami econômico internacional.

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