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EUA seriam os maiores prejudicados em acordo de livre-comércio entre Brasil e China

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, afirma que acordo de livre-comércio pode isolar ainda mais os Estados Unidos

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Por Guilherme Guerra
Atualização:

O Brasil pode se tornar o “celeiro do mundo” e isolar comercialmente os Estados Unidos caso seja estabelecido um acordo de livre-comércio com a China, avaliou o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. 

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Para ele, os EUA já sentem o aumento da competitividade brasileira no agronegócio e forçam a China a comprar commodities americanas. Além disso, o acordo entre Mercosul e União Europeia reforça o isolamento de Washington no comércio internacional.

O estabelecimento de uma área de livre-comércio entre Brasil e China foi considerado na quarta-feira 13 pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A fala aconteceu durante evento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), também conhecido como o “Banco dos Brics”, promovido em Brasília em ocasião da 11.ª Cúpula do Brics. Mais detalhes não foram dados.

Em encontro bilateral com a China, Paulo Guedes confirmou a negociação de um acordo comercial com o país da Ásia Foto: Gabriela Biló/Estadão

A China é a maior parceira na balança comercial brasileira. Dentre diversas commodities, Pequim importa a soja brasileira para ser utilizada como ração suína, enquanto o País compra manufaturados chineses. Em 2018, balança foi superavitária em US$ 29 bilhões.

O presidente da AEB, no entanto, observa que o Brasil não tem condições para fazer um acordo até que melhore a sua competitividade, reduzindo burocracia e simplificando impostos. Os manufaturados nacionais, muito caros e pouco eficientes, seriam substituídos por produtos chineses, prejudicando a indústria nacional, ainda que o agronegócio seja beneficiado com aumento nas exportações.

Leia a entrevista a seguir:

O que significaria um acordo de livre-comércio entre China e Brasil?

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O anúncio é bem-vindo, temos que estar inseridos no mundo. Mas isso envolve muito detalhamento. Hoje, o Brasil não tem condições de fazer um acordo com a China. Nossos custos são muito altos, existe o famoso custo-Brasil, que faz com que os custos de comércio exterior sejam 30% acima do mercado. Ao contrário da China, que, com subsídio e eficiência, tem um custo e preços baixos. Se a União Europeia e Estados Unidos não têm (condições de negociar com a China), muito menos o Brasil. (Pode haver acordo) Em um futuro, após as reformas brasileiras e a redução do custo-Brasil. Se abrir simplesmente um acordo comercial, vai tornar mais barato importar (manufaturados).

José Augustode Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) Foto: Wilton Junior/Estadão

E o que precisa mudar internamente?

Primeiro, reforma tributária. Segundo, uma reforma previdenciária, já aprovada, mas precisa entrar em vigor para tomar efeito. Terceiro, investimento em infraestrutura, construção e outras áreas em que estamos atrasados há muitos anos. Nosso custo de logística é muito elevado. Quarto, reduzir a burocracia através do portal único de Comércio Exterior. Quinto, implementar o acordo de classificação de comércio. Todas essas medidas são necessárias e a discussão cria expectativas positivas para o futuro. Com as medidas, 2021 pode ser considerado o ano da virada no Comércio Exterior brasileiro.

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O atual governo tem condições de efetuar essas medidas?

A reforma da Previdência foi aprovada e ninguém imaginava. A reforma tributária é difícil porque envolve Estados, municípios e governo federal, mas a gente espera que ocorra pelo menos uma simplificação. O acordo de classificação de comércio começou a ser implementado em 2018. O Portal Único está previsto para terminar em 2021, o que vai reduzir fortemente a burocracia. Sobre investimento em infraestrutura, foram anunciadas algumas concessões e privatizações. Essas medidas vão aumentar a produtividade. A reforma administrativa anunciada nesta semana foi um passo gigantesco nesse sentido. Isso leva um tempo, mas ao menos hoje a gente tem uma expectativa de que algo pode acontecer.

Os EUA sabem que o problema é o Brasil

Um eventual acordo beneficia o agronegócio e pode aumentar as nossas exportações, não?

Sim. Mas a China está numa guerra comercial com os Estados Unidos. Os EUA, sabendo da competitividade do Brasil no agronegócio, exigem que a China compre em torno de 30 bilhões de dólares em produtos do agronegócio americano. Os EUA sabem que o problema é o Brasil, concorrente de mercado em soja, milho, açúcar, suco de laranja, carne. Mas temos um custo maior e, se reduzirmos ainda mais o nosso custo de logística, tornamos o produto mais competitivo. Nosso problema são os produtos manufaturados. Até os anos 2000, 60% do que exportávamos eram manufaturados. Hoje, caiu muito, são 36%. E o que gera empregos qualificados são os manufaturados.

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Se as conversas sobre um acordo forem para frente, quando entraria em vigor?

Existe um período de transição de, no mínimo, cinco anos, sendo que produtos considerados mais sensíveis podem demorar dez anos. A indústria brasileira não está preparada para nenhuma abertura de mercado hoje. Ela precisa de tempo para se adequar. E precisam ser aprovadas reformas estruturais. Se melhorar a nossa logística interna, passaremos a ter um grande provedor do mundo. E aí podemos dizer efetivamente que o Brasil é o celeiro do mundo.

E como fica o Mercosul?

O Brasil faz parte da união aduaneira. Como união, não pode negociar sozinho. Talvez a conversa seja mais uma intenção, mas demorou 20 anos para um acordo com a União Europeia (anunciado em junho de 2019, agora em processo de aprovação pelos países europeus e sul-americanos). Não significa que demoraria 20 anos com a China, mas não é tão simples. O Brasil tem que ter uma boa relação com a China, o maior comprador mundial de commodities, exatamente o mesmo produto vendido por nós.

Essa aproximação pode enciumar os Estados Unidos?

Pode. Mas a gente não sabe exatamente o que está sendo discutido (no acordo). Os EUA sabem que, se o Brasil não se mexer, ele vai ocupar espaço do Brasil. Eles estão abertamente procurando fazer comércio e excluir o Brasil da concorrência. O acordo entre Mercosul e União Europeia atingiu em cheio os Estados Unidos porque deu uma reserva de mercado para o Mercosul na União Europeia. Foi por essa razão que os EUA passaram a falar em obrigar a China a comprar entre 30 e 50 bilhões do agronegócio.

Então os EUA seriam os maiores prejudicados por esse acordo?

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Com certeza. Um acordo Brasil e China vai fazer com que a China primeiro compre do Brasil. Se precisar de algo mais, ela compra dos Estados Unidos. Hoje os EUA estão ficando isolados comercialmente. Com o acordo Mercosul-UE já houve isolamento. Os EUA não estão buscando acordo com a China, estão fazendo pressão para terem o que querem. Não é espontâneo. Temos que estar atentos porque tem gente querendo ocupar o nosso espaço.

O Brasil deveria se aproximar mais dos outros países do Brics?

Neste momento, a gente tem limitações, mas, no futuro, não teremos. Se o que está sendo feito hoje for efetivo, vamos ter outro modo de ver o mundo comercial. Hoje só pensamos em commodities porque em manufaturados não temos preços competitivos. Mas o Brasil não é um país caro, está caro. E aí pode voltar a ser um país competitivo, como foi no passado, na época do milagre econômico. Em 1980, o Brasil exportava mais que a China, Coréia, México, Índia. Hoje, todos exportam mais que nós. Paramos no tempo.

E o que faltou?

Faltou fazer o dever de casa, as reformas institucionais que estamos deixando de fazer. Hoje temos US$ 400 bilhões em reservas, é um país altamente confiável e sólido. Mas nossos problemas são internos, como dívida e déficit gigantescos. O câmbio está altamente favorável à exportação, mas isso não tem mais impacto (como antigamente). O produto precisa ser competitivo.