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EUA vivem pior situação econômica em dez anos. O que vem a seguir?

PIB americano teve contração de 4,8% no primeiro trimestre, mas as coisas ainda devem piorar muito

Por Ben Casselman
Atualização:

A pandemia do coronavírus interrompeu oficialmente o período de crescimento econômico dos Estados Unidos nos primeiros três meses do ano. A pergunta agora é qual será a dimensão do estrago — e quanto tempo levará até que o país se recupere.

O gasto do consumidor, alicerce dos dez anos de expansão econômica que se encerraram, teve queda de 7,6%. Foto: Seth Herald/AFP

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O produto interno bruto (PIB) dos EUA, a medida mais geral dos bens e serviços produzidos pela economia, teve queda anualizada de 4,8% no primeiro trimestre, de acordo com dados do Departamento do Comércio divulgados nesta quarta-feira, 29. É o primeiro declínio desde 2014 e a maior contração trimestral desde 2008, quando o país estava em uma recessão profunda.

As coisas ainda vão piorar muito. As demissões em massa e o fechamento de empresas não foram sentidas até o fim de março na maior parte do país. Os economistas esperam que os números do trimestre atual, que deve retratar mais claramente o impacto da paralisação, mostrem uma contração anual de pelo menos 30% do PIB, algo que não se vê desde a Grande Depressão.

“Serão os piores números que veremos em nossas vidas", disse Dan North, economista-chefe da empresa de seguro de crédito Euler Hermes North America, a respeito dos dados econômicos do segundo trimestre. 

A pergunta mais importante diz respeito ao que virá a seguir. O secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, disse esta semana esperar que a economia “comece uma verdadeira recuperação” em meados do ano, conforme os Estados suspenderem as ordens de quarentena e trilhões de dólares em gastos emergenciais do governo cheguem às empresas e lares.

A maioria dos economistas independentes se mostra muito menos otimismo. O gabinete Orçamentário do Congresso divulgou na semana passada projeções indicando que a economia deve voltar a crescer novamente na segunda metade do ano, mas o PIB não voltará ao patamar anterior à pandemia antes de 2022, na melhor das hipóteses.

As estimativas divulgadas na quarta-feira são preliminares e têm como base dados incompletos, particularmente para o mês de março. A velocidade da guinada econômica significa que as revisões podem ser substanciais, e alguns economistas esperam que os números finais, definidos no fim do semestre, apontem para um declínio ainda maior.

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Mas, mesmo incompletos, os dados já mostram o tamanho do estrago. O gasto do consumidor, alicerce dos dez anos de expansão econômica que se encerraram, teve queda de 7,6%. O investimento das empresas, que já passava por dificuldades, em parte por causa da guerra comercial, teve queda pelo quarto trimestre seguido. Tanto importações quanto exportações tiveram queda brusca, conforme a pandemia paralisou o comércio global.

A pandemia atingiu em especial o setor de serviços: os restaurantes estão fechados, os voos estão quase vazios e os estádios estão às moscas há semanas. Os gastos com serviços tiveram queda de 10,2% no primeiro trimestre, e os gastos com restaurantes e hotéis tiveram queda anual de quase 30% no período. Os consumidores gastaram menos até com saúde, adiando consultas e cancelando procedimentos eletivos.

A queda nos gastos com bens foi menor, de 1,3%, ajudada pelo surto de compras nos mercados conforme os americanos encheram a despensa para a paralisação. Mas os gastos com carros tiveram queda de 33,2%.

Esse padrão pode prejudicar a recuperação. Os consumidores que adiaram a compra de certos bens, principalmente aqueles de maior duração, como carros e eletrodomésticos da linha branca, podem simplesmente deixar esses gastos para outro momento. Mas um efeito semelhante nos serviços é menos provável — não importa quantas idas ao cabeleireiro a pessoa tenha de pular durante a quarentena: basta uma visita ao salão para recuperar o corte normal.

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Quando o novo coronavírus começou a se disseminar pelos EUA este ano, muitos economistas disseram esperar uma recuperação “em forma de V”, com um declínio acentuado seguido por uma recuperação proporcionalmente vigorosa. Mas essas projeções tiveram como base uma breve pausa na atividade econômica, que poderia ser revertida rapidamente. Conforme a quarentena chega ao segundo mês — e com a probabilidade de esse problema durar ainda semanas ou meses em muitos Estados — essa esperança se perdeu.

A cada mês de contas em aberto e vendas baixíssimas um maior número de empresas terá de pedir recuperação judicial ou desistir de reabrir. Mais trabalhadores se afastarão dos empregadores, transformando demissões temporárias em desemprego permanente. Mais empréstimos cairão na inadimplência, colocando em risco os bancos e o sistema financeiro como um todo.

“Quanto mais durar a paralisação, mais difícil será retomar a atividade", disse Tara Sinclair, economista da Universidade George Washington.

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Essas consequências levaram o presidente Donald Trump e outras autoridades eleitas — em especial os governadores republicanos de Estados relativamente pouco atingidos pelos casos do coronavírus — a pressionarem pela reabertura da economia o mais rápido possível. Vários Estados já iniciaram o processo, e outros, entre eles Texas e Flórida, devem começar a reabertura no fim do mês.

Mas economistas e epidemiologistas dizem que avançar rápido demais pode ser uma ameaça à saúde pública e ao crescimento econômico. Os EUA estão realizando muito menos testes do que o considerado necessário pelas autoridades de saúde para a detecção de novos surtos. Enquanto isso não ocorrer, uma recuperação econômica robusta não será possível, de acordo com Karen Dynan, economista de Harvard que trabalhou no Tesouro americano durante o governo Obama.

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“Mesmo se suspendêssemos as restrições amanhã, a economia só vai se recuperar quando as pessoas tiverem a sensação de que é seguro sair de casa", disse ela. Como resultado, “medidas que normalmente consideraríamos como objeto da saúde pública são, nesse caso, um componente importante da resposta econômica".

Nader Masadeh, diretor executivo da Buffalo Wings & Rings, rede de restaurantes com sede em Ohio, lembra de quando percebeu que o coronavírus afetaria seus negócios: foi no dia 12 de março. Foi nessa data que o governador Mike DeWine anunciou a proibição às aglomerações de pessoas no Estado, e a Associação Atlética Universitária Nacional (NCAA) anunciou o cancelamento do torneio anual de basquete masculino que trazia muito movimento para as lojas de Masadeh. “Foi quando percebi que a coisa era séria", disse ele.

Masadeh logo formou duas equipes. A tarefa da primeira era garantir que a empresa sobrevivesse à paralisação, cortando custos onde fosse possível — renegociando aluguéis e cancelando a contratação de serviços como faxina e música — e buscando formas de gerar receita com pedidos para viagem e retirada na loja.

“O impacto dessa situação é desconhecido, de modo que preservar o caixa se torna nossa grande prioridade", disse Masadeh.

A segunda equipe se concentrou na reabertura: como a empresa poderia deixar os clientes à vontade quando os restaurantes retomarem a atividade? Cardápios de plástico estão sendo substituídos por versões descartáveis em papel. Os funcionários passarão a usar máscaras e luvas. Haverá mais distância entre as mesas. O padrão de limpeza, já excelente, será aprimorado ainda mais.

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Masadeh está ansioso pela reabertura. Mas também está nervoso. Conseguiu adiar as contas durante a paralisação, mas, quando esta chegar ao fim, fornecedores e credores esperam voltar a receber. Recontratar e treinar funcionários será um processo caro. E ele não sabe quanto tempo vai levar até que os clientes voltem.

“O maior medo que tenho na cabeça é pensar em uma reabertura que leve a um novo aumento no número de infectados, obrigando todos a reconhecer que cometeram um erro”, disse ele. “Não podemos arcar com o custo de uma segunda paralisação. Só temos uma chance de acertar na reabertura e, se a perdermos ou a desperdiçarmos, então o inevitável vai acontecer.”

Mesmo as empresas que suportaram a crise relativamente bem estão lidando mal com a incerteza.

A Elliott Equipment, fabricante de plataformas aéreas e guindastes móveis de Omaha, Nebraska, é uma empresa considerada essencial, e manteve a linha de produção em atividade. Recentemente, a empresa foi transferida para uma instalação maior, facilitando o distanciamento social. E seus clientes — que incluem empresas de eletricidade e outros serviços, como telecomunicações, além de governos municipais e estaduais — continuam usando os equipamentos e encomendando peças sobressalentes.

Mas, com os escritórios de clientes em potencial fechados aos visitantes, houve uma queda acentuada nos pedidos, disse Jim Glazer, diretor executivo da empresa. “A demanda entrou em pausa", disse ele.

A Elliott demitiu alguns funcionários no início da crise, e provavelmente teria de cortar mais posições se não tivesse recebido um empréstimo via Paycheck Protection Program (programa de proteção salarial), criado pelo congresso como parte do pacote de auxílio emergencial. A empresa foi fundada em 1948, e Glazer disse não ter medo de falir. Mas não sabe o que esperar nos próximos meses.

“É difícil planejar o futuro, pois não temos uma alavanca de liga e desliga", disse ele. “Pode demorar algum tempo até as coisas voltarem ao normal — possivelmente só em 2022.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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