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Europa enfrenta o dilema da moeda forte

Valorização do euro prejudica exportações e provoca debate na UE

Por Andrei Netto
Atualização:

Como o Brasil, 16 países da União Europeia também voltaram a viver em 2009 o dilema da moeda supervalorizada. Em meio à crise, o euro vem ganhando valor ante o dólar, prejudicando o comércio exterior no momento em que o bloco vive a pior crise depois da 2ª Guerra. Para uma corrente de analistas, contudo, defender a moeda fraca é desculpa de quem não investe em competitividade, pesquisa e desenvolvimento de produtos. Em 22 de maio, pela primeira vez no ano, o euro superou a barreira psicológica de US$ 1,40, em função da nova fase de desvalorização da divisa americana. Portanto, a força da moeda única não é sua exclusividade. O real, o iene japonês e até a libra, surrada pela crise do Reino Unido, também vivem um momento de apreciação. O que surpreende os analistas de câmbio, porém, é uma contradição: enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) da Europa caiu 4,6% entre abril de 2008 e março de 2009, o dos Estados Unidos recuou menos (2,6%), e todas as previsões indicam que a retomada da curva de crescimento será mais acelerada nos EUA e na Ásia. No entanto, é o euro a moeda mais apreciada entre as grandes divisas internacionais no momento. A explicação para o fenômeno tem menos a ver com o desempenho do bloco que com a prudência que tomou conta dos mercados em relação ao dólar e ao desequilíbrio das contas em Washington. A ortodoxia do Banco Central Europeu (BCE) destoa das políticas empregadas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e pelo Bank of England (BoE), que levam à desvalorização. A autoridade monetária europeia prefere aumentar ao máximo a liquidez do sistema bancário para as operações de refinanciamento. Já americanos e ingleses optaram por políticas monetárias agressivas, reduzindo os juros a zero logo após a falência do banco Lehman Brothers, em setembro. Se num primeiro momento o dólar acabou valorizado pela segurança representada pelos títulos do governo dos Estados Unidos em meio à turbulência, agora os juros baixos e o déficit elevado das contas públicas contam contra as notas verdes. "O dólar cumpriu a função de valor de refúgio à medida que a recessão ganhava os continentes, e os países emergentes em particular", explica Éric Vergaud, analista de câmbio do banco BNP Paribas. "Mas esse fenômeno está se revertendo com o retorno dos fluxos de capitais. Daí a desvalorização do dólar." Para Antoine Brunet, economista e diretor da consultoria AB Marché, de Paris, o questionamento por parte da China - e do Brasil - sobre o dólar como moeda de referência também surte efeitos sobre o câmbio. "As declarações reiteradas dos dirigentes de Pequim ameaçando não financiar os déficits americanos enfraquecem o dólar", disse ao jornal Le Figaro. O efeito da supervalorização do euro já se faz sentir sobre a economia dos 16 países. Houve queda do preço dos produtos importados, mas também aumento para a exportação - justo num momento de recessão industrial e de desemprego. Na Alemanha, cuja economia depende das vendas externas, o baque foi mais sentido. Entre abril de 2008 e março de 2009, em função da crise e agora, do câmbio, as exportações caíram 17,2%, derrubando o PIB em 6,7%. Irlanda, Espanha, Portugal e Grécia, países mais afetados pela crise imobiliária e financeira, tiveram a competitividade industrial comprometida. Outro impacto indireto estaria ocorrendo sobre os preços. Na sexta-feira, o Escritório Estatístico das Comunidades Europeias (Eurostat) confirmou que a inflação nos últimos 12 meses foi zero - um novo indício da estagnação que reforça as críticas contra o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, para quem a preocupação em antecipar os riscos inflacionários já é uma prioridade, mesmo em meio à crise. Mas as críticas ao euro forte e ao BCE não são unânimes por parte dos analistas. Cedric Thellier, do banco Natixis, é dos que entendem que a moeda valorizada cria mais efeitos positivos. "Na conjuntura atual, uma moeda forte é uma arma para combater os temores de mercado relativos à inflação e ao déficit público." Para ele, é simplista acreditar que só a desvalorização do câmbio já impulsionaria as exportações. Na sua avaliação, faltam novos e pesados investimentos em competitividade, mesmo em gigantes como a França e a Itália. "Não podemos crer apenas no euro para impulsionar as exportações, mas sim na força da competitividade, da pesquisa e do desenvolvimento de produtos."

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