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Europa enfrenta 'tempestade perfeita' com aumento de preços do gás natural, diz pesquisador

Para o economista Aldren Vernersbach, da UFRJ, o aumento do custo na Europa mostra a urgência de os países fazerem uma transição energética equilibrada; custo do gás natural também se reflete no Brasil

Foto do author Iander Porcella
Por Iander Porcella (Broadcast)
Atualização:

A disparada do preço do gás natural, que tem gerado aumentos sucessivos das contas de luz na Europa e, consequentemente, da inflação, reforçou o debate sobre a transição energética. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o economista Aldren Vernersbach, do Instituto de Economia da UFRJ, diz que os países da região precisam, em primeiro lugar, diversificar as fontes de energia - uma lição que serve de exemplo também para o Brasil, já que o País têm recorrido às térmicas movidas a gás natural para lidar com a crise hídrica e o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas. 

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"Eles (os países europeus) têm um aumento da demanda por energia por causa da mudança climática, mas é preciso combater a mudança climática. Só que eles ainda não têm uma base de renováveis tão grande para ir substituindo numa velocidade maior essas fontes poluentes", afirma o analista. "É uma coisa circular, e eles ainda não acertaram o compasso disso."

Vernersbach, que também é membro da International Association for Energy Economics (IAEE), diz que o aumento da demanda e a redução da oferta de gás natural na Europa pressiona os preços internacionais, o que impacta diretamente o Brasil e torna a geração de energia termoelétrica ainda mais cara. "Como a demanda tem se elevado em vários países devido à recuperação econômica pós-pandemia, é de se esperar a sua contribuição no custo da energia elétrica", diz o economista da UFRJ.

Para lidar com esta situação, o pesquisador defende que a União Europeia precisa fazer um planejamento mais completo da transição energética que leve em conta a "modicidade tarifária", ou seja, que não aumente o custo da eletricidade para a população para um nível que onere excessivamente a renda. 

Gás natural é extraído de perfurações, tanto em terra quanto no mar. Foto: Marcos de Paula/Estadão

Antes disso, porém, os governos europeus precisam resolver o problema da falta de gás natural, que gera o salto nos preços, antes da chegada do inverno no Hemisfério Norte. Para o economista, a solução imediata passa pelo gasoduto Nord Stream 2, que vai da Rússia à Alemanha e cujo funcionamento ainda depende de aprovação dos reguladores alemães e do aval da Comissão Europeia.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

A Europa tem enfrentado um aumento das contas de luz, que é resultado principalmente da alta do preço do gás natural. Essa situação tende a se agravar ou há uma solução no horizonte?

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É uma conjunção de fatores. Parece que foi uma tempestade perfeita para que o preço da energia aumentasse. A primeira coisa foi a recuperação econômica com a vacinação. O mundo inteiro achou que não seria tão rápido. Então, a Europa entrou no verão, e o verão europeu é extremamente quente. Eles não esperavam que haveria uma demanda tão grande por energia. Eles já têm uma demanda grande no inverno por causa da calefação, só que, com o verão cada vez mais quente, vai ter demanda também para fazer climatização. Teve um consumo maior de energia por parte das indústrias, do comércio, das residências, e eles não estavam preparados para isso.

E quais foram os outros fatores que entraram nessa "tempestade"?

Como a economia tinha desacelerado, os estoques de gás e o fornecimento de gás, principalmente russo, tinham sido reduzidos. E, somado a isso, o Nord Stream 1, que é o gasoduto russo que corta a Ucrânia e alimenta a Europa com gás natural, entrou em manutenção na Rússia. Como há uma escassez do gás natural, o valor dele já iria aumentar. Somado a isso também há a taxação da geração de energia elétrica por meio de fontes poluentes e houve uma redução da geração de energia com base eólica no Mar do Norte, no Reino Unido.

Isso expõe a dependência excessiva dos combustíveis fósseis na Europa?

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Sim. A Europa não é autossuficiente em gás natural, tanto que importa da Rússia há anos. Só que também demonstra que há falta de uma maior precisão no planejamento energético. Eles tributaram excessivamente as fontes poluentes. Mas como fazer isso, que gera um encarecimento da geração elétrica com base nessas fontes, se a Europa não amplia a sua base de renováveis numa velocidade compatível? Eles foram criando esse problema para eles mesmos. A palavra mesmo diz: transição energética. Acho até melhor usar "diversificação". Nós nunca vamos poder ficar dependentes de fontes intermitentes, que são as renováveis. Tem um princípio em economia da energia que é chamado de "segurança do suprimento energético". Ele indica que não se deve ser dependente, nem de uma fonte, nem de outra.

A tributação das fontes poluentes foi feita de forma rápida demais?

É como se fosse assim "não queremos ser dependentes de óleo e gás, então vamos tributar isso". Mas, se você é dependente, como vai tributar em excesso uma fonte dessas? Você vai gerar um aumento do custo da energia e ele vai se propagar por todas as cadeias produtivas. É uma tempestade perfeita que eles criaram. 

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Aldren Vernersbach, do Instituto de Economia da UFRJ, émembro da International Association for Energy Economics (IAEE) Foto: DIVULGAÇÃO

Até quando os preços do gás natural devem ficar elevados?

O valor do gás começou a aumentar em março. Acredito que isso vai continuar. Com a chegada do inverno, o consumo de energia não vai cair. Acredito que se o Nord Stream 2 não entrar em operação até o inverno, o preço da energia vai continuar aumentando. Não tem outra alternativa.

Como a alta do preço do gás natural se reflete no Brasil?

O aumento do preço do gás natural na Europa, transmitido para o custo da geração termelétrica, pode ter ressonância em outros mercados globais. Na medida em que a oferta de gás natural se reduziu e a demanda sofreu ampliação, o cenário ficou caracterizado pela escassez e disputa por acesso ao gás. Logo, o preço entra em uma trajetória de elevação. O preço mundial do Gás Natural Liquefeito (GNL) aumentou sete vezes se comparado com o preço de 2020 no mercado asiático. Foi de US$ 5,16 para cerca de US$ 34,52/MMBtu. Como a demanda tem se elevado em vários países devido à recuperação econômica pós-pandemia, é de se esperar a sua contribuição no custo da energia elétrica. O setor passa por essa oscilação a nível global, já que o gás natural é uma commodity.

As mudanças climáticas tendem a gerar ainda mais volatilidade em commodities como o gás natural?

O aumento da demanda por energia é por causa da mudança climática, mas é preciso combater a mudança climática. Só que a Europa ainda não tem uma base de renováveis tão grande para substituir essas fontes poluentes numa velocidade maior. 

Como planejar a transição energética sem aumentar o custo da eletricidade?

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Na verdade, seria um cálculo. No caso da Europa, por exemplo, ela teria que ver que taxa ela consegue fazer de transição mantendo a modicidade tarifária da energia elétrica do continente (quando o custo da energia é equilibrado e não onera a população). Além disso, a dependência do gás natural não vai acabar nesse momento. O que eles têm de fazer é ampliar a base de renováveis, em um ritmo mais acelerado, manter o fornecimento de gás natural, para poder ter essa modicidade tarifária e, depois, a redução gradativa da dependência do gás natural.

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