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Evergrande e variante Delta alimentam dúvidas sobre ritmo de retomada da China

Em todo o mundo, especialistas se perguntam se estímulos adotados pelo governo chinês serão o bastante para reaquecer a recuperação do país e reverter os dados econômicos ruins

Por Ilana Cardial
Atualização:

A China vive um momento de desaceleração econômica pelo impacto da variante Delta do coronavírus. Devido às consequências da pandemia, o governo chinês determinou uma série de reformulações regulatórias, além de interferir diretamente no mercado financeiro, com a liberação de estoques de commodities e injeções de capitais. Agora, analistas e investidores buscam descobrir se tais medidas conseguirão não só frear a desaceleração econômica, mas levar a China de volta à liderança da retomada pós-pandemia.

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Um risco adicional à recuperação chinesa é o caso Evergrande, segundo maior nome do setor imobiliário do país e um dos principais motores da atividade econômica da China. Com cerca de US$ 300 bilhões em dívidas, analistas consideram provável que a empresa deixe de honrar compromissos nesta semana, mas acreditam que um calote não gerará uma crise como a desencadeada pelo Lehman Brothers em 2008. Para a S&P Global Ratings, um eventual calote da Evergrande terá consequências intermediárias: sem onda de falências nem apenas repercussões leves. O Rabobank aposta na "mão visível" do Estado chinês limitando o risco de ameaças sistêmicas pelo caso.

Apesar de previsto, o esfriamento do ritmo da recuperação chinesa tem sido mais intenso do que o esperado, avalia o banco Barclays. O aperto de crédito e a resistência de gastos dos consumidores têm pesado de modo único, dizem os analistas, mas não estão sozinhos. Com o avanço da cepa Delta, o Estado chinês optou pela política de tolerância zero à covid-19, que visa a eliminação do vírus. Medidas de restrição à mobilidade e lockdowns regionais pesaram no setor de serviços, enquanto o projeto de diminuir a emissão de carbono no país pressionou os setores industriais. A tecnologia e educação com fins lucrativos passaram pelo "escrutínio regulatório", como chamou o Barclays, enquanto a saúde também experimentou mudanças rápidas nas regras. Dada à extensão da lista, o banco inglês acredita que ao menos o pior dos choques regulatórios já tenha passado.

"À medida que o ataque regulatório em curso perde seu fator surpresa, os mercados parecem felizes em ter a legislação como uma clareza, ainda que esta seja vaga", diz Freya Beamish, analista da Pantheon Macroeconomics. Assim, a consultoria avalia que um salto nas ações de companhias chinesas é justificado, mas teme que não haja motivos fundamentais para uma recuperação sustentada.

Oesfriamento do ritmo da recuperação chinesa tem sido mais intenso do que o esperado Foto: Matt Dunham/AP - 20/09/2021

O mercado acionário também esteve no foco das medidas do governo. Neste mês, o presidente Xi Jinping anunciou que o país irá abrir uma nova bolsa de valores em Pequim, voltada a pequenas e médias empresas. Além disso, alterações para ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) de companhias chinesas em outros países estão sendo feitas desde a metade do ano. A Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM americana) chegou a paralisar o processamento de pedidos de IPO de empresas da China e chamou a atenção para as incertezas sobre as ações futuras do governo chinês, em meio à ofensiva regulatória.

Crescimento econômico

Em agosto, a atividade econômica chinesa registrou retração pela primeira vez em 16 meses, com o índice de gerentes de compras (PMI, na sigla em inglês) composto, elaborado pela IHS Markit e Caixin Media, tendo ficado abaixo da marca 50, que separada separa a contração da expansão. Como o surto da covid-19 foi controlado, ao menos por ora, o PMI de setembro deve apresentar alguma recuperação, prevê a Pantheon. "Mas a tendência é de queda e isso é preocupante, o que fortalece nossa convicção de que, sob a política de tolerância zero à covid-19, faltam drivers para a economia chinesa", reforça Beamish.

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Diante dos últimos dados econômicos apresentados pelo país, as projeções para o Produto Interno Bruto da China (PIB) em 2021 passaram a ser revisadas para baixo. A Pantheon cortou de 10,0% para 6,0%. O ABN Amro, de 9,0% para 8,3%. O Citi reduziu de 8,7% para 8,2%. Já o ING manteve em 8,9%, mas anunciou que o número pode ser revisado. A Organização Mundial do Comércio (OMC) projeta expansão de 6,0% neste ano, após contração de 6,8% em 2020.

O estopim para a revisão de crescimento da China se deu com a divulgação das vendas de varejo no país. Analistas consultados pelo Wall Street Journal previam alta anual de 6,3% no mês de agosto, mas foram surpreendidos com o avanço de apenas 2,5%. "Sem o efeito de base, as vendas de bens de uso diário, petróleo e produtos relacionados, eletrodomésticos, roupas e bebidas viram uma desaceleração óbvia no crescimento médio de dois anos", observa o Citi. A mais recente onda da covid-19 e os lockdowns parciais afetaram significativamente as vendas físicas, especialmente os serviços ao consumidor, diz o banco.

Os dados de inflação na China também merecem atenção. Em agosto, o índice de preços desacelerou para o consumidor, enquanto acelerou para o produtor. A divergência entre o CPI e o PPI atingiu um nível recorde. Na avaliação do Citi, há a possibilidade que a lacuna se amplie e, por consequência, ameace as políticas econômicas de Pequim.

Um dos setores mais afetados foi o do turismo, observa o ING. A expectativa é que, com o controle da covid-19, haja recuperação de ao menos parte das perdas no próximo dado do varejo. "Mas estamos começando a nos preocupar com o fato de que as políticas governamentais estão prejudicando o mercado de trabalho e, desse modo, o sentimento em torno dos gastos pode ficar sob pressão", diz a analista Iris Pang. "Individualmente, as medidas não criam um prejuízo óbvio à economia. Mas juntas, poderiam resultar em um golpe considerável".

Assim como em outros países, um dos setores mais afetados na China foi o do turismo, que sofre para se recuperar Foto: ROMAN PILIPEY/EFE/EPA - 20/09/2021

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Analista do Commerzbank, Hao Zhou concorda que o setor de serviços - que representa 55% do PIB chinês, segundo a OMS - "claramente" foi "duramente" atingido pelas medidas de restrição, sugerindo que a demanda doméstica segue como um "grande obstáculo para a economia". Na mesma linha, a manufatura, que liderou a recuperação econômica da China, também está perdendo força, observa Hao. "A fraca demanda doméstica e os elevados preços dos insumos devem ter influenciado o desempenho de muitas firmas industriais".

As empresas de tecnologia também têm sido alvo de reformulações pelo Partido Comunista da China. Novas diretrizes foram emitidas na última semana para criar um ambiente virtual mais "civilizado" e "bem regulamentado", segundo o governo. De acordo com o membro do Banco do Povo da China, Cai Feng, a regulação se dá para prevenir e quebrar eventuais monopólios no setor. O maior controle sobre suas big techs vem sendo imposto há meses.

Commodities

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Na última semana, a China afirmou planeja seguir liberando estoques de cobre, alumínio e zinco para abaixar seus preços no mercado internacional. Parte de suas reservas de petróleo também serão lançadas ao mercado por meio de um leilão, com o intuito de "aliviar a pressão de alta nos custos de matérias primas" a produtoras.

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