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Ex-campeão dos juros

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Por Celso Ming
Atualização:

Nesta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deverá derrubar os juros para um dígito (abaixo dos 10% ao ano) e os juros reais (descontada a inflação) deverão desabar para a casa dos 5% ao ano, fatos inéditos desde os anos 60, façanha obtida sem artificialidades. Conquanto os juros ainda sejam muito altos no mercado interno, o Brasil vai abandonando o status incômodo de campeão mundial do preço do dinheiro. Os analistas estão divididos em duas categorias. Uma delas, aparentemente mais numerosa, espera um corte de 0,75 ponto porcentual ao ano e a outra aposta em que será de 1 ponto porcentual. Mas uma não descarta a possibilidade de que ocorra a outra hipótese. A partir de quarta-feira, as cadernetas de poupança ficarão mais rentáveis do que a maioria dos fundos de renda fixa, que pagam até 100% do DI. As cadernetas não cobram nem taxa de administração, que é quase sempre superior a 1% ao ano nos fundos de investimento, e nem Imposto de Renda, que varia de 15% a 22% nos fundos de investimento. Essa diferença de tratamento pressiona o governo para adotar mudanças nas regras da caderneta ou no imposto cobrado sobre o rendimento dos fundos. Mas o governo parece bloqueado pelas pressões políticas. Algumas medidas chegaram a ser ostensivamente anunciadas no início de maio, com resultados desastrosos para a clareza e para a solução técnica do problema. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem afirmado que está à espera de condições políticas mais favoráveis. Se de fato esperar até que haja um cenário político melhor para derrubar o rendimento das cadernetas, então antes das eleições de 2010 muito dificilmente essas alterações acontecerão. A continuidade do afrouxamento dos juros será justificada pelo Banco Central pela confluência de um punhado de fatores favoráveis. O primeiro deles é o de que, apesar da forte expansão dos salários e do Programa Bolsa-Família, não há exacerbação do consumo interno e, sem ataque da inflação, os juros podem continuar caindo. E a indústria ainda opera com enorme ociosidade, em parte porque enfrenta retração de 40% das exportações de produtos industrializados. São fatores suficientemente fortes para descartar ameaças relevantes de inflação de demanda, aquela em que a procura se torna tão mais forte do que a oferta a ponto de puxar pela esticada dos preços internos. Também a área externa contribui para que os juros possam ser derrubados. A recessão está intensa nos Estados Unidos (queda prevista do PIB de 3,0%) e mais forte ainda na área do euro (queda projetada do PIB de 4,6%). Isso significa que a demanda global continuará recuando, o que também tirará pressão sobre os preços. Além disso, a trajetória do dólar no câmbio interno, em queda acentuada, tende a baratear as importações e, assim, concorrer para abrandamento da inflação na economia interna. Ao contrário do que tantos apregoam, a queda expressiva dos juros no Brasil será o fator adicional de atração de dólares, na medida em que aumentará a percepção de que a economia brasileira está ajustada.

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