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Ex-chefe da Antaq admite perseguição de diretoria do órgão à empresa de navegação

Adalberto Tokarski revelou que membros da Agência Nacional de Transportes Aquaviários atuaram de forma abusiva e pessoal em decisões atreladas à navegação entre portos brasileiros

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - O ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Adalberto Tokarski, que comandava a agência até o mês passado, afirmou que membros da diretoria e da gerência da Antaq atuaram de forma abusiva e pessoal em decisões atreladas à navegação entre portos brasileiros, com ações para prejudicar uma nova empresa de cabotagem, favorecendo um grupo que já atua no setor.

Em seu depoimento, Adalberto Tokarski, que não é alvo da denúncia, admite que outros membros da agência teriam atuado em diversas ocasiões para prejudicar a empresa Posidonia. Foto: ALOÍSIO MAURÍCIO/FOTOARENA

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O Estado teve acesso exclusivo ao depoimento prestado por Adalberto Tokarski no dia 23 de junho de 2017 ao Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, quando ele ainda exercia o cargo de diretor-geral. O vídeo faz parte do inquérito sigiloso instaurado pelo núcleo de combate à corrupção do MPF, que investiga a denúncia de formação de cartel e a atuação de servidores públicos da agência no setor de cabotagem.

A suspeita é que funcionários da agência teriam atuado em conjunto para reduzir a competitividade do setor, um mercado que movimenta cerca de R$ 10 bilhões por ano. A autora da ação é a empresa carioca Posidonia Shipping, que acusa a Antaq e demais empresas do setor de dificultarem sistematicamente a sua entrada no mercado desde 2013, quando passou a atuar no transporte marítimo de carga.

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Em seu depoimento, Adalberto Tokarski, que não é alvo da denúncia, admite que outros membros da agência teriam atuado em diversas ocasiões para prejudicar a empresa Posidonia, com a emissão constante de multas em volume acima da média de outras empresas, atrasos injustificados de emissão de licenças de afretamento e publicação de ofícios que restringiam a atuação da companhia.

Nesta semana, o Tribunal de Contas da União determinou que sejam feitas diligências junto à Procuradoria da República no Distrito Federal para apurar "possíveis atos de improbidade administrativa" de servidores da Antaq. Ao suspender os efeitos de uma resolução publicada pela Antaq, o ministro do TCU Bruno Dantas disse haver indícios de uma “ação de mafiosos” dentro do setor.

Dificuldade de outorga. Questionado sobre o início das operações da Posidonia, Tokarski declarou, em seu depoimento, que a diretoria não queria autorizar a operação da empresa com o afretamento de barcos internacionais, porque sua embarcação brasileira ainda estava em construção.

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Ele discordava daquela posição, mas foi voto vencido. “No momento em que se cobrou a exigência da outorga, do direito de outorga dessa autorização para essa empresa, ela colocou uma embarcação como garantidora, uma embarcação que estava em construção. E o entendimento deles foi de modo adverso. Sobre essa empresa, eu vejo assim, acabou se abrindo processos diferentes de fiscalização. Não tenho dado de outra (empresa) que tenha sido dessa forma”, comentou. “Acabaram sendo abertos vários processos junto a essa empresa, até acredito que bem mais que a média geral.”

Descumprimento de liminar. Impedida de operar, a Posidonia conseguiu uma liminar na Justiça para garantir sua operação. A diretoria da agência, no entanto, segurava as autorizações, segundo Adalberto Tokarski. “Num outro momento, em que teve uma liminar, percebe-se que houve uma demora, e essa questão do afretamento tem a necessidade de ser rápido. Você libera o afretamento, carrega a mercadoria e sai. Em determinado momento, eu, como diretor, atuei cobrando que fosse cumprido isso aí. E daí, na sequencia, foi cumprido. Deu para perceber que realmente teve alguma demora num determinado momento.”

Resolução restritiva. Um dos temas mais polêmicos envolvendo a Antaq e as empresas de cabotagem diz respeito a uma resolução publicada pela agência em 2015. A Posidonia alega que a norma restringiu seu acesso ao limitar a contratação de embarcações internacionais. A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda analisou o caso e concluiu que, de fato, a resolução restringe o mercado. Nesta semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) também chegou à mesma conclusão e determinou a suspensão dos efeitos da resolução.

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Tokarski disse que pediu revisão da resolução, tendo participado somente da etapa final de sua edição, mas prevaleceu a versão original. “Talvez essa norma tenha fechado um pouco mais [o mercado], analisando esse lado. Há possibilidade de uma revisão normativa. Já está aberto um processo para isso.”

Autorização barrada. O diretor-geral da Antaq lembra que, em uma ocasião, a Posidonia foi alvo de uma denúncia pela Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac), com apoio do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), que reúnem as demais empresas do setor. Sem apuração sobre a denúncia, disse Tokarski, a companhia foi impedida de operar.

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“A gente percebe que houve, às vezes, ações de procrastinação para demorar ao atendimento da empresa. Houve determinado momento em que servidores colocaram... foi feita uma denúncia, e por conta dessa denúncia, já barraram o afretamento. Neste caso específico, eu já estava como diretor. Eu chamei o pessoal da área técnica e falei, ‘vocês estão malucos’. Não foi apurado nada ainda. Com base na denúncia, você já cancela uma autorização de afretamento? Isso não pode acontecer. Tanto que naquele momento, posterior ao posicionamento meu, e até chamei mais de um técnico junto para exatamente cobrar do gestor, e aí foi... mas já demonstra uma ou outra má vontade”, comentou.

Ofícios. Tokarski menciona ainda a publicação de ofícios por superintendes da agência, os quais driblavam resoluções do setor. “Emiti um ofício da diretoria geral cancelando [um ofício], e colocando que um ofício não tem o poder de sobrepor a uma norma, que é discutida, passa em audiência pública, em um processo robusto. Acho que isso é algo sério.”

Adalberto Tokarski relata ainda que a empresa Posidonia foi multada diversas vezes, sem que essas informações chegassem à diretoria. “Essa empresa foi multada lá atrás por R$ 1,2 milhão, e eu, especificamente nesse momento, era diretor e fiquei sabendo só depois de publicado no Diário Oficial. É algo assim até meio... pô, um diretor não sabe?”, comentou. “Só chega a conhecimento da diretoria multas maiores. Eu questionei este caso. Eram muitas multas no mesmo valor, pequeno. Eu acho que isso tinha que ser levado à diretoria, não foi levado à diretoria.”

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À época, Tokarski diz que pediu um memorando de quais empresas tinham recebido aquela infração. Foi quando descobriu que a emissão de multas tinha relação direta com mudanças realizadas por meio de ofícios da diretoria. “Depois que fiquei sabendo desses ofícios, que têm conexão daí, né. É algo assim que coloco, que é sério, esse tipo de coisa não pode acontecer. É ruim de ver essa conexão. De repente multou uma empresa. E depois, solta um ofício liberando, de repente, outras.”

Desconfiança. Em suas declarações, o diretor-geral da Antaq afirma que não confiava nos trabalhos de Rômulo Castelo Branco, então gerente de afretamento da navegação, e que chegou a deixar isso claro para outros dois diretores, mas que foi voto vencido. “Especificamente em relação ao senhor Rômulo, eu externei para os dois atuais diretores a preocupação dele continuar. Vejo alguns expedientes que não me dão tanta confiança. Solicitei no sentido de a gente mudar”, disse.

Os cargos da Antaq são comissionados, mas todos passam pela diretoria colegiada. “Externei pessoalmente para eles. Especificamente no caso do Rômulo, o diretor Mario Povia não concorda [com sua saída].”

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Sobre um possível pedido de afastamento de Rômulo Castelo Branco da diretoria, Tokarski foi claro: “Não tenho a confiança [nele], mas não consigo decidir sozinho.”

Empresa maculada. Por conta das ações movidas pela Posidonia, Tokarski declarou que pediria para que os processos da empresa ficassem “sobrestados”, para evitar novos conflitos com a diretoria. “Com esse inquérito, pode ter dentro da casa um olhar não tão agradável para com a empresa. Vou solicitar que esses processos realmente não andem, porque pode ficar maculada qualquer decisão”, disse.

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O diretor-geral da Antaq disse que não pode afirmar que a diretoria da agência atuasse em favor das empresas associadas à Abac, mas sim contra a Posidonia. “Acho, no meu entendimento, a gente claro, às vezes, um posicionamento pessoal contrário a essa empresa, isso de forma... ao longo dos anos, está dando para perceber isso.”

A reportagem procurou a diretoria da Antaq e Adalberto Tokarski para comentar o assunto, mas não obteve retorno até o fechamento deste texto. O espaço está aberto para manifestação.

Outro lado. Por meio de nota, a Posidonia declarou que "os navios brasileiros precisam ter prioridade e preferência e é por isso que investimos em frota realmente brasileira mas, na sua indisponibilidade, todos os armadores tem que ter iguais oportunidades de buscar no mercado internacional a embarcação adequada".

Ao se referir às decisões do MPF e do TCU, a empresa afirmou que as companhias de cabotagem "passam a ter mais segurança jurídica e mais confiança para investir no Brasil, e os embarcadores passam a ter poder de escolha".

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Procurado pela reportagem, o Syndarma declarou que não teve acesso ao processo e, por isso, não pode comentar.

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