PUBLICIDADE

Para economistas, ‘duplo mandato’ do BC é retrocesso

Para ex-integrantes do banco, cuidar de inflação e do crescimento econômico ao mesmo tempo poderia levar ao descontrole de preços

Foto do author Adriana Fernandes
Por Fabrício de Castro e Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - A possibilidade de o Banco Central passar a perseguir dois objetivos – o controle da inflação e o crescimento econômico – é vista como um retrocesso por ex-presidentes e ex-diretores da instituição. Para eles, a introdução do chamado “duplo mandato” para o BC pode levar ao descontrole da inflação e até a questionamentos na Justiça sobre os juros no País.

O modelo estudado para o BC é semelhante ao adotado nos Estados Unidos. Foto: André Dusek/Estadão

PUBLICIDADE

No projeto de autonomia do Banco Central, que está sendo formulado pelo governo, uma das propostas é a de que a instituição passe a fazer política monetária com os olhos no controle de preços e também no crescimento econômico ou na geração de empregos. Atualmente, o BC tem o foco voltado apenas para os preços, sendo que sua ferramenta para controle da inflação é a Selic (a taxa básica de juros), hoje em 6,75% ao ano.

O modelo estudado no governo é semelhante ao adotado nos Estados Unidos, onde o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) determina sua taxa de juros de modo a controlar a inflação e, ao mesmo tempo, gerar postos de trabalho.

Para o economista Carlos Langoni, ex-presidente do BC e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), essa ideia “não faz o menor sentido para uma economia como a brasileira”.

++ Meirelles diz que há um 'mal entendido' sobre os projetos econômicos anunciados pelo governo

“Em economias estabilizadas, com uma longa tradição de inflação baixa, você até pode se dar ao luxo de ter dois objetivos. Mas mesmo nos EUA o duplo mandato tem sido objeto de discussões, o que traz insegurança ao mercado e afeta as expectativas de inflação”, disse.

Os EUA estão sozinhos no modelo de duplo mandato. As demais economias centrais e os países emergentes com economias relevantes possuem regra semelhante à adotada hoje no Brasil, em que o BC mira apenas a inflação. A lógica econômica por traz disso é a de que, com os preços sob controle, garante-se um crescimento sustentável ao longo do tempo.

Publicidade

“Cumprindo bem sua função, de controle da inflação, o BC acaba permitindo que se tenha um crescimento sustentável”, defendeu o ex-presidente do BC e sócio da Tendências Consultoria Integrada, Gustavo Loyola. “Impor ao BC uma obrigatoriedade de ter um ‘olho no peixe e outro no gato’ pode enfraquecer o controle da inflação, que é a tarefa precípua dos bancos centrais. O crescimento da economia depende de vários outros fatores, e não só do BC.”

++ Autonomia do BC terá mandato duplo com foco na meta de inflação e crescimento econômico

Loyola cita ainda o risco de, com o duplo mandato, as decisões do BC sobre a Selic irem parar no Supremo Tribunal Federal (STF). “No Brasil, existe um excesso de judicialização. Imagine que o BC, com mandato duplo, esteja fazendo determinada política e que um partido ou o Ministério Público ache que ele controla a inflação, mas não gera emprego”, exemplificou Loyola. “Então, o partido vai procurar o STF dizendo que o BC não está cumprindo seu objetivo. De repente, teremos ministros do Supremo tendo de decidir se o BC deve baixar ou subir os juros. Seria uma insanidade.”

‘Burrice’. Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, o economista Alexandre Schwartsman, da Schwartsman e Associados, qualifica a ideia do governo de estabelecer duplo mandato para o BC como uma “burrice atroz”. “Se forem estabelecidos dois objetivos (inflação e crescimento), o que o BC fará, já que ele tem um instrumento (a Selic)? Isso pode gerar vários problemas.”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Para o economista Luis Eduardo Assis, ex-diretor de Política Monetária do BC, a ideia de autonomia é importante, para blindar a instituição de influências externas. A autonomia permitiria “formalizar uma situação que já existe de fato: a de independência do BC”. Já o duplo mandato é criticado pelo economista. “Há coisas mais importantes para o governo tratar.”

Resistência. Não há consenso dentro do governo em torno da proposta de aprovação de um mandato duplo para o Banco Central (controle de inflação e o crescimento). Apesar do debate interno na equipe econômica, o líder do governo no Senado, senador Romero Jucá (MDB-RR), vai apresentar um projeto de lei complementar de autonomia ampla para o BC.

O assunto foi discutido nesta quarta-feira, 21, entre o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente do BC, Ilan Goldfajn, durante almoço. Em 2016, quando aceitou integrar o governo, Meirelles apresentou três condições. Uma delas foi justamente o apoio do governo para autonomia do BC. As outras duas condições foram a reforma da Previdência e participar das escolhas para a presidência do BNDES e Petrobrás.

Publicidade

++ Congresso pode barrar tentativas de alterar Previdência sem mexer na Constituição

A proposta já começou a ser costurada com o presidente do BC há algum tempo. Ilan quer deixar a sua marca como presidente que conseguiu a autonomia, uma proposta polêmica que já entrou e saiu da agenda por várias vezes, mas não emplacou.

Segundo fontes, uma das resistências ao duplo mandato seria a dificuldade de acertar um indicador para servir de referência ao crescimento e emprego.

Como estratégia de negociação, Jucá incluiu itens na proposta que podem ser retirados durante a votação. O projeto também prevê a autonomia financeira ao BC, mas há resistências no governo, porque daria à autarquia um tratamento diferenciado: se desvincularia do Ministério da Fazenda e teria um orçamento apartado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.