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'Expansão fiscal em países com problemas estruturais só gera inflação'

Economista diz que a resposta do Brasil para uma 'desaceleração previsível' não deveria ter sido expansão de gastos

Por João Villaverde e BRASÍLIA
Atualização:

Os estímulos fiscal e monetário realizados com força pelo governo Dilma Rousseff nos últimos dois anos não foram uma boa ideia. A avaliação é de Martin Wolf, um dos mais influentes economistas do mundo, doutor pela London School of Economics (LSE) e vencedor do Commander of the British Empire (CBE). Em entrevista ao Estado, Wolf afirmou que o Brasil viveu uma "desaceleração previsível" nos últimos anos, e que a resposta não deveria ter sido a expansão dos gastos e a redução forçada das taxas de juros.

Crítico da austeridade implementada pelos países europeus para combater a recessão, Wolf avalia que o remédio amargo talvez fosse o caminho ideal para a economia brasileira nos últimos anos, como primeiro passo para a correção da desaceleração natural após os anos de bonança.

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"O caso brasileiro é completamente distinto daquele dos países da zona do euro e da Inglaterra. Eles tiveram uma crise financeira grave, e não deveriam reagir com aperto fiscal - embora tenha sido exatamente a saída de todos. O Brasil não teve crise financeira, ao contrário. Vocês tiveram uma importante redução do crescimento, que era previsível dado os problemas estruturais da economia brasileira, e reagiram errado. Expansão fiscal em países com problemas estruturais só gera inflação, e não crescimento", disse Wolf.

Diretor de macroeconomia de um dos mais prestigiados jornais do mundo, o britânico Financial Times, Wolf concedeu a entrevista na quarta-feira, enquanto percorria a França, de carro, sentido Inglaterra. Preocupado com a situação na União Europeia, Wolf avalia que Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE) fez um grande trabalho, mas apenas ganhou tempo. "Eu não ficarei surpreso se novas crises acontecerem."

Na visão de Wolf, a política monetária dos Estados Unidos vai continuar expansionista, mesmo que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) inicie nos próximos dias uma redução nos estímulos injetados na economia. Para ele, a desaceleração da China não deve afetar a lenta recuperação dos EUA, o que é positivo para o Brasil - os dois países são os maiores parceiros comerciais brasileiros. Veja, a seguir os principais trechos da entrevista.

Estamos, todos, no olho do furacão de uma mudança na economia mundial, desatada pelas sinalizações do banco central americano, o Fed, de que vai diminuir os estímulos. Como o senhor vê este cenário?

É importante lembrar que o Fed está praticando uma política monetária expansionista desde 2007, ou seja, são seis anos consecutivos de estímulos pesados e concentrados na economia americana. Neste momento, o Fed está praticando a política monetária mais expansionista da história dos Estados Unidos. Quando essa política começa a mudar, mesmo que um pouco apenas, isso cria um pânico no mercado, que começa um ajuste para se preparar para uma nova realidade. Mas minha avaliação é que o mercado superestimou completamente o cenário de mudança. O Fed não vai alterar profundamente a sua política, então a reação foi muito exagerada. Minha avaliação é que a política monetária americana ainda vai continuar expansionista.

Mas depois de seis anos de estímulos, a economia americana já está pronta para andar com as próprias pernas?

Há, de fato, uma recuperação da economia americana, mas em um ritmo excepcionalmente fraco. Entendo que ainda há muita expansão da atividade para acontecer antes que o Fed volte a elevar as taxas de juros nos EUA. O desemprego está caindo, mas muito porque os americanos deixaram de procurar vagas de trabalho, por causa dos seguidos anos de estagnação. Quando eles voltarem a procurar, o desemprego pode até subir um pouco. O PIB não deve voltar a crescer a um ritmo de 3% ao ano tão cedo. Seja quem for o novo presidente do Fed, se for Janet Yellen ou Larry Summers, ambos são democratas e de orientação dovish (expressão derivada de "pombo" em inglês, indicando menos intolerância ao risco inflacionário), então não há clima para mudança.

A desaceleração da China liga um sinal de alerta na economia global, uma vez que ela vinha financiando os países desenvolvidos, e demandando as exportações dos países emergentes. O senhor está preocupado?

Não é o caso de ficarmos preocupados. O efeito direto de uma desaceleração chinesa nos EUA é bem pequeno, o que tranquiliza o resto do mundo, uma vez que falamos das duas maiores economias do mundo. A apreciação da moeda chinesa tem ajudado os EUA e outros países industrializados, como a Alemanha. O efeito mais pesado tem sido sobre os países emergentes exportadores de commodities, em especial aqueles produtores de minérios. Há uma correção no crescimento chinês, que passou décadas importando um volume impressionante de commodities minerais, e agora há um ajuste. Com mais renda, os chineses estão demandando mais comida, em especial proteína, então as nações exportadoras de carnes e soja, por exemplo vão ganhar. Este é o caso do Brasil. O crescimento do PIB chinês deve se estabilizar em altas anuais de 6% a 7%, o que representa os mesmos 10% ou 11% de cinco anos atrás. Isso não é desprezível. O grande perigo é que o avanço do PIB caia para 3% a 4%, como alguns temem. Mas não vejo esse cenário. O consumo chinês deve aumentar.

O Brasil foi capa da The Economist, em 2009, como caso de sucesso. No ano seguinte, o PIB aumentou no maior ritmo em 24 anos. Mas, desde então, o PIB não passa de 3%, enquanto a inflação não cede abaixo dos 6%. O que aconteceu?

Não sou um especialista no Brasil, mas posso afirmar que essa desaceleração não me causa surpresa. Escrevi um artigo há três anos que mostrava meu ceticismo quanto à sustentabilidade daquele ritmo de crescimento brasileiro. O País passou por uma experiência incrível de estabilização, durante os anos 1990, e de expansão na década seguinte. No entanto, o Brasil tem profundos problemas estruturais, o que torna insustentável aquele ritmo de crescimento verificado entre 2004 e o início de 2011.

Como quais?

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O Estado brasileiro é ineficiente e corrupto. A poupança nacional é muito, muito pequena. O Brasil precisa de um nível de poupança pública de 25% a 30% do PIB, e tem menos de 20% ! E o sistema educacional não é bom o suficiente, o que dificulta a qualificação dos trabalhadores, que o setor privado aponta como deficiente. A partir de 2004, o Brasil conseguiu financiar seu crescimento e a inclusão de milhões de brasileiros no mercado de consumo por meio de um gigantesco boom nos preços das commodities. Tudo aconteceu ao mesmo tempo, e claramente o nível de crescimento não era sustentável. O Brasil ficou muito caro, pouco competitivo e a taxa de câmbio se valorizou muito além do que era razoável. Isso tornou o investimento industrial muito caro. O que aconteceu a partir de meados de 2011 foi uma correção natural.

Como fazer para voltar a crescer a um ritmo de pelo menos 4%?

O Brasil precisa implementar uma melhora radical do Estado, e estimular urgentemente o aumento da poupança doméstica. O Brasil não deveria confiar apenas na entrada de investimentos estrangeiros diretos como política de longo prazo. Eles são saudáveis e bem vindos, mas não podem ser os únicos a financiar o crescimento. O caso brasileiro é completamente distinto daquele dos países da zona do euro e da Inglaterra. Eles tiveram uma crise financeira grave, e não deveriam reagir com aperto fiscal - embora tenha sido exatamente a saída de todos. O Brasil não teve crise financeira, ao contrário. Vocês tiveram uma importante redução do crescimento, que era previsível dado os problemas estruturais da economia brasileira, e reagiram com expansão fiscal entre 2011 e 2013. Expansão fiscal em países com problemas estruturais só gera inflação, e não crescimento. Não fazia sentido combinar esses estímulos todos como reação. Porque o País terá problemas na hora que precisar reverter esses estímulos todos, com um aperto fiscal e monetário.

A reação do governo também incluiu a implementação de uma política mais protecionista, elevando tarifas e impostos sobre produtos importados.

Não entendo o protecionismo como uma boa ideia de longo prazo. A saída não deveria ser o protecionismo, porque ele apenas gera inflação e não resolve os problemas de ineficiência no Brasil. A melhor saída seria a desvalorização cambial, em especial depois de toda a valorização que tiveram nos anos do boom, porque o câmbio aumenta a produtividade e também amplia a poupança nacional. Isso sim é crucial para os países emergentes.

A União Europeia esteve bem perto de ruir entre o fim de 2011 e o início de 2012. O sr. estava muito cético quanto ao futuro do euro no ano passado.

Como estará o euro a partir de agora?

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A situação está melhor agora do que estava dois anos atrás. Sou um grande admirador do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi. Ele fez um trabalho tremendo de estabilização, que evitou que a crise que abalou Grécia, Portugal e Irlanda chegasse a Itália e Espanha, o que provocaria um quadro dramático para o euro. Ele ganhou tempo para trabalhar, porque diminuiu o mau humor dos mercados. Ao mesmo tempo, o mundo político fez um esforço monumental e coordenado para manter todos os países na zona do euro. Eu não imaginava que isso daria certo. Mas ainda há muito a ser feito, a situação melhorou, mas continua muito grave.

O que precisa ser feito?

O crescimento econômico precisa ser forte e coordenado. Para isso, os países da zona do euro precisam ter um comprometimento com o balanço de pagamentos, isto é, não podem sustentar gigantescos déficits de conta corrente. É preciso separar os bancos dos governos. Os países não têm bancos centrais autônomos, então é preciso centralizar a regulação e supervisão do sistema bancário. Uma espécie de união bancária seria um caminho, por meio de uma verdadeira revolução dos processos de regulação do sistema na Europa. Finalmente, os países precisam desenvolver um mercado de títulos públicos fortes, denominados em euros. Eles precisam ter uma capacidade fiscal que hoje eles não têm, por conta da recessão econômica. Eles ganharam tempo, mas se as coisas não mudarem, eu não ficarei surpreso se novas crises acontecerem.

Crítica.

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