As projeções de inflação em 2021 ultrapassaram os dois dígitos pela primeira vez na mais recente pesquisa Focus e as estimativas para 2022 já estão batendo quase o teto da meta, mas são as expectativas inflacionárias de prazos mais longos – 2023 e 2024 – que preocupam, pois começam a se distanciar dos objetivos do Banco Central.
Esse é um sinal claro de que os investidores enxergam uma desorganização mais estrutural da economia brasileira. Tal percepção negativa foi agravada desde que o governo decidiu abandonar as regras do teto de gastos, a única âncora fiscal do País.
Para 2021, os analistas ouvidos na pesquisa Focus passaram a projetar uma inflação de 10,12%, enquanto para 2022 o consenso das previsões aponta para uma alta de 4,96% do IPCA, quase no teto da meta do ano que vem, de 5,0%.
A disparada na inflação deste ano pode ser atribuída, em grande parte, à crise hídrica, que resultou em forte aumento das tarifas de energia elétrica, e à alta nos preços dos combustíveis, além de choques de curto prazo na oferta de produtos causados pela pandemia de covid.
Quanto ao aumento nas projeções de inflação em 2022, a culpa pode ser atribuída aos ruídos causados pelo início da corrida para a eleição presidencial do ano que vem e até mesmo ao BC, que, na visão de muitos analistas, estaria atrasado no ritmo atual do aperto monetário. Também a inércia inflacionária, com o índice em dois dígitos em 2021, afetará os preços no ano que vem.
Para 2023, o mercado agora projeta uma inflação de 3,42%, acima do centro da meta fixada para aquele ano, de 3,25%. E, em 2024, cuja meta é de 3,0%, a mediana das projeções prevê um IPCA de 3,10%.
“Para 2023 e 2024, a piora nas expectativas inflacionárias não tem outra desculpa: é a perda de credibilidade do regime de política econômica do Brasil”, diz o sócio e economista-chefe da gestora BlueLine Asset, Fábio Akira.
Para ele, as projeções de inflação de 2023 e 2024 começaram a se distanciar das suas metas desde a tramitação no Congresso da PEC dos Precatórios, a qual estabelece a mudança na correção do teto de gastos, minando de vez sua credibilidade.
“Enquanto não se encontrar outra âncora fiscal, as expectativas de inflação de médio e longo prazo devem seguir piorando”, diz Akira. Ele não vê a definição de um novo regime fiscal antes da eleição presidencial.
Mas sem credibilidade fiscal e com expectativas de inflação se deslocando para cima de maneira estrutural, a economia brasileira precisará conviver com juros reais de equilíbrio bem mais altos.
* COLUNISTA DO BROADCAST