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Explosão do dólar encarece em quase R$ 1 tri dívidas de empresas no exterior

Custo já acumula alta de R$ 907 bilhões no ano; mercado vê 20% de empresas que não contam com instrumentos de proteção à variação de câmbio

Por Renato Jakitas
Atualização:

A disparada do dólar que na última terça-feira chegou a bater R$ 5,90, maior patamar da história da moeda diante do real, aumentou em R$ 907 bilhões o total que bancos e empresas terão de desembolsar para fazer frente às dívidas no exterior. Ainda que os empréstimos na moeda estrangeira tenham crescido pouco no período, a variação cambial faz com que sejam necessários quase R$ 1 trilhão de reais a mais para pagar os mesmos compromissos. De acordo com o Banco Central, a dívida total em dólar das empresas no Brasil está em US$ 482 bilhões (R$ 2,84 trilhões).

A alta do câmbio não causa tanta preocupação para a Suzano Papel e Celulose, que também tem receitas em dólar. Foto: Suzano Papel e Celulose/Divulgação

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Segundo o BC, a situação é complicada para cerca de 20% das empresas brasileiras que não contam com instrumentos de proteção à variação de câmbio, chamado de hedge cambial pelo mercado, o que deixaria esses empreendimentos totalmente vulneráveis às flutuações do dólar. Esse dado sobre o hedge é de 2018, mas segundo Carlos Antonio Rocca, coordenador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), essas empresas não aumentaram de maneira expressiva o investimento em instrumentos de proteção desde então. "Esses negócios estão à mercê do dólar e o aumento de 47% do dólar dificulta a vida", diz.

Dados da própria Fipe, indicam que, na média, as grandes empresas brasileiras - com o capital aberto e fechado - estão, neste momento, com 57,7% de sua dívida total em moedas estrangeiras, um aumento superior a 10 pontos porcentuais do início do ano para cá. "Esse aumento acontece porque o dólar subiu e desequilibrou a proporção, que antes era minoritária", afirma Rocca. 

Sozinhas, as companhias de capital aberto, que têm mais acesso aos recursos externos, ampliaram sua exposição em dólar de 57,3%, no início do ano, para 66,2%. As de capital fechado foram de 35,9% para 45%. O levantamento da Fipe abarca um universo com 1.599 empresas, sendo 288 delas abertas e 1.311 fechadas.

US$ 482 bilhões

Dados do BC mostram que a dívida externa de bancos e empresas somavam US$ 482 bilhões no fim de março. Esse valor inclui empréstimos bancários, títulos de dívida, crédito comercial e operações intercompanhias - por exemplo, dinheiro que as sedes de companhias multinacionais enviam à título de empréstimo para subsidiárias locais. 

Em dólar, o montante não oscila expressivamente há cinco anos. Convertida para reais, a dívida passou do equivalente a R$ 1,939 trilhão no começo de janeiro para R$ 2,846 trilhões na última terça-feira, dia 13 - uma diferença de R$ 907 bilhões.

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O cenário pode assustar os investidores que recebem com preocupação os dados divulgados na atual temporada de balanços financeiros, mas é preciso tempo para saber qual o impacto real do dólar no caixa das companhias. Isso porque só uma pequena parte desse débito é de curto prazo, o resto será quitado nos próximos anos.

Mesmo assim, analistas do mercado financeiro observam com atenção o momento, Segundo eles, apesar das grandes empresas hoje protegerem uma parte da dívida com ferramentas disponíveis no mercado, ainda há aquelas muito expostas. "Empresas do setor aéreo, algumas importadoras e varejistas ainda investem pouco em hedge", diz um operador de mesa de câmbio que pede para não se identificar.

Um exemplo é o da Azul Linhas Aéreas. A empresa tem hoje uma dívida bruta de R$ 20 bilhões, mas, desse montante, R$ 14 bilhões são referentes ao arrendamento das aeronaves, portanto em dólar. Em seu último balanço, a empresa afirma que faz hedge apenas dos custos com combustível, adquirido em moeda estrangeira. Deixa com isso 70% de sua dívida flutuando ao sabor dos humores cambiais.

Em nota, a Azul informa que, para minimizar a alta do dólar, negociou uma postergação do pagamento dos arrendamentos das aeronaves, mas não informou os novos prazos. "Neste cenário, usamos um hedge natural que é basicamente aumentar o preço das passagens para compensar a pressão nos custos devido a variação cambial", afirma, em nota.

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Proteção natural

Outras empresas, além da Azul, também têm boa parte de sua dívida em dólar. Mas por serem exportadoras, recebem em dólar e, por isso, não se preocupam com a aquisição de produtos financeiros que travem a cotação do dólar. É o caso da Suzano, que produz papel e celulose. As variações cambiais e monetárias impactaram negativamente o resultado financeiro da Suzano em R$ 12,420 bilhões no primeiro trimestre de 2020, mas isso tende a ser relativizado pelo investidor. Em torno de 94% da dívida bruta da empresa é calculada em dólar. Ao mesmo tempo, 83% da sua receita líquida no período foi gerada no mercado externo. 

"Seguimos otimistas com a tese de investimentos e mantemos a recomendação de compra (de ações da Suzano", escreveu na última terça a analista da XP Investimentos Betina Roxo.

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"A gente precisa dividir o efeito do dólar na dívida. Uma coisa é a marcação da dívida e outra e o efetivo pagamento. A explosão da dívida tem um efeito no balanço agora mas não tem efeito de caixa no futuro", afirma o diretor-geral do banco Indosuez, Fábio Passos.

Periodicamente, o BC estima o total da dívida externa das empresas sem proteção cambial. O dado mais recente, de abril, aponta o valor equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) - essa proporção era de 9% em 2016.