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Falar do concorrente é mais fácil

Os dilemas do ?The New York Times? e do ?The Wall Street Journal? ao abordar as suas próprias crises

Por Clark Hoyt
Atualização:

Eis uma reportagem que eu gostaria de ler. Uma das principais companhias dos Estados Unidos, mundialmente famosa, está em apuros. Suas receitas e lucros estão caindo, sua classificação de crédito foi rebaixada e uma importante firma de Wall Street aconselhou os investidores a livrar-se de suas ações. Com as vendas de seu principal produto em queda, a companhia está aumentando o preço e investindo pesado em nova tecnologia, cujo retorno é lento. Um grande acionista externo faz campanha para pôr fim à estrutura acionária que permitiu que uma família poderosa dirigisse a companhia por quatro gerações. Num momento em que outra família do mesmo ramo conturbado parece prestes a jogar a toalha, essa família será capaz de se manter unida e reencontrar o sucesso? Isto é dramático e importante. E é o tipo de história que vocês lêem com freqüência na primeira página ou na abertura da seção de Economia de domingo do jornal The New York Times. Mas vocês ainda não leram essa história em grande estilo, pois a companhia é a New York Times e a família é formada pelos unidos e reclusos Ochs-Sulzberger, descendentes de Adolph Ochs, que veio de Chattanooga, Tennessee, em 1896, comprou o moribundo jornal e lhe mostrou o caminho do sucesso. "O Times é uma grande história", disse Alex S. Jones, vencedor do Prêmio Pulitzer que cobriu o setor da imprensa para o jornal por nove anos e é autor, com a mulher, Susan E. Tifft, de The Trust, o livro definitivo sobre a família Ochs-Sulzberger. "É a organização noticiosa mais importante do mundo." O Times já enfrentou problemas antes e sobreviveu. Em 1976, uma reportagem de capa da revista Business Week contestou as qualificações de Arthur Ochs "Punch" Sulzberger, pai do atual publisher, Arthur Sulzberger Jr., e disse que a família poderia ser forçada a vender se os lucros não aumentassem. Depois disso, o Times viveu alguns de seus melhores anos. O Times de hoje é surpreendido por mudanças sem precedentes, que varrem um setor cujos leitores e anunciantes migram do jornal impresso para a internet, onde a maior parte do conteúdo é gratuita e os preços da publicidade são mais baixos. Considerem o que aconteceu em pouco mais de um ano: a segunda maior editora de jornais dos EUA, Knight Ridder, foi vendida e dividida. A terceira maior, Tribune Co., está fechando o capital, numa complexa transação que põe um empresário do setor imobiliário no comando e deixa a maior parte do risco para os empregados. E a família Bancroft, proprietária, há mais de 100 anos, da Dow Jones, que publica The Wall Street Journal, parece propensa a vendê-la a Rupert Murdoch. Nesse caos, objeto de reportagens e análises agressivas no New York Times, tem havido relativo silêncio no jornal quanto a seus próprios donos, seus desafios e sua estratégia. De Arthur Sulzberger Jr. a Landon Thomas Jr., um repórter de economia escalado para cobrir os assuntos envolvendo o jornal, todos reconhecem uma verdade fundamental: é difícil escrever sobre si mesmo. Se os funcionários dizem algo positivo, alguns leitores acham que estão "agradando aos chefes", afirmou Bill Keller, o editor-executivo. Se escrevem algo negativo, continuou Keller, alguns leitores acham que "o fim está próximo, pois a situação deve ser ainda pior". Em março, enquanto Hassan Elmasry, administrador de portfólio do Morgan Stanley baseado em Londres, conclamava os acionistas externos da New York Times Co. a se abster de votar nos diretores, em protesto contra a administração, o Journal publicou, na primeira página, um artigo de 3.200 palavras sobre a controvérsia. O jornal retratou o drama da disputa entre Elmasry e Sulzberger e informou que a campanha de Elmasry havia forçado a diretoria da Times Co. a "entrar em algumas discussões difíceis", incluindo a hipótese de fechar o capital da companhia. Um mês depois, na véspera de uma reunião anual onde uma maioria dos acionistas externos se absteve de votar na lista de diretores da companhia, o Times publicou sua bem-comportada versão de 1.500 palavras sobre a revolta liderada por Elmasry. O artigo abordou os temas principais sem o interesse, o drama e a qualidade investigativa da reportagem do Journal. Thomas, o repórter, afirmou: "Não é que não sejamos agressivos, mas escrever sobre o Times e seus donos não é a coisa mais fácil de se fazer". Sulzberger afirmou: "O Journal pode ser um pouco mais especulativo do que nós podemos quando o assunto somos nós." O Times, disse ele, tem de ser duplamente cuidadoso, pois todo o conteúdo de um artigo sobre o diário é interpretado pelo leitor como informação privilegiada. Poderíamos dizer que foi fácil para o Journal publicar sua reportagem, pois é um prazer noticiar problemas do concorrente. Mas o artigo do Journal era sólido e revelador. Também poderíamos dizer que o Journal, embora tenha sido agressivo na cobertura da oferta de Murdoch pela Dow Jones, não foi tão diligente sobre os problemas financeiros e administrativos que, antes de tudo, tornaram a companhia vulnerável. Eis um artigo que o Times deveria publicar sobre si mesmo: os Bancroft, como os Sulzberger, orgulharam-se, ao longo de gerações, de ter uma companhia que dava menos lucro que outros jornais, mas produzia um grande jornalismo. Mas, com o preço de suas ações deprimido e a geração mais jovem afastada dos negócios e insatisfeita com a queda dos lucros, a família parece ter se dividido. Quão unidos são os Sulzberger e o que os mantém juntos? Quem representa a nova geração e qual seu grau de compromisso com o velho costume da família de investir pesado no jornalismo de qualidade, mesmo em períodos financeiros turbulentos? A quinta geração tem 27 membros. Quanto espaço há para eles na empresa e como estão sendo preparados para assumir a liderança? Uma conversa com Sulzberger indica como a história seria interessante e também delicada e difícil de entender. Sulzberger afirmou que há duas grandes diferenças entre sua família e os Bancroft. O controle dos votos na New York Times Co. é mantido num único grupo de administração de propriedades dirigido por oito membros da família, dos quais seis precisam aprovar as decisões mais importantes. O grupo de administração único ajuda a manter a família unida, disse Sulzberger. As propriedades dos Bancroft na Dow Jones espalham-se por uma complicada rede de grupos de administração separados e, às vezes, sobrepostos, tornando mais fácil para os membros da família seguir rumos diferentes. Sulzberger não quis falar sobre a partilha dos lucros na família ou outros detalhes de seu grupo de administração familiar. Entre os administradores estão Sulzberger, seu primo Michael Golden (vice-presidente da New York Times Co. e publisher do jornal International Herald Tribune) e pelo menos um membro da quinta geração. Os Bancroft não se envolvem nas operações da Dow Jones. O cargo de publisher do Times é ocupado por um membro da família Ochs-Sulzberger desde que Adolph Ochs comprou o jornal. E outros membros da família, como Golden, envolvem-se nas empresas em vários níveis. "Mais de meia dúzia de membros de minha geração trabalharam no New York Times", disse Sulzberger. "Os membros da família aprenderam que "precisavam cometer erros e crescer. É o que estamos fazendo com a próxima geração, dentro e fora do Times." Mesmo relutando em revelar mais detalhes sobre a família, Sulzberger reconhece que o tema de reportagem é legítimo.

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