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Falência da Thomas Cook, fim de uma era

Primeira agência de viagens do mundo, criada em 1841, não sobreviveu às mudanças no modo de fazer turismo

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

Os números são enormes: 600 mil homens, mulheres e crianças espalhados pelo mundo e que precisam ser repatriados para suas casas, 22 mil funcionários desempregados, € 20 bilhões em faturamento e lucro de € 800 milhões no ano fiscal encerrado em 2 de setembro de 2018, tal é o estranho balanço de uma falência monumental.

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E se lhe dissermos o nome da empresa que acabou naufragar com toda sua tripulação, Thomas Cook, você entenderá que esse evento é um desses sinais, cada vez mais claros, nos últimos anos, a nos informar que o planeta embarca em uma nova era econômica, a qual penamos para adivinhar quais serão suas cores, feridas e ressurreições.

Esse nome, Thomas Cook, é obviamente o do maior navegador do século 18. É também o nome da primeira agência de viagens do mundo, criada em 1841, e que organizou a primeira viagem de um trem com 500 pessoas, entre Leicester e Loughborough, no Reino Unido.

Logo da Thomas Cook em aviões da empresa no aeroporto de Manchester, no norte da Inglaterra. Foto: Oli Scarff/AFP - 23/9/2019

Modesta de nascimento, mas mais tarde gerou esse monstro, cujo nome sozinho despacha os “sonhadores” para a época dos grandes vapores, das canções da Belle Époque, das ilhas do Pacífico ou para a cacofonia de Istambul, Valparaíso ou Zanzibar.

A imprensa britânica já expôs ao desprezo público os líderes da Thomas Cook, que embolsaram 20 milhões de libras nos últimos cinco anos, apesar de sua incapacidade cada vez mais notória de se adaptar ao mundo. Talvez exista verdade nessas reprovações, mas principalmente a queda da Thomas Cook confirma o que sabemos há alguns anos: o turismo não é o que já foi. Ao se tornar um turismo de massa, ele inventou novas ferramentas, novos sistemas, novos desejos, outras maneiras de distribuir a felicidade.

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Primeira constatação: o turismo está longe de se desacelerar no início deste século. Em 2018, o número de viajantes internacionais no mundo aumentou 8% e atendeu a 4 bilhões de pessoas.

Mas, como muitas atividades (indústria, comércio, jornalismo ...), a de viagens sofreu, 20 anos atrás, a devastadora irrupção da internet. Adicionado a esse primeiro choque, veio a demanda de turistas pelo baixo custo, que não era a especialidade da Thomas Cook.

Hoje, os turistas estão de olho no orçamento. Eles comem sanduíches ou hambúrgueres, ou alimentos sem frescuras. Eles viajam com pouca bagagem e suas malas não são necessariamente Vuitton. Compram seus ingressos online. Eles mesmos organizam suas viagens e não precisam do consultor da Thomas Cook para esclarecê-los sobre destinos, hotéis etc. Já conhecem e fazem seus próprios itinerários. Novos procedimentos aparecem, Airbnb, Expedia etc.

Rompa então com os antigos operadores turísticos que oferecem viagens “personalizadas”, nas quais tudo está incluído, salas, clubes, trens, aeronaves etc. De fato, entre as principais empresas de viagens, continua em forma apenas uma, a TUI, especializada no sol e mais orientada para os países do hemisfério norte, e que diversificou suas ofertas, insistindo em cruzeiros com a ilusão do luxo e do tédio genuíno que eles produzem. Os outros dois dinossauros desapareceram: Kuoni em 2010 e Thomas Cook no início da semana.

Certamente, ainda existe um turismo tradicional que atrai os ricos. O caso do Club Med é eloquente: ele evitou o desaparecimento, primeiro ao se tornar chinês e depois elevando a categoria. Também muito populares: jornadas difíceis e amargas que exigem qualidades físicas e morais. É o caso da Terres d'Aventures, cuja saúde é excelente. Moralidade: neste ramo, mais valem pés ágeis que mastodontes.

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