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Falha de gestão e seguro rural

Por Antônio M. Buainain e Pedro Loyola
Atualização:

No Brasil a cultura de "terceirizar" responsabilidades por problemas que poderiam ter sido evitados encontrou solo fértil e é hoje patrimônio nacional. Segundo o governo, os fatores externos explicam quase todas as dificuldades que enfrentamos, da "interminável" crise internacional - já superada pelo mundo afora, mas que continua "explicando" a estagnação brasileira - à má vontade de São Pedro, que não fez chover o suficiente e nos colocou na iminência do racionamento de água em São Paulo e de um apagão generalizado em plena Copa do Mundo. Parece não existir planejamento hídrico e energético.No caso da agricultura, ainda que o excesso ou a falta de chuva sejam de fato importantes, os problemas mais emblemáticos estão mesmo associados à má gestão das políticas públicas, a falhas do Estado, que hoje são bem maiores que as de mercado. A fragilidade política e a partidarização da gestão têm se refletido em deficiências na condução e no desempenho da maioria dos programas e políticas, e explicam desde os maiores gargalos, infraestrutura e logística do escoamento da produção, até os mais simples, como as responsabilidades rotineiras do Ministério da Agricultura.Evidência insuspeita do descaso com a agricultura é o resultado da auditoria do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) com o objetivo de avaliar a eficácia na mitigação de riscos da atividade agropecuária e identificar oportunidades de melhoria no programa.O parecer dos auditores é claro: a situação encontrada impede o desenvolvimento do mercado de seguro rural. O programa apresenta inúmeras fragilidades, todas associadas à gestão, como a publicação intempestiva das regras em relação ao período de plantio; o contingenciamento, a distribuição e os atrasos dos repasses de subvenção, que restringem a concorrência entre seguradoras e a própria qualidade do serviço prestado; as deficiências nos controles internos e no monitoramento de impactos da política, que impedem a correção dos erros e, por fim, a ausência de um fundo garantidor de perda catastrófica eficiente, assunto que está parado no Ministério da Fazenda há mais de três anos. Ainda bem que não ocorreu nenhuma catástrofe no período, cuja conta acabaria no Tesouro sem impedir danos profundos às seguradoras e aos agricultores.O resultado é que a política de seguro rural não alcançou os objetivos definidos pelo próprio governo, e menos de 20% da área cultivada está protegida. De um lado, a indústria (seguradoras, resseguradoras e corretores) não tem segurança para investir no aprimoramento e no desenvolvimento dos produtos, no aumento de suas carteiras e na expansão territorial para além de algumas regiões do Centro-Sul do País. De outro, os produtores não podem e não têm confiança para contratar o seguro livremente, e operam no limite estreito definido pelo governo. E, com isso, mantemos o setor que hoje movimenta 41% das exportações, representa 22% do PIB e gera 33% dos empregos nas mãos de São Pedro. Em contrapartida, a nova Lei Agrícola americana turbina o programa de seguros para garantir a renda do produtor contra a quebra de produção e de preços.A agricultura tem efeito multiplicador na economia brasileira mais forte que a Copa do Mundo, e é preciso cuidar dela, pois o ciclo de preços altos, que asseguraram nossa competitividade apesar das grandes ineficiências sistêmicas, pode estar no fim. A arrumação da casa do governo federal é essencial para assegurar a estabilidade na oferta de alimentos, conter a inflação, promover o desenvolvimento econômico no interior do País, criar empregos e manter o agricultor no campo.O ano parece perdido. A Copa está batendo na porta e já estamos vivendo o clima de campanha eleitoral, em que todas as promessas são válidas, independentemente da viabilidade e da seriedade. Mas é bom que os candidatos prestem atenção, de verdade, na agricultura. A receita do que fazer é bem clara. Basta um pouco de vontade e muita competência.*Antônio M. Buainain e Pedro Loyola são, respectivamente, professor da Unicamp e economista da FAEP.

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