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'Falta clareza do que vem pela frente após a Previdência'

Para economista da XP Investimentos, governo precisa mostrar mais detalhes da agenda futura, a ordem de prioridades e a capacidade de entrega

Por Renée Pereira
Atualização:

Para a economista da XP Investimentos, Zeina Latif, a economia mundial ainda vai piorar antes de melhorar. Mas há chances de uma redução do ritmo de desacelaração global. Na avaliação dela, além do corte dos juros americanos, a China ainda tem algumas munições para estimular sua economia, o que pode diminuir o ritmo de retração. "Mas não vejo um novo ciclo mundial com a economia voltando a ganhar tração logo. Ainda vamos ter um cenário desafiador em 2020, com desaceleração."

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Segundo ela, apesar de ser uma economia fechada, o Brasil não tem como ficar imune a esse cenário. O impacto, no entanto, vai depender de como o governo vai fazer sua lição de casa: "Mas, nesse aspecto, tenho mais dúvidas do que respostas. Sabemos quais os princípios básicos que norteiam a política econômica, mas há dúvidas sobre o que vem pela frente".

A economista participará do painel "O Poder da Economia", do Summit Brasil, promovido pelo Estadão, no próximo dia 30 - as inscrições podem ser feitas no site estadaosummitthebigideas.com.br.

Veja a seguir a entrevista.

Para Zeina, desaceleração global vai continuar em 2020 Foto: Felipe Rau

Como a sra. vê o cenário internacional e a desaceleração da economia global? 

Acredito que ainda tem mais para piorar antes de melhorar. Estamos tendo uma desaceleração que pode perder fôlego e reduzir o ritmo. O efeito dos juros altos do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) lá atrás está perdendo força pela própria defasagem da política monetária, mas também porque o Fed está cortando os juros. O banco central quando mexe nas taxas de juros demora um tempo para se materializar na economia. Por essa defasagem natural, 2019 era exatamente o ano de maior impacto da alta dos juros americanos. Daqui para frente, o efeito daqueles juros mais altos tende a ser menor. Soma-se a isso, o fato de Fed ter cortado juros. Para o ano que vem, isso ajuda a conter o ritmo de desaceleração.

E na China?

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Sabemos que a China tem usado políticas de estímulo desde meados do ano pasado. É claro que há limites para a eficácia dessas políticas, mas também sabemos que eles têm mais munições para usar. A China tem opções para estimular crédito e para injetar liquidez no seu mercado. Estamos vindo num ritmo forte de desaceleração, mas pode ser que perca o fôlego. Não acho que seja para agora e também não é possível dizer que o ciclo de enfraquecimento da economia terminou. 

E o efeito da guerra comercial? 

É claro que acima de tudo isso tem a questão da guerra comercial. O mês de agosto deu uma chacoalhada no Trump (Donald Trump, presidente dos Estados Unidos) e ele deu uma segurada. Mas sou cética em relação a ter um progresso nessa questão. Uma coisa é parar de piorar. A outra é termos de fato uma solução rápida para esse conflito. Acredito que não. A China não é qualquer país que está do outro lado da mesa de negociação. Estamos falando de uma potência mundial, que olha o longo prazo e não vai aceitar qualquer acordo para resolver um problema de desaceleração de curto prazo. Para esse problema, ela vai usar os instrumentos que tem. Mesmo que saia algum esboço de acordo não é algo para se resolver rapidamente. Provavelmente será tudo muito devagar, em etapas. Serão muitas idas e vindas. Além disso, o Trump é muito imprevisível.

O que poderia mudar a dinâmica da economia mundial?

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As políticas anticíclicas, o corte dos juros e os estímulos econômicos podem funcionar e conter a desaceleração, mas aquilo que seria o principal fator para a retomada do ciclo econômico mundial é o comercio. E, nesse aspecto, não vejo boas notícias tão cedo. O mudaria a dinâmica da economia mundial não é uma opção disponível agora. O comércio mundial está encolhendo. Está numa posição entre estagnado e encolhendo. Como o comércio mundial está fraco, a taxa de investimento é baixa e o potencial de inovação diminuiu. Portanto, o potencial de crescimento do mundo está encolhendo. Antes de melhorar vai piorar.

Qual o peso da guerra comercial entre Estados Unidos e China na desaceleração mundial?

É grande. Acho que nesse momento é um fator preponderante. A desaceleração começou em 2018. Em 2017, a economia mundial estava ganhando tração, o FMI (Fundo Monetário Internacional) falava em um crescimento sincronizado. Eu também estava otimista. Em 2018, começou a ter inflexão. A China e os Estados Unidos começaram a perder fôlego. Somou-se aí a questão da guerra comercial. Nesse momento, houve uma aceleração do ritmo de desaceleração. Além disso, temos visto políticas protecionistas no mundo todo. Por isso, não vejo um novo ciclo mundial com a economia voltando a ganhar tração logo. Acho que ainda vamos ter um cenário desafiador em 2020. O mercado celebra juros baixos, inflação baixa e sem grande volatilidade. Mas vejo um quadro perigoso, pois acho que tem mais desaceleração para vir. Especialistas e analistas que acompanham China dizem que o país está caminhando para crescimento entre 3% e 4%. Essa questão estrutural da China também é um fator muito preocupante nesse cenário mais protecionista, pois contamina o mundo todo. 

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E como o Brasil fica nesse cenário?

Não dá para ficar totalmente descasado desse cenário. Para um país que já não tem grande crescimento, qualquer coisa impacta, apesar de sermos uma economia fechada. Da mesma forma que na década passada boa parte da nossa performance foi fruto do boom de commodities, agora também não vamos ficar imunes. Mas há o impacto nos fluxos de investimentos e no próprio comércio. Percebemos que o volume de exportação não está crescendo. Teve boas notícias para a agropecuária com a guerra comercial e com a gripe suína (na China), mas de forma geral estamos falando de exportação praticamente andando de lado. Os fluxos financeiros também. A discussão era de que haveria uma avalanche de investimentos no Brasil depois da aprovação da reforma da Previdência – não concordava com essa visão. Mas o mundo não está com esse apetite todo. O investimento direto estrangeiro no mundo está caindo. Quando olhamos no passado víamos países emergentes crescendo num ritmo muito acima das economias avançadas, alavancadas pela China. Hoje não há uma história maravilhosa de emergentes. Então não tem como a gente não ser impactado. Podemos discutir se o País será mais ou menos impactado, dependendo de como a lição de casa será feita. 

E qual a sua expectativa em relação às mudanças após a reforma da Previdência?

Nesse aspecto, tenho mais dúvidas do que respostas. Sabemos quais os princípios básicos que norteiam a política econômica, mas não temos clareza do que vem pela frente após a reforma da Previdência. Sabemos da reforma administrativa e da tributária. Mas com que ordem isso ocorrerá, qual a prioridade? Qual será a dinâmica no Congresso? No caso da Previdência, era de interesse do Congresso aprovar a reforma. Afinal, sem a reforma era um colapso. E no colapso ninguém ganha, todo mundo perde. As outras reformas que estão pela frente não tem esse debate tão amadurecido. Tenho ainda dificuldade, apesar de ver boa intenção e de enxergar que é uma agenda na direção correta. Não sabemos qual a capacidade de entrega. O ambiente está confuso.

Há alguma melhora da economia?

No caso do varejo, há alguns números que estão vindo melhores por causa do crédito. Vemos o fluxo de crédito para pessoa física em patamares pré-crise. O movimento de recuperação tem ficado mais disseminado. Com o corte dos juros, o crédito começa a voltar e estimula a demanda. Vemos também alguma melhora na construção civil, especialmente em moradias para classe com renda mais alta. O mercado de trabalho também está demonstrando alguma tração. Na margem, as notícias são mais positivas. Mas tudo ainda é muito lento. E aqui há um descompasso. Se por um lado há notícias positivas no consumo das famílias e até de algum investimentos, os dados da indústria e de serviços são de uma economia que não está reagindo. Minha preocupação é extamente a indústria, que acaba contaminando os serviços. Uma parcela do setor de serviços depende da indústria. 

Por que a indústria não reage?

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A indústria está praticamente estagnada. O parque industrial que está obsoleto. Mesmo com o aumento do câmbio estamos aumentando a participação do produto importado na cesta do brasileiro. Isso mostra que a nossa indústria está defasada e não está conseguindo competir. Há um problema grave de competitividade da nossa indústria que é esse baixo potencial de crescimento do País depois de tantos equívocos de políticas econômica e crise prolongada que diminui taxa de investimento e deixa o parque defasado. Por isso, entendo que o corte dos juros gera estímulo ao crédito e cria alguma dinâmica em alguns setores. Mas não é isso que vai aumentar a capacidade de reação do PIB potencial. Não é porque reduziu juros que vamos ter investimento em infraestrutura. Precisamos de marco regulatório e segurança jurídica. Essa é outra agenda. E é essa agenda de produtividade e de crescimento econômico que não está clara. 

A sra. falou que o investidor estrangeiro não está com muito apetite. Mas com juros negativos no mundo eles não precisarão buscar novas alterantivas?

O investidor estrangeiroestá mais seletivo. O saldo líquido na Bolsa é negativo, mas teve interesse no leilão de aeroportos e de rodovias. O cuidado que se tem de ter em relação aos juros lá fora é que os juros negativos são reflexo desse comportamento do investidor. Ele prefere deixar o dinheiro parado ou pagar para ter esse dinheiro parado a investir em bolsa de país emergente. Temos visto a saída de bolsa de emergentes não só no Brasil. E como foi injetado muita liquidez na economia mundial é muito dinheiro que fica empoçado.

Serviço

Estadão Summit Brasil - O que é Poder, inspirado no The New York Times The Big Ideas 

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